terça-feira, 31 de maio de 2022

Crítica: Pleasure (2022)


Não é de hoje que a indústria pornográfica é uma das mais lucrativas do mundo, movimentando bilhões de dólares todos os anos. Os sites de vídeos pornô mais famosos da internet possuem, em média, mais audiência que todos os serviços de streaming juntos, além de se equiparar ao número de acessos do Google. Mas ao mesmo tempo em que essa indústria cresce anualmente, aumenta também a discussão acerca do que existe por trás das câmeras.


Tentando mostrar um pouco dos bastidores dessas produções, a diretora sueca Ninja Thyberg nos apresenta Pleasure, um filme ousado que acompanha Jéssica (Sofia Kappel), uma jovem sueca que acaba de chegar a Los Angeles com o intuito de fazer carreira como atriz pornô. Disposta a subir na carreira para ganhar dinheiro e fama nas redes sociais o mais rápido possível, Jéssica começa a adentrar em nichos bastante controversos da pornografia, como vídeos de fetiches bizarros e de sexo extremamente violento.

O filme não é panfletário ou anti-pornografia, mas não se acanha em mostrar a realidade nua e crua de como funciona essa indústria, comandada por homens e feita quase que exclusivamente para seu prazer. Porém, mais do que mostrar o papel da mulher nessas produções, em geral submissas e dispostas a qualquer coisa, o filme também fala sobre alguns pontos importantes que sempre surgem nas discussões sobre pornografia, como o racismo.



O roteiro talvez peque em não abordar os motivos reais de Jéssica ter atravessado o oceano em busca de dinheiro, mas pensando por outro lado, pode ter sido algo intencional da diretora, já que os responsáveis por usar essas meninas para seus filmes adultos não estão nem um pouco interessados em seu passado ou nos motivos delas estarem ali. No papel, Pleasure poderia ser comparado a outros tantos filmes que falam do "american dream" e o desejo de fazer fama nos Estados Unidos, mas tem um diferencial, tanto no tema, como na estética e na ousadia. A atriz Sofia Kappel está tão bem no papel que nem parece ter sido sua estreia nos cinemas.

Crítica: Tico e Teco - Defensores da Lei (2022)


De uns tempos para cá, os cinemas estão repletos de reboots e remakes, muitas vezes trazendo versões repaginadas de personagens clássicos e adicionando histórias novas que não caem no gosto do público. Nesse cenário, era esperado que "Tico e Teco: Defensores da Lei" seguiria por este mesmo rumo, mas por mais surpreendente que isso possa parecer, temos aqui um dos filmes mais legais lançados até então este ano. Sim, é isso mesmo que vocês leram. Inusitado e inovador, o longa lançado na plataforma Disney+ é uma agradável surpresa, não só para quem gostava do desenho dos dois esquilos detetives, mas também para quem gosta de desenhos em geral.


Após o enorme sucesso da série "Defensores da Lei" no final dos anos 1980, Tico (voz de John Mulaney) e Teco (voz de Andy Samberg) se separaram e seguiram rumos bem diferentes, sem nunca mais se falar por conta de uma rixa que se criou entre eles após Teco aceitar fazer uma série solo. Enquanto Teco vive das glórias do passado, sendo estrela de feiras e dando entrevistas, Tico ganha a vida trabalhando para uma empresa de seguros, bem longe dos holofotes. Porém, trinta anos depois, os dois voltam a se reunir para tentar encontrar um amigo que está desaparecido.

Logo nos primeiros minutos já dá para perceber que o roteiro de Dan Gregor e Doug Mand é diferenciado e tem muito o que dizer, sobretudo quando critica essa leva desenfreada de reboots que tomaram conta da indústria. Temos uma série de referências e aparições de personagens clássicos de desenhos, que de certa forma homenageiam e relembram mais de um século de animação. E o mais curioso é que não são só personagens da Disney que aparecem, trazendo uma quebra de protocolo realmente inesperada por parte do estúdio. Desde os desenhos antigos feitos em 2D, passando pelo stop-motion e chegando até a computação gráfica mais moderna (e a aparição muito bem-vinda de um personagem que sofreu com o cancelamento na internet), todos os formatos são lembrados. A interação com atores humanos também é muito bem feita, sem parecer artificial como vemos em outros filmes que tentaram uitilizar a mesma técnica atualmente.


