domingo, 31 de dezembro de 2023

Os 20 melhores filmes lançados no Brasil em 2023

Mais um ano que se encerra, e chegou a hora de fazer a famigerada lista dos melhores filmes lançados no Brasil. Primeiramente, gosto de lembrar o método que eu utilizo para a escolha dos filmes: só valem filmes que estrearam oficialmente no país entre 1º de janeiro e 31 de dezembro, seja nos cinemas, no streaming, ou em festivais que abrangem o país todo, como é o caso do Festival Varilux.

A lista de 2023 conta com a presença de cineastas já consagrados como Steven Spielberg, Martin Scorsese e Christopher Nolan, mas também de grandes nomes expoentes, como Martin McDonagh, Damien Chazelle, Ruben Ostlund, entre outros. Um dos pontos que chamo a atenção para esse ano é a presença massiva de filmes brasileiros, já que 2023 foi realmente um ano muito bom por aqui. Enfim, sem mais delongas, vamos à lista:


20. Nimona, de Nick Bruno e Troy Quane (Estados Unidos)


 

A melhor animação do ano aparentemente passou batida do grande público, e é uma pena. Lançado diretamente no catálogo da Netflix, Nimona é um filme extremamente carismático, na mesma medida em que trata assuntos importantes e atuais, como preconceito e até mesmo luta de classes. Mas apesar de ter críticas sociais bem definidas, Nimona também funciona em uma camada mais superficial, sendo também um bom entretenimento para todos os públicos, com personagens adoráveis e um roteiro muito envolvente.


19. Afire, de Christian Petzold (Alemanha)


O que no início aparenta ser apenas um filme leve de férias, onde dois amigos estão indo passar alguns dias na casa de praia da mãe de um deles, se transforma em uma complexa narrativa sobre o surgimento do amor, do desejo e sobretudo do ciúmes, quando eles descobrem que uma mulher desconhecida está hospedada no local. Afire é um filme que prioriza a construção de seus personagens nos detalhes, e as atuações são o ponto alto nessa retrato cru e fiel da natureza humana.


18. Tár, de Todd Field (Estados Unidos)


Com uma atuação incrível de Cate Blanchett, o filme acompanha a vida da compositora e maestro fictícia Lydia Tár, ganhadora de inúmeros prêmios na carreira e considerada uma das maiores de seu tempo. No entanto, o tamanho do seu talento é proporcional ao seu ego, e Lydia acaba sendo uma pessoa fria e até mesmo execrável na maior parte do tempo, principalmente com seus alunos. Quando uma destas alunas se mata, Lydia acaba sendo considerada a principal responsável, e sua vida muda do avesso após a acusação.


17. John Wick 4, de Chad Stahelski (Estados Unidos)


Após três filmes e um sucesso estrondoso e inesperado de bilheteria, a saga John Wick chegou ao seu quarto filme, que visualmente é uma das coisas mais impressionantes que eu assisti nestes últimos anos. A fotografia é o ponto alto, e todos os cenários são incrivelmente majestosos, cada um com sua própria personalidade que vai ditando o tom do filme e o que se espera de cada cena. Alguns momentos de ação são brilhantes, como a cena em que John Wick luta dentro de uma casa e a câmera filma de cima, como se fosse em um videogame. Eu, que não era tão fã da saga, me rendi completamente neste seu ato final. Sublime!


16. Godzilla: Minus One, de Takashi Yamazaki (Japão)

No apagar das luzes, um dos melhores filmes do ano. Lançado agora em dezembro, Godzilla: Minus One não só entra na lista de melhores de 2023, como também é um dos melhores filmes já feitos sobre o monstro Gojira, que teve sua primeira aparição nas telas em 1954. Com produção japonesa, e direção de Takashi Yamazaki, o filme é um espetáculo visual, mas vai muito além disso, conseguindo resgatar toda a essência do que representa o Godzilla, trazendo o olhar da sociedade civil japonesa, que na época estava desolada após a Segunda Guerra Mundial e vivia com o medo constante de um novo ataque nuclear.

