quarta-feira, 30 de março de 2022

Crítica: Fresh (2022)


Lançado no Brasil diretamente na Star+, Fresh mistura três elementos totalmente inesperados em um mesmo filme: suspense, canibalismo e… comédia romântica. Sim, é isso mesmo que você leu. A trama, dirigida pela estreante em longa-metragens Mimi Cave, acompanha Noa (Daisy Edgar-Jones), uma mulher jovem e bonita que está cansada de conhecer homens por meio de aplicativos de paquera e nunca engatar de fato um relacionamento sério. Certo dia, por acaso, Noa cruza no corredor de um supermercado com um homem chamado Steve (Sebastian Stan), que se mostra simpático e atencioso, e eles logo marcam um jantar para se conhecerem melhor.


Steve aparenta ser um homem praticamente perfeito, e não é de surpreender que Noa acabe se apaixonando por ele e aceitando viajar na sua companhia para um final de semana "dos sonhos", mesmo sem conhecê-lo direito. Até então, o roteiro parece um verdadeiro romance, e tudo estava indo bem até que os dois chegam na mansão isolada de Steve, onde finalmente aparecem os créditos iniciais do filme (depois de 30 minutos) e descobrimos as verdadeiras intenções do rapaz.

Não vou entrar em detalhes além do que já é descrito na sinopse e na promoção do filme, ou seja, que se trata de um filme sobre canibalismo, e neste caso, sobre um grupo que tem toda uma logística para possibilitar o consumo de carne humana. E depois da virada de chave no roteiro, o filme não tem muito o que mostrar além da rotina de Steve nesse "negócio" e das tentativas frustradas de Noa de escapar do cativeiro montado por ele.


O roteiro escrito por Lauryn Khan tem cenas bem inusitadas de humor, e apesar do tema ser consumo de carne humana, não vemos nenhuma cena de amputação grotesca ou tortura feita com as vítimas, deixando o terror mais pro lado psicológico e imaginativo do espectador. No final, Mimi Cave acaba deixando de lado toda a calmaria do filme para um final frenético e acelerado, mas ainda assim satisfatório (mesmo que entregue a clichês).


sexta-feira, 25 de março de 2022

Crítica: Está Tudo Bem (2022)


Baseado no livro homônimo escrito por Emmanuèle Bernheim, amiga próxima e grande colaboradora do diretor François Ozon, Está Tudo Bem (Tout s'est bien passé) narra um período na vida da própria escritora em que seu pai, logo após sofrer um AVC e ficar debilitado, pediu para que ela o ajudasse a morrer. Nesta mesma semana vimos a notícia do astro do cinema francês Alain Delon, que fez o mesmo pedido ao seu filho, e o filme de Ozon serve como mais um recorte nesta importante discussão a cerca do assunto.


A eutanásia é um procedimento permitido em apenas cinco países do mundo, e em quatro estados dos Estados Unidos, sendo desta forma uma realidade um pouco distante da nossa. Mas o direito de optar por uma morte digna para aliviar um sofrimento, seja por causa de uma doença ou simplesmente pelas consequências da velhice, é uma discussão universal, e nunca deixou de ser pauta entre médicos e juristas. Afinal, envelhecer pode até ter o seu encanto, mas também tem suas dores, e quanto envolve uma enfermidade ainda tem também a parte da degradação do corpo e o fato da pessoa deixar de se reconhecer no mesmo.

No filme, André (André Dussollier) fala sobre isso em um certo momento, quando deixa claro que optou por morrer porque não se enxerga mais na pessoa que já foi um dia. E de fato, ele está certo. O simples ato de conseguir sentar sozinho em uma poltrona vira motivo de comemoração para a filha Emmanuèle (Sophie Marceau), que junto com a irmã Pascale (Géraldine Pailhas), corre para tentar realizar o desejo do pai, mesmo estando contrariadas. 

É interessante acompanhar esse processo de luto antes da morte, que vai desde os preparativos até as despedidas, e não tem como não pensar que deveríamos todos ter a chance de poder fazer isso com nossos entes queridos, ao invés de vê-los partirem de repente. Mas ao mesmo tempo, me fez refletir sobre como jamais podemos deixar para se aproximar ou demonstrar carinho por quem gostamos apenas quando o fim é iminente, como a personagem de Pascale, que havia se afastado do pai por muito tempo e agora sente um certo peso da culpa.