A segunda parte tem aquela cadência já esperada dos filmes de animação, quando tudo passa a dar certo para os protagonistas de maneira previsível, mas o roteiro brinca até mesmo com esses estereótipos, quando um personagem ressurge como vilão no final e fala algo como "vocês já sabiam que era eu né, eu sei, é clichê". Divertido, dinâmico, e com uma vibe nostálgica muito gostosa de acompanhar, Tico e Teco: Defensores da Lei é, de longe, o melhor filme ja lançado do gênero Live-Action com atores e personagens de desenhos contracenando juntos.


segunda-feira, 23 de maio de 2022

Crítica: A Noite do Triunfo (2021)


Usando como pano de fundo uma história real ocorrida com o diretor de teatro sueco Jan Jönson nos anos 1980, Emmanuel Courcol nos apresenta A Noite do Triunfo (Un Triomphe), comédia dramática que atualiza a história para os dias de hoje e fala, acima de tudo, sobre a capacidade transformadora que a arte tem.


Ettiene (Kad Merab) é um ator de teatro desempregado e sem perspectivas na carreira, que aceita assumir a responsabilidade de dar aulas de teatro numa penitenciária francesa. Ao perceber que os poucos presos interessados nas aulas possuem capacidade de sobra para encenar muito mais do que leves esquetes de humor, ao qual estão acostumados, Ettiene decide colocá-los para ensaiar "Esperando Godot", peça fundamental do chamado "teatro do absurdo" escrita pelo irlandês Samuel Beckett e lançada em 1952.

Na peça, dois personagens esperam por alguém misterioso chamado Godot, que nunca chega, e seria, metaforicamente falando, a representação da esperança de algo que se espera muito mas que não acontece. O texto logo cai nas graças dos detentos, já que de alguma maneira eles também se sentem como os personagens da peça, mantendo sempre a esperança de algo que não chega, neste caso, sua liberdade. Ettiene inclusive fala sobre isso em um emocionante ponto do filme, que justifica muito bem a escolha da peça feita por ele.


A narrativa em nenhum momento aborda os motivos desses homens estarem na prisão, o que achei interessante, pois a discussão acerca da ressocialização vai além do que eles fizeram no passado. Talvez exista, sim, uma tentativa um pouco exagerada do diretor em mostrar o lado "sensível" dos presos, mas também existe a figura da diretora da prisão (Marina Hands), que sempre lembra que eles não estão ali por acaso. Ainda assim, isso não impede que eles possam se apresentar em teatros com público e ganhar reconhecimento pelo talento recém descoberto. O final tem uma boa reviravolta e me surpreendeu bastante, porque foge do clichê.


quarta-feira, 18 de maio de 2022

Crítica: O Soldado que não Existiu (2022)


A "Operação Carne Moída" foi uma manobra orquestrada e realizada pelo exército britânico que acabou se tornando um dos episódios mais inusitados que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, no que diz respeito à espionagem e principalmente a desinformação passada para enganar o inimigo. Logo na primeira cena de O Soldado que Não Existiu (Operation Mincemeat), filme recentemente lançado pela Netflix, o narrador avisa que, em se tratando de guerras, existem dois lados: o visível (batalhas campais e aéreas) e o escondido (espionagens e sabotagens), e a introdução é pertinente para o que estamos prestes a ver nas próximas duas horas.


Com base no livro homônimo de Ben Macintyre, o diretor John Madden (de Shakespeare Apaixonado) nos apresenta a história de como ocorreu a operação, desde o surgimento da ideia até o momento em que ela foi finalmente posta em prática. O ano é 1943, e o exército britânico precisa elaborar uma forma de confundir o exército alemão, fazendo com que eles acreditem que a Inglaterra irá invadir a Grécia, quando na verdade a intenção é chegar na ilha da Sicília, no sul da Itália, onde estão muitos soldados nazistas. Diante disso, eles decidem abandonar na costa espanhola o corpo de um andarilho que morreu envenenado, fingindo que ele era, na verdade, um soldado inglês em missão que morreu enquanto carregava documentos confidenciais sobre a "suposta" invasão.

O veterano Colin Firth é quem dá vida a Ewen Montagu, o homem que esteve por trás da ideia principal. Ele ainda conta com a ajuda de Charles (Matthew Macfadyen) e Jean (Kelly Macdonald) para levar o plano às autoridades militares e a Winston Churchill, primeiro ministro da época. O ponto principal do filme é o conflito moral que existe, principalmente na questão do exército se apossar de um corpo sem permissão para usá-lo na operação. Gostei também da forma como o roteiro não deixa o filme se tornar cansativo, algo que infelizmente é comum de ver em filmes de espionagem. Aqui, no entanto, a narrativa é bem dinâmica e prende a atenção pelos detalhes.