 

15. Noites Alienígenas, de Sérgio de Carvalho (Brasil)


Noites Alienígenas é mais um grande exemplo da pluralidade cultural deste país imenso chamado Brasil. Talvez não exista no mundo uma nação que abrigue tantas culturas diferentes dentro de um mesmo território, e o nosso cinema tem sido um grande aliado para nos revelar isto. Considerado o primeiro longa filmado inteiramente no Acre, o filme do cineasta Sérgio de Carvalho nos aproxima deste Estado tão distante da região central do país, trazendo uma história que não possui um protagonista de fato, mas sim vários personagens principais, que homogeneamente montam um panorama da Rio Branco contemporânea e seus múltiplos estereótipos.


14. Monster, de Hirokazu Kore-eda (Japão)


O japonês Hirokazu Kore-eda usa uma história simples, mas muito humana, para montar um panorama da sociedade japonesa atual, onde aborda temas como amizade, bullying na infância e o papel de pais e educadores na construção da personalidade das crianças. O roteiro acompanha três pontos de vistas diferentes de uma mesma história, que inicia após a mãe de um menino perceber alterações na sua personalidade e também alguns machucados pelo seu corpo. A primeira acusação recai sobre o professor dele, mas até o fim do filme, vários pontos vão sendo interligados, montando um quebra-cabeças que culmina em um final poderosíssimo.


13. Tia Virgínia, de Fabio Meira (Brasil)


Em Tia Virgínia, a personagem que dá nome ao título é uma mulher que não seguiu os padrões impostos pela sociedade, e aos 70 anos de idade nunca casou e sequer teve filhos. Liberdade, no entanto, não é um palavra que define a sua vida, já que ela acabou sendo praticamente obrigada pelas irmãs a cuidar da mãe doente até o final dos seus dias, vivendo enclausurada na antiga casa da família onde acompanha tediosamente a passagem do tempo. O roteiro se passa durante a noite de natal, onde ela recebe a visita das irmãs e dos sobrinhos para uma confraternização, onde as feridas do passado voltam a ser abertas e escancaradas de maneira agridoce.

 

12. Babilônia, de Damien Chazelle (Estados Unidos)


Babilônia é, para mim, um dos filmes mais subestimados do ano, não só pelo público em geral mas também pelas premiações, que o ignoraram sem dó no início do ano. Insano, despudorado e extremamente caótico, o filme de Damien Chazelle encontra nesse seu próprio caos o espaço para fazer uma apaixonante homenagem à sétima arte. O roteiro se passa nos anos 1930, época em que o cinema ainda engatinhava e passava pelo processo de transformação entre o cinema mudo e o cinema falado, e consegue resgatar toda a essência da época com primor.

 

11. Anatomia de uma Queda, de Justine Triet (França)


Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, Anatomia de uma Queda estreou no Brasil através do Festival Varilux. O roteiro apresenta um mistério que literalmente transforma o espectador no jurado de um suposto crime de homicídio, sem no entanto jamais apresentar a resposta conclusiva do que aconteceu. A diretora Justine Triet inteligentemente brinca com as nossas perspectivas a respeito da verdade, e é essa subjetividade do roteiro que faz ele ser tão complexo e envolvente. Mais do que um thriller de tribunal, é um estudo de uma relação conturbada e desgastada.


10. Sem Ursos, de Jafar Panahi (Irã)


Há que se ter muita coragem para fazer um cinema político dentro de um país engolido por um regime fundamentalista. Dito isso, é impossível não sentir uma enorme admiração pelo trabalho de Jafar Panahi, que sempre foi conhecido por criticar as políticas dos governos iranianos e questionar as contradições da sociedade conservadora do país. Sem Ursos apresenta duas histórias paralelas, sendo uma delas protagonizada pelo próprio Panahi, que interpreta ele mesmo. Na história, ele está passando uns dias em uma casa alugada perto da fronteira do Irã com a Turquia, de onde comanda as filmagens de seu novo filme rodado no país vizinho, já que está proibido de sair do Irã. O roteiro não é mera coincidência com a sua vida real, e as analogias que ele faz das situações do filme com as situações que ocorrem no seu país diariamente são complexas e extremamente necessárias.