 


O roteiro não possui nenhuma reviravolta ou surpresa, e se contenta apenas em mostrar o dia a dia dessa família, do primeiro dia de internação do pai até o derradeiro dia. Infelizmente a relação de André com sua ex-mulher Claude (Charlotte Rampling) acaba sendo tratada muito superficialmente, assim como os motivos que fazem a relação das filhas com o pai ser um pouco distante e sem afeto. Nem mesmo os flashbacks inseridos conseguem aprofundar essas questões, ficando tudo para a interpretação de quem assiste. Por esses motivos, não considero o melhor trabalho do Ozon na direção, mas seus ótimos trabalhos como Frantz (2016) e Graças a Deus (2018) o deixaram com bastante crédito.


quinta-feira, 24 de março de 2022

Crítica: O Bombardeio (2022)


Em 21 de março de 1945, o exército britânico cometeu um dos erros mais absurdos já vistos durante uma guerra. Tendo como alvo o prédio da Gestapo em Copenhagen, os aviões da força aérea acabaram errando o local e atingiram uma escola próxima, matando mais de 120 pessoas, grande maioria delas crianças. Dirigido pelo dinamarquês Ole Bornedal, O Bombardeio (Skyggen i mit oje) conta um pouco mais desta tragédia, mas infelizmente se perde em um roteiro raso, sem foco, e extremamente forçado.


Primeiramente, devo dizer que a introdução do filme é ótima, onde três jovens meninas estão indo para um casamento e acabam sendo atingidas por uma saraivada de balas jogadas de um avião. O diretor claramente quis começar passando a mensagem de que a guerra é algo que atravessa violentamente a rotina de pessoas inocentes sem pedir licença, e nisso ele acertou demais. A partir de então, a história vai se desenrolando ao redor de personagens que moram na capital dinamarquesa e que lá no final irão se conectar, mas que por enquanto são mostrados individualmente. E é aqui que o filme começa a se perder.

Ao querer mostrar um pouco de cada personagem, o roteiro não se aprofunda de fato em nenhum. Um dos exemplos é a freira Teresa (Fanny Bordenal), que começa a se questionar sobre Deus depois dos horrores que presencia na guerra e que por si só poderia ter rendido um plot muito interessante, mas que foi totalmente desperdiçada quando inicia um romance com um soldado alemão. Também achei forçado o garoto Henry (Bertram Bisgaard), que fica traumatizado após assistir a um fuzilamento e perde a voz, mas em uma virada totalmente previsível, a recupera quando se faz necessário.

Por mais que já estejamos cansados de ver histórias da Segunda Guerra, tanto no audiovisual como na literatura, senti que faltou uma contextualização da situação e do porquê da Dinamarca estar sendo alvo naquele momento. Também não tenho problemas com dramas, inclusive gosto muito de filmes que me emocionam pelo conteúdo e diria até que é meu gênero preferido, mas aqui temos o típico filme que tenta, nitidamente, forçar a todo momento um choro no espectador e isso me incomoda demais.

 


O novo lançamento da Netflix no Brasil provavelmente renderá discussões no momento em que vivemos as tensões de uma guerra na Europa oriental, mas infelizmente deixa a sensação que de que poderia ter sido muito mais do que foi. Como disse no começo, é um filme que não tem foco, e por isso acaba sendo muito superficial na sua proposta. Uma pena.
 

segunda-feira, 21 de março de 2022

Crítica: O Bom Patrão (2022)


Recordista de indicações no Goya, principal premiação do cinema espanhol, e representante do país no Oscar 2022, O Bom Patrão (El Buen Patrón) é uma ótima comédia ácida sobre a falsa moralidade que existe nas relações empregado/patrão.


A trama acompanha Blanco (Javier Bardem), dono de uma empresa consolidada e bem sucedida que fabrica balanças de todos os tipos. Aliás, o equilíbrio e a precisão das balanças é algo que Blanco costuma levar metaforicamente para tudo na vida. Apaixonado pelo que faz, ele não deixa de lembrar a todo momento o quanto esses valores são importantes, e gosta de tratar os seus funcionários como membros da família, abraçando seus problemas particulares e tentando inclusive resolvê-los pelo bem estar de todos.

O ambiente aparentemente tranquilo da empresa é ameaçado quando um funcionário (Óscar de la Fuente) não aceita a sua demissão e monta um acampamento na frente do local, fazendo de tudo para tentar botar abaixo a reputação de "empresa comprometida com o ser humano" que Blanco tanto prioriza manter intacta. E tudo isso acontece às vésperas da fábrica receber a visita de um comitê que vai avaliar uma premiação que Blanco sonha há anos conquistar para colocar na sua parede de troféus.


O sorridente empresário pode até ser um grande chefe, mas como todo bom patrão, na hora do aperto ele vai passar por cima de qualquer um para defender a saúde financeira da sua empresa. E é exatamente aí que começam as críticas do filme, todas feitas com muito sarcasmo e bom humor. Apesar de não ter um viés político declarado, o filme faz uma crítica nas entrelinhas ao modo perverso que o mundo capitalista age para defender os seus interesses.