Um dos pontos negativos do filme é a tentativa de engatar um triângulo amoroso no meio da história, o que não ajuda em nada no desenvolvimento da história, pelo contrário. Além disso, a cena da operação sendo realizada parece ser muito mal feita e não condiz com a importância que deveria ser dada a ela, já que afinal de contas, o filme todo se desenrola para que ela finalmente aconteça. São esses detalhes que acabam atrapalhando o resultado final, mas ainda assim, é um filme que vale a pena, sobretudo para quem gosta de saber mais destas histórias pouco conhecidas da Segunda Guerra.

 

domingo, 15 de maio de 2022

Crítica: O Homem do Norte (2022)


Depois dos sucessos de A Bruxa (2016) e O Farol (2019), o diretor Robert Eggers ganhou uma legião de admiradores, e não é para menos. Visualmente falando, seus filmes são verdadeiras obras primas, pois o cuidado que Eggers tem em cada frame é realmente impressionante. Dito isto, O Homem do Norte (The Northman) acabou se tornando um dos filmes mais esperados de 2022 desde o seu anúncio, e já posso adiantar que cumpriu com as expectativas.


A trama conta a história da lenda viking Amleth, que posteriormente também serviu como inspiração para Shakespeare escrever seu clássico Hamlet. Ela inicia em 985 D.C. quando, ainda garoto, Amleth (Alexander Skarsgard) vê seu pai, o Rei Aurvansil (Ethan Hawke), ser morto após uma traição orquestrada por seu tio Fjolnir (Claes Bang). Após conseguir fugir do local, o menino promete que um dia irá voltar para se vingar. Os anos passam e Amleth acaba se disfarçando de escravo para ir ao encontro do algoz de sua família e cumprir aquilo que prometeu.

A pesquisa histórica que o diretor fez sobre a maneira que os vikings viviam foi profunda, e isso reflete diretamente no enredo do filme. Desde os rituais místicos ao redor do fogo até mesmo a maneira que eles praticavam esportes, está tudo muito bem elaborado, e quem gosta da temática certamente vai ficar encantado com tantos detalhes. Gostei também da divisão feita por capítulos, mesmo que por vezes isso quebre um pouco do ritmo do filme, pois a cada passagem do tempo vamos acompanhando Amleth mais maduro e preparado para enfrentar essa sua batalha pessoal.


Alexander Skarsgard está impecável no papel principal, com uma atuação visceral, intensa e por vezes assustadora. Destaco também as participações de Nicole Kidman, como a mãe de Amleth, de Ethan Hawke, como seu pai, e de William Dafoe, que é o oráculo do reino. Na parte técnica ainda temos uma fotografia de tirar o fôlego e uma ótima trilha sonora, que ajuda a criar o clima de tensão que permeia o filme inteiro. Vivemos um tempo carente de histórias épicas e históricas, e O Homem do Norte preenche essa lacuna com brilhantismo, sendo até então um dos melhores filmes do ano.


terça-feira, 10 de maio de 2022

Crítica: Silverton - Circuito Fechado (2022)


De uns tempos para cá o selo "original Netflix" não tem sido sinônimo de qualidade, muito pelo contrário, mas no meio de tudo ainda existem exceções, e neste caso a exceção fica por conta de "Silverton: Cerco Fechado", que apesar de clichês narrativos, apresenta uma história real de luta e resistência na África do Sul dividida pelo Apartheid.


O filme se passa nos anos 1980 e acompanha um grupo de rebeldes que lutava diariamente contra o regime que dividiu a África do Sul entre brancos e negros e criou uma das maiores desigualdades sociais da história mundial. Após um ataque frustrado em uma Usina, o grupo liderado por Calvin Khumalo (Thabo Rametsi) acaba se refugiando em um banco da região de Silverton, no leste da capital sul-africana, fazendo quem estava no local de refém.

Ainda que deixassem bem claro não se tratar de um assalto, e que todos sairiam vivos da situação, o pânico entre os reféns era evidente, principalmente quando a polícia passou a querer invadir o local. Foram horas de negociações entre o chefe de polícia e os rebeldes, que em troca de liberarem os reféns, começaram a pedir pela liberdade de Nelson Mandela, preso há mais de 2 décadas. O incidente ficou marcado como um dos precursores do movimento "Free Mandela", que se tornou mundialmente conhecido e ajudou na libertação de Mandela em 1990.