9. Retratos Fantasmas, de Kléber Mendonça Filho (Brasil)


Em um projeto íntimo e pessoal, o cineasta Kléber Mendonça Filho fala das mudanças implacáveis que o tempo produz, traçando um paralelo entre a sua própria trajetória e o centro de sua amada Recife, e tendo como pano de fundo os cinemas de rua que fizeram história no local e que hoje praticamente não existem mais. O documentário é dividido em três capítulos, sendo todos narrados de forma quase informal pelo próprio diretor. Os "retratos fantasmas" do título nada mais são do que a captura que fazemos dos momentos, dos lugares, e das pessoas que muitas vezes não existem mais, mas ainda permanecem conosco através de fotos, vídeos ou simplesmente incrustados na memória.


8. Triângulo da Tristeza, de Ruben Ostlund (Suécia)

 

Depois do excelente The Square, o cineasta sueco Ruben Ostlund voltou à cena com Triângulo da Tristeza, outra comédia ácida e divertidíssima sobre o comportamento humano, sobretudo dos milionários, e que venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2022. O filme é dividido em quatro partes, contendo um rápido prólogo seguido de três capítulos, e desnuda sem pudores toda a hipocrisia da classe mais abastada, com um final arrebatador (e bem divisivo).


7. Pedágio, de Carolina Markowicz (Brasil)


Escrito e dirigido por Carolina Markovicz, Pedágio tem como ponto central mostrar a hipocrisia da igreja e de seus seguidores, assumindo um tom de sátira que faz o filme ser extremamente carismático em alguns momentos, mesmo abordando temas obscuros como o preconceito e a busca disparatada por uma "cura gay". Sabendo do absurdo que é a ideia de existir um tratamento para alguém deixar de ser homossexual, a diretora não economiza na ridicularização disto, ao mesmo tempo que traz personagens riquíssimos que compõe um panorama da sociedade brasileira atual.

 

6. EO, de Jerzy Skolimowski (Polônia)

 

Acompanhando a jornada de um burro por lugares ermos da Polônia, o diretor tenta mostrar, pelos olhos do próprio animal, como é dura, melancólica e solitária a vida de um ser que, de uma maneira geral, só está na Terra para ser "usado" por nós humanos. A forma como o diretor nos apresenta o burrinho é extremamente realista e ao mesmo tempo humana, com foco em suas expressões e principalmente nos seus olhares. Tanto que ele consegue segurar nossa atenção por quase duas horas apenas acompanhando a jornada do animal, que vai passando por várias situações diversas, algumas bem dolorosas.


5. Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese (Estados Unidos)


Em Assassinos da Lua das Flores, Martin Scorsese resgata uma das páginas mais sombrias da história dos Estados Unidos, que ficou conhecida como "Reinado do Terror", onde dezenas de indígenas da nação Osage foram mortos pela ganância inescrupulosa do homem branco. Baseado no livro homônimo de David Gran, o filme traz à tona os acontecimentos e a investigação destes casos, fazendo acima de tudo uma bonita homenagem ao povo nativo americano e seus costumes.


4. Os Banshees de Inisherin, de Martin McDonagh (Reino Unido)


Em Os Banshees de Inisherin, Martin McDonagh utiliza um argumento muito original para falar sobre a fragilidade dos relacionamentos pessoais, de uma maneira melancólica mas ao mesmo tempo engraçada. O filme se passa em uma ilha remota da Irlanda, onde os poucos moradores vivem uma vida extremamente pacata no final dos anos 1920. Neste ínterim, dois amigos até então inseparáveis, acabam tendo a relação cortada abruptamente por um deles. Sem entender e muito menos aceitar, o outro amigo decide forçar uma reaproximação, gerando uma série de consequências que irão afetar a vida de todos os moradores da região.


3. As bestas, de Rodrigo Sorogoyen (Espanha)


O thriller psicológico criado por Rodrigo Sorogoyen, e ambientado na zona rural da Espanha, é intenso, sufocante e até mesmo desconfortável em muitos momentos, porém extremamente brilhante em tudo o que propõe. Ele acompanha um casal de franceses que foi morar um um vilarejo na região da Galícia, onde constroem casas comunitárias para fazer crescer a população local. No entanto, o clima entre eles e os vizinhos é bastante hostil, principalmente por eles terem sido os únicos a votarem em uma assembleia contra a instalação de uma usina eólica na região, o que na visão dos outros moradores traria dinheiro e progresso. Esse ódio vai, a conta gotas, se tornando algo cada vez mais perigoso e violento, já que os irmãos passam a amedrontar o casal e a transformar a vida deles em um verdadeiro inferno.