Javier Bardem está impecável na pele deste personagem cheio de camadas e surpresas. O tempo todo Blanco tenta mostrar que é um homem sério, de caráter irretocável, mas suas atitudes por debaixo dos panos deixam evidente que não é bem assim. O "clichê" do caso extraconjugal com uma estagiária (Almudena Amor) também tem um papel interessante na trama, como se tirasse de vez essa sua máscara da moralidade.

 

Gosto também da crítica feita aos defensores da "meritocracia", quando Blanco dá a entender que merece mais do que ninguém estar onde está e ter uma empresa de sucesso, e uma pessoa da família rebate dizendo que ele já recebeu tudo pronto do antigo dono, que no caso era o seu próprio pai. Por fim, O Bom Patrão tem o tipo de humor que me agrada muito ver em um filme, pois ao mesmo tempo em que faz rir, também desenvolve o pensamento crítico e traz questionamentos pertinentes à sociedade atual. Um dos filmes mais bacanas e envolventes que assisti até então no ano.


quinta-feira, 17 de março de 2022

Crítica: Pequena Mamãe (2022)


Depois do magnífico Retrato de uma Jovem em Chamas, que para mim foi o melhor filme lançado em 2019, a diretora Céline Sciamma volta às telas com Pequena Mamãe (Petite Maman), um drama alegórico, intimista e bastante sensível sobre a poderosa ligação que existe entre mães e filhas.


Nelly (Joséphine Sanz) é uma menina de oito anos que acaba de vivenciar o luto ao perder a avó. Logo após o funeral, ela viaja com a mãe (Nina Meurisse) para a casa em que a avó vivia no interior, onde irão fazer a limpeza e a retirada de todos os móveis para venda. Logo também se junta a elas o pai de Nelly (Stéphane Vaupenne), que também vai ajudar na função. Enquanto os adultos empacotam as coisas, a menina aproveita para caminhar pela floresta que fica ao redor da casa, onde sua mãe brincava na infância e até construiu uma casa na árvore há muitos anos atrás. Numa dessas andanças, Nelly acaba conhecendo e fazendo amizade com outra menina (Gabrielle Sanz) da mesma idade que a sua e que, curiosamente, tem o mesmo nome de sua mãe e também está construindo uma casa na árvore.

Com apenas 1h12min de duração, o filme é muito direto em sua proposta, e suas ações se passam em praticamente dois dias. Com um enredo cheio de metáforas e com pitadas de fantasia, Sciamma nos faz refletir sobre a vida e a morte, mas mais do que isso, sobre nossas conexões. Nada é explícito, e são através de pequenos detalhes que vamos juntando o quebra-cabeça que envolve a relação das duas meninas. O filme é mostrado inteiramente na perspectiva das crianças, e é importante dizer que Joséphine e Gabrielle, que são gêmeas na vida real, contracenam muito bem e carregam o filme inteiro com muita doçura, tanto nas cenas divertidas como nas cenas dramáticas. A cena final, inclusive, é de uma beleza ímpar.


A naturalidade com que Sciamma nos apresenta essa fábula moderna é realmente impressionante, e emociona até mesmo quem não se deixa levar tão fácil pela emoção. Mesmo sendo um filme menor do que o seu antecessor, Pequena Mamãe consegue mostrar o porquê da diretora ser hoje um dos nomes que melhor sabe apresentar uma boa história com sensibilidade.


domingo, 13 de março de 2022

Crítica: Batman (2022)

Filmes de super heróis, em geral, não me atraem nem um pouco. Confesso que já tentei assistir filmes do gênero mas o excesso de GCI e algumas características específicas desse tipo de obra me afastaram demais deste universo. Porém, existe um personagem dos quadrinhos que sempre me faz abrir uma exceção, pois considero a abordagem de seus filmes muito mais realista e profunda do que os demais. Estou falando dele, o Batman, que teve sua primeira aparição nas telonas em 1943 e já foi interpretado por alguns dos maiores nomes do cinema como Robert Lowery, Michael Keaton, George Clooney e Christian Bale.


Em Batman (The Batman), dirigido por Matt Reeves, quem assume a responsabilidade de interpretar o "homem morcego" é Robert Pattinson, que eu particularmente considero uma ótima escolha por ele ser um dos atores mais completos da nossa geração. Justamente por isso não me surpreendeu a atuação incrível de Pattinson, que mais uma vez calou os críticos e demonstrou estar mais preparado do que nunca para o papel. Diferente dos últimos filmes, onde a figura do Batman já fazia parte do cotidiano de Gotham City, aqui temos um Batman mais jovem, recém descobrindo o que de fato é "ser o Batman". Outra mudança de perspectiva diante das obras anteriores é o fato do filme de Reeves focar muito mais no lado investigativo do protagonista, que trabalha junto com o chefe de polícia Jim (Jeffrey Wright) para desvendar uma série de assassinatos que está amedrontando a cidade.