O diretor estreante Mandla Dube entrega boas cenas de perseguição e ação, e consegue criar um bom clima de suspense ao inserir uma possível traição de um dos membros do grupo. Também é interessante analisar como o diretor faz sua crítica ao racismo de uma forma bem implícita (como a questão do refém norte-americano negro), ainda que o tema por si só já deixe claras as suas intenções. Só acho que o roteiro pecou em trazer à tona personagens secundários, para no fim não desenvolver eles. Ainda assim, Silverton: Cerco Fechado é um bom filme sobre está história real até então pouco conhecida.


quinta-feira, 5 de maio de 2022

Crítica: Pari (2022)


Filme de estreia do iraniano Siamak Etemadi, Pari conta a história de uma mãe que viaja do Irã até a Grécia atrás de seu filho, que foi estudar na universidade de Atenas e nunca mais deu notícias. Porém, se engana quem acha que o filme segue aquela linha clássica da busca pelo filho desaparecido, e ao longo do roteiro muitas situações deixam evidente essa perspectiva diferenciada que Etemadi busca nos apresentar.


O longa já começa com Pari (Melika Foroutan) chegando ao aeroporto de Atenas, acompanhada do seu marido Farrokh (Shahbaz Noshir). Ao chegar no endereço que ele deu como residência, descobrem que ele não está morando lá há meses, e esse é o começo de uma jornada onde vão descobrindo, pouco a pouco, as verdadeiras intenções do filho quando deixou o país natal, que não estava fazendo isso para estudar, mas sim, para fugir da opressão e dos costumes da sociedade iraniana, além do comportamento autoritário do pai.

A narrativa caótica também coloca Pari no epicentro de uma série de protestos que estão acontecendo na Grécia, onde ela descobre que o filho fez parte de um grupo que luta por direitos no país. Mas essa não é o único "segredo" que ela descobre dele, e é interessante analisar como a personagem, que vem de uma cultura extremamente religiosa e que limita as liberdades individuais, vai se deparando com uma realidade totalmente nova e que vai de encontro a tudo que lhe foi ensinado desde pequena.


Pari acaba usando o amor indestrutível de uma mãe com seu filho para discutir assuntos bem mais complexos, como viver em sociedades culturalmente retrógradas e se libertar disso. Mesmo que possua algumas pontas soltas no roteiro, é um filme que tem sim as suas qualidades e merece reconhecimento.
 

terça-feira, 3 de maio de 2022

Crítica: Apollo 10 e Meio - Aventura na Era Espacial (2022)


Vinte e um anos depois do excelente "Walking Life", o diretor Richard Linklater (da trilogia Before e Boyhood) volta ao mundo das animações com Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial, e assim como fez na sua primeira aventura com o gênero, ele também utiliza a rotoscopia, que consiste em mostrar imagens animadas construídas em cima de imagens pré filmadas com humanos de verdade.


A trama semi-autobiográfica, que chegou mês passado no Brasil pelo catálogo da Netflix, se passa em Houston no final dos anos 1960, quando a corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética estava no auge e a NASA não estava medindo esforços para mandar o primeiro homem à lua. No meio disso tudo temos o garoto Stan (uma espécie de versão do diretor na infância), que tem 10 anos, é o caçula da família, e passa seus dias entre a escola e as brincadeiras com outras crianças da rua, e as noites entre séries e desenhos na televisão, sobretudo os de ficção científica. Um dia ele é selecionado para uma missão super secreta da agência espacial, que quer levá-lo à lua como um teste antes da decolagem da Apollo 11.

Muito mais do que a ansiedade que existia em ver o homem ganhando o espaço, o filme também monta um panorama da juventude daquela época, que vai desde as músicas que ouviam ou séries e filmes que assistiam na recém criada televisão a cores, até o receio com as notícias diárias e chocantes vindas da Guerra do Vietnã. Tem ainda todo o fascínio que existia em torno da própria corrida espacial, principalmente para quem morava perto de onde tudo era controlado, além de algumas pequenas referências políticas. É, sobretudo, o retrato de uma geração que cresceu em uma época muito conturbada mas ao mesmo tempo repleta de mudanças que acabaram moldando a forma como enxergamos o mundo hoje.


Ultimamente temos visto vários diretores trazendo a nostalgia da sua infância pras telas. Foi assim com Roma (Alfonso Cuarón), e agora mais recentemente com A Mão de Deus (Paolo Sorrentino) e Belfast (Kenneth Branagh). Eu particularmente gosto bastante desse tipo de filme, e aqui mais uma vez, terminei satisfeito com o resultado final.