2. Oppenheimer, de Christopher Nolan (Estados Unidos)


Em Oppenheimer, Christopher Nolan nos apresenta de forma grandiosa e ousada o caminho percorrido pelo brilhante físico J. Robert Oppenheimer, considerado o "pai da bomba atômica", desde a época em que ele era apenas um estudante promissor em Cambridge até o momento pós Segunda Guerra, onde acabou sendo perseguido pelo governo americano sob acusação de cooperar com os soviéticos. Apesar do foco ser o desenvolvimento da bomba H, é importante dizer que o grande embate do filme é a perseguição política que Oppenheimer sofre depois disso por ter tido ideias de esquerda. O que vemos aqui é uma construção de personagem fantástica, e isso se deve muito a atuação de Cillian Murphy, provavelmente a melhor da sua carreira no cinema. O filme possui cenas emblemáticas, que certamente serão lembradas por muitos anos, e o grande "clímax" pode ser considerada facilmente como uma das maiores realizações da história do cinema no século, tanto na parte visual como na imersão que ela propôs ao espectador.


1. Os Fabelmans, de Steven Spielberg (Estados Unidos)


Lançado ainda na primeira semana de janeiro, Os Fabelmans é a obra autobiográfica do diretor Steven Spielberg, que conta através do personagem principal, a sua vida desde a infância, até o nascimento da sua paixão pelo cinema. O roteiro é uma verdadeira viagem por dentro deste "álbum de memórias" do diretor. A relação conturbada dos pais, a depressão da mãe, o racismo sofrido na escola por ser judeu, e até mesmo uma traição dentro da família, são alguns do temas mais fortes trabalhados aqui, e que vão moldando o surgimento de um grande cineasta. Acompanhamos também desde o primeiro contato dele com o cinema, as primeiras gravações caseiras, depois as gravações dos primeiros curtas com a ajuda de amigos, até o encontro com um dos maiores nomes da história do cinema, que daria a ele o norte definitivo na carreira. Muito mais do que uma realização pessoal do diretor, é um filme sobre a arte de fazer cinema, e isso por si só já é encantador. O filme do ano não poderia ser outro.

sábado, 30 de dezembro de 2023

Os 10 piores filmes que assisti em 2023

Mesmo sendo bastante seletivo na escolha dos filmes para assistir, a gente nem sempre sabe o que esperar do que vem pela frente, e algumas surpresas negativas são inevitáveis. Por isso, antes de postar a lista final dos melhores do ano, deixo com você a lista contrária, dos dez piores filmes que assisti em 2023. Sem mais delongas, segue ela:


10. Resistência, de Gareth Edwards (Estados Unidos)


Resistência, novo filme de Gareth Edwards (de Godzilla e Rogue One), é aquele tipo de filme que visualmente impacta e chama a atenção, mas cujo roteiro é extremamente vazio. Neste cenário onde o ser humano está em guerra com as inteligências artificiais, Edwards prioriza o visual, o grandioso, e esquece do mais simples: o desenvolvimento de uma relação emocional entre os personagens, soando tudo muito superficial e apressado.


9. Esquema de Risco - Operação Fortune, de Guy Ritchie (Reino Unido)


Está ficando cada vez mais difícil defender o cinema de Guy Ritchie. Sempre fui um admirador do diretor, mas de uns anos para cá pouca coisa tem se salvado, e Esquema de Risco - Operação Fortune é, talvez, o grande desastre da sua carreira. Confuso, chato, superficial e desinteressante, o filme não se salva nem pela presença de nomes como Aubrey Plaza e Hugh Grant no elenco, sendo extremamente esquecível.


8. Pacifiction, de Albert Serra (França)


Um ótimo sonífero para as noites de insônia. Não tem como descrever o novo filme de Albert Serra, e suas intermináveis 2h45, de outra maneira. O filme se passa em uma ilha na Polinésia Francesa, onde um alto comissário do governo francês está passando alguns dias para investigar uma possível movimentação nuclear perto do local.