Por ter essa atmosfera mais enigmática, que remete a filmes "noir" do passado, o roteiro acaba tendo menos cenas de ação, o que achei bom, visto que quando elas aparecem são com propósito e muito bem encaixadas com o enredo. Aliás, destaco duas cenas de ação que para mim valeram o ingresso do filme: a perseguição com o "BatMóvel" atrás do Pinguim, interpretado por um irreconhecível Colin Farrell, e a cena em que o Batman luta com capangas de Carmine (John Turturro) no escuro, que tem sua iluminação conduzida apenas pelo fogo dos projéteis saindo das armas, e que segundo o próprio diretor não teve nenhum tipo de efeito digital.

Para além da ação, uma das cenas que mais me impressionou foi logo no início quando Batman enxerga um menino que acabou de ficar órfão, e é perceptível no seu olhar a ligação que ele faz entre a situação que está presenciando e os acontecimentos trágicos da sua infância, o que automaticamente cria uma empatia muito forte dele com a criança. Mais para o final ainda tem aquela que para mim é a grande cena do longa, com uma participação impressionante e digna de Oscar do ator Paul Dano.

No fundo de tudo existe uma Gotham City mais uma vez sombria e imoral, onde o crime cresce diariamente na mesma velocidade em que a corrupção corrói aqueles que deveriam cuidar disso. Aliás, importante dizer que a trama se passa durante os dias que antecedem a nova eleição para prefeito, onde os ânimos estão exaltados e muitas coisas estão sendo varridas para debaixo do tapete, cenário propício para surgir alguém como o vilão Charada, que quer "expor a podridão" que existe naquela cidade.
 

Algumas coisas bem específicas me incomodaram um pouco, mas creio que sejam mais questões de gosto pessoal do que necessariamente defeitos, por isso nem entrarei em detalhes sobre. Por fim, não irei fazer comparações com outros filmes do herói, pois considero que cada filme tem sua própria identidade, assim como cada ator que o protagoniza, mas certamente o Batman de Reeves e Pattinson já entra para a história como um dos melhores de todos os tempos.
 

quinta-feira, 10 de março de 2022

Crítica: O Canto do Cisne (2022)


Descobrir que você tem uma doença terminal e que consequentemente tem pouco tempo de vida deve ser algo terrível, sobre o qual não consigo nem mensurar. Tão terrível quanto deve ser o sentimento de quem fica, e precisa seguir em frente guardando o amor apenas nas lembranças. Mas e se você tivesse a oportunidade de colocar um clone absolutamente igual a você no seu lugar para continuar sua vida de onde parou, e dessa forma pelo menos preservar os outros de sentir essa dor? Essa é uma questão delicada e muito difícil de ser respondida, e é o que move O Canto do Cisne (Swan Song), longa-metragem de ficção científica que marca a estreia do realizador irlandês Benjamin Cleary.


"Swan Song" é uma expressão da língua inglesa que fala justamente sobre o último gesto ou ato de alguém antes de morrer, e o dilema em aceitar ou não esta solução tecnológica para a morte cabe todo a Cameron (Mahershala Ali), que não conta para a família sobre sua doença e precisa decidir o quanto antes se vai optar pela alternativa ou não. Quem opera a empresa de clones em um lugar completamente isolado (já que aparentemente o negócio é ilegal e está em fase de testes) é a médica Jo Scott (Glenn Close), que faz questão de mostrar todos os detalhes de como funciona a criação do clone e a troca, bem como o fato de que a família não terá como desconfiar de nada.

O enredo se passa em um futuro distante e dá para perceber pelos cenários, pelos carros modernos e por algumas tecnologias que ainda não temos, como a lente de contato com câmera embutida. Além, é claro, da própria clonagem humana, algo que até então já foi muito discutido mas que ainda não foi de fato comprovado ser possivel. A atmosfera do filme segue a mesma linha de séries que abordam as consequências das tecnologias nas nossas vidas, como por exemplo Black Mirror, e quem gosta desses temas certamente vai ter uma experiência agradável. A narrativa no entanto é bem lenta, e é preciso ter paciência para ir adentrando neste universo.


Mahershala Ali está muito bem, tanto no papel do protagonista como no do seu clone, e até esperava uma nova indicação ao Oscar. Destaque também para Awkwafina, que faz uma personagem à beira da morte que optou pela escolha e está assistindo de longe sua família seguir a vida sem ela. Por fim, Swan Song é claramente um filme que fala da morte, mas eu consigo ir além na analogia e entender ele como um filme que fala sobre fins de ciclos, e sobre seguir em frente quando não nos sentimos mais bem-vindos em algum lugar, seja em um relacionamento amoroso ou até mesmo na casa onde crescemos.