7. Morte à Pinochet, de Juan Ignacio Sabatini (Chile)


Sempre gosto de assistir histórias que se passam durante ditaduras militares na América Latina, e que focam nos grupos de resistências. O próprio Chile possui ótimos exemplos sobre o tema, mas não é o caso de Morte à Pinochet, do diretor Juan Ignacio Sabatini. A intenção do filme era mostrar um grupo de jovens que tinha como plano matar o ditador Augusto Pinochet enquanto ele ainda governava o país, mas tudo soa tão superficial, e os personagens são tão insuportáveis, que é difícil até mesmo comprar a ideia deles, por mais que o algoz fosse alguém deplorável.


6. Sede Assassina, de Damián Szifron (Estados Unidos)


O argentino Damián Szifron ganhou notoriedade com o espetacular Relatos Selvagens, e consequentemente deixou uma expectativa muito grande com o que poderia fazer dali em diante. Porém, marcando sua estreia nos Estados Unidos, Sede Assassina é um grande desastre. Absurdamente genérico, o roteiro tenta criar um thriller de investigação sobre um serial killer, mas deixa de lado justamente a história do assassino para priorizar a relação pessoal dos dois investigadores, que por sua vez são fracos e sem carisma algum. A personagem de Shailene Woodley beira o ridículo de tão mal desenvolvida.


5. O Pastor e o Guerrilheiro, de José Eduardo Belmonte (Brasil)


O filme dirigido por José Eduardo Belmonte me deixou em dúvida quanto a sua verdadeira intenção. Afinal, ele queria evidenciar os estudantes idealistas que desejavam lutar contra a ditadura militar nos anos 1960, ou ele queria ridicularizá-los? A proposta de O Pastor e o Guerrilheiro é realmente confusa, mas o pior está nas atuações ruins e no ritmo sonolento. Não há um ponto positivo sequer em toda sua duração.

4. Angela, de Hugo Prata (Brasil)


Angela é um grande exemplo de como não fazer uma biografia. Pegando um caso que parou o Brasil nos anos 1970, a morte da socialite Angela Diniz, Hugo Prata simplesmente decide transformar isto em um "soft pornô fetichista", que tem como principal chamariz a beleza da atriz Sophie Charlotte. Sendo assim, o que poderia ser um filme para abraçar a causa de tantas mulheres que sofrem violência doméstica e tem fins trágicos como o de Ângela, acaba sendo transformado apenas em um entretenimento erroneamente picante e insosso, o que é completamente injustificável.


3. Um Filho, de Florian Zeller (Estados Unidos)


Depois de dirigir o maravilhoso Meu Pai, onde trabalhou com maestria a questão da demência na terceira idade, Florian Zeller mudou o foco e trouxe uma história baseada na relação de um adolescente com seus pais, abordando desta vez o tema da depressão. A diferença é que aqui ele perde completamente a mão, e entrega uma das história mais insossas do ano. Dentre todos os defeitos do filme, talvez o pior seja a atuação do protagonista, claramente despreparado para o papel. Os diálogos também sempre tentam trazer alguma frase pronta ou uma fala expositiva, e fica extremamente cansativo de acompanhar. Uma tragédia narrativa.


2. A Menina que Matou os Pais - A Confissão, de Maurício Eça


Um é bom, dois é aceitável, e três é desnecessário. O ditado não é bem assim, mas alterei para falar especificamente da trilogia A Menina que Matou os Pais, que desde 2020 tenta trazer a verdade por trás dos assassinatos orquestrados por Suzane von Richtofen contra os próprios pais. O único questionamento que fica depois desta terceira parte é se era mesmo necessário remexer novamente nesta história, que já tinha sido explorada ao máximo nos dois primeiro, e aqui não traz nada de novidade. Com péssimas atuações e cenas que beiram a mediocridade, o fato é que o filme se torna até mesmo desrespeitoso com a história das vítimas.


1. Coração de Neon, de Lucas Estevan Soares (Brasil)


Chegamos ao primeiro lugar e não poderia ser outro. Coração de Neon, do paranaense Lucas Estevan Soares, é um somatório de situações toscas, com uma trilha sonora destoante e forçada, e atuações fraquíssimas. Mais do que isso, a direção exala amadorismo, e parece um filme feito para uma mostra de estudantes do ensino fundamental. Desde os cortes até a montagem, tudo é uma verdadeira aberração neste filme, que é de longe o pior que eu vi em 2023.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Crítica: A Garota Artificial (2023)


Um dos temas que mais está em alta nos dias atuais é o da Inteligência Artificial. Se no passado os filmes que abordavam a tecnologia eram considerados futuristas, podemos dizer que agora os filmes sobre o assunto trazem nada mais nada menos do que a nossa própria realidade no presente. Afinal de contas, desde o uso particular (através de aplicativos pelo celular) até o uso profissional (empresas usando imagens feitas por AI em seus anúncios), o fato é que a inteligência artificial já está por toda parte e não vivemos mais sem ela. Em A Garota Artificial (The Artifice Girl), o diretor Franklin Ritch aborda o tema de uma maneira muito original, trazendo questões pertinentes principalmente a respeito da ética no uso destas tecnologias.


Gareth (interpretado pelo próprio diretor Franklin Ritch) é chamado pela polícia para um interrogatório, onde precisa esclarecer um suposto crime de pedofilia. Ele está por trás de um codinome online que atua praticamente como um justiceiro virtual que envia provas de abusos sexuais infantis para a polícia, e que já possibilitou a prisão de cerca de 200 pedófilos. No entanto, um dilema aflige os policiais, já que para pegar esses indivíduos ele teria usado uma menina de 11 anos como isca. E é justamente isto que ele precisa explicar. 

O início do filme traz a apresentação dele e de Cherry (Tatum Matthews), a menina que ele supostamente usou para capturar estes indivíduos. Cherry nada mais é do que uma criação perfeita feita por Inteligência Artificial, tão perfeita que engana até mesmo os policiais, que demoram para acreditar que não se trata de uma criança real. Vendo a grande oportunidade que tem em mãos, a polícia agora pretende utilizar o programa com arma para continuar combatendo o crime de pedofilia, e convida Gareth para se juntar a eles com a sua invenção.

O filme é dividido em três capítulos, que se passam em uma diferença grande de anos. O primeiro é justamente o interrogatório inicial, onde temos toda a apresentação de como Cherry funciona, como ela foi criada, e principalmente os motivos. O segundo capítulo se passa cerca de quinze anos depois, com a AI mais reforçada e ainda mais inteligente. É quando começam a surgir as primeiras indagações e reflexões sobre a ética e principalmente sobre o quanto esta menina consegue ter sentimentos humanos. No ato final, já passadas várias décadas, vemos um estado ainda mais avançado da garota, onde Gareth, agora já idoso, analisa a descontinuidade do projeto.


Acima de tudo, A Garota Artificial é um filme que disserta sobre como nós nos tornamos dependentes da tecnologia ao ponto de quase nos fundirmos com ela, mas também como a tecnologia vem apresentando cada vez mais traços e características humanas. Até onde isso vai nós não temos como saber, mas de fato é um pouco assustador.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Crítica: Fechar os Olhos (2023)


A relação poderosa e inexplicável que temos com a imagem e o cinema, e o quanto nossas memórias são remexidas e trazidas à tona através da junção destes elementos. Em suma, isto é o que move Fechar os Olhos (Cerrar los Ojos), filme que marca grandiosamente o retorno do cineasta Víctor Erice a um filme de ficção depois de mais de 30 anos.


O filme acompanha o romancista e diretor de cinema Miguel Garay (Manolo Solo), que nos anos 1990 teve que interromper as gravações de seu novo filme, "La Mirada del Adiós", após o ator principal (e também seu amigo pessoal), Julio Arenas (Jose Coronado), desaparecer misteriosamente. Aliás, o longa inicia justamente com uma tomada inteira deste filme fictício, o que falsamente nos dá a impressão de estarmos assistindo-o no começo. A história deste "filme dentro do filme" contava a história de um homem riquíssimo, que pagava outro para procurar uma filha sua desaparecida na China.

Doze anos depois dos acontecimentos que impediram que o filme chegasse ao fim, Miguel é chamado para participar de um programa de televisão denominado "Casos Não Resolvidos", que visa justamente trazer à tona o mistério sobre Julio Arenas. Apesar dos indícios terem apontado suicídio na época, nunca houve uma conclusão definitiva do que aconteceu com o ator, já que seu corpo jamais foi encontrado. A repercussão acaba trazendo novos indícios, que Miguel imediatamente passa a investigar. O roteiro é muito habilidoso em suas idas e vindas, criando um ótimo clima de suspense, e trazendo também elementos de humor e drama que se convergem perfeitamente.


Confesso que dadas as devidas diferenças, o filme de alguma forma me lembrou Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, que eu considero o meu filme favorito da vida. Ele tem esse argumento de reavivar a memória e estimular lembranças através do cinema, e isso é algo que se repete por toda a duração do longa. Há também boas reflexões entre Miguel e seu antigo editor, Max (Mario Pardo), sobre algumas diferenças marcantes do cinema feito antigamente para o que é feito agora, de uma maneira nostálgica e até mesmo saudosista.

Na parte técnica, é preciso destacar o ótimo trabalho de fotografia e a encantadora trilha sonora. As atuações também são muito sóbrias, e não posso deixar de citar a presença da magnífica atriz espanhola Ana Torrent, na pele da irmã de Julio Arenas, que aparece por poucos minutos mas tem uma presença muito marcante. Porém, o filme é de Manolo Solo, em mais uma grande atuação do ator andaluz. Por fim, Fechar os Olhos é um filme que evidencia o quanto o cinema vai muito além da arte, e que é justamente esta relação que temos com ele que faz ele resistir ao tempo e a todas as mudanças que o transformaram nesses mais de 128 anos.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Crítica: Godzilla: Minus One (2023)


Aparecendo pela primeira vez nos cinemas em 1954, Godzilla já teve sua história contada mais de trinta vezes nas telas desde então, entre filmes live action e animações. Gigantesco, com a aparência mesclada entre dinossauro e réptil, e praticamente indestrutível, ele sempre foi considerado o "reis dos monstros", além de ser visto como uma personificação simbólica do medo dos japoneses diante das armas nucleares após a Segunda Guerra Mundial. Godzilla: Minus One, do diretor Takashi Yamazaki, é praticamente um filme homenagem pelos 50 anos do personagem, que resgata a essência dos filmes primordiais e o propósito da existência do Godzilla, e apresenta ele de uma maneira impressionante.


O grande acerto do filme é a forma como ele começa e termina abordando os traumas de um Japão pós-guerra, completamente destruído pelos bombardeios e pelas bombas nucleares lançadas pelos Estados Unidos, além de estar economicamente desesperançado. O foco do filme é na relação da população civil com o conflito e com estes problemas subsequentes, como é o caso de Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), um piloto kamikaze que desertou durante a guerra e viu o Godzilla trucidar todo um batalhão de soldados após pousar o seu avião na ilha de Odo.

Um ano se passou e agora Koichi está de volta a Tóquio, enfrentando muitas dificuldades após descobrir que seus pais morreram nos bombardeios. É na cidade que ele conhece Noriko (Minami Hamabe), uma mulher que está cuidando de uma criança recém orfã, e que ele decide acolher em sua pequena e apertada residência. A convivência dos três vai se intensificando, na medida em que o Japão também vai entrando novamente nos eixos, mas a ameaça do Godzilla na cidade pode colocar tudo a perder novamente.

Gostei muito de como o filme trabalha a personalidade de Koichi, um homem que tinha o dever de se matar pela pátria, e não o fez, sendo taxado pelos colegas de covarde e tendo que viver com este sentimento eternamente. Porém, em outra conversa, alguém o elogia por ter tido a coragem de abandonar a guerra, deixando claro que esta história de morrer pela pátria não faz sentido algum. A discussão é muito bem trabalhada pelo roteiro, assim como outras questões pertinentes sobre guerra, pátria e honra. O protagonista também é muito humano, como dá para sentir na própria atitude que ele tem de cuidar de uma mulher e uma criança sem ter obrigação, apenas por bondade.


Se na parte dramática o filme já é extremamente competente, nas partes mais movimentadas, com o Godzilla em ação, ele fica ainda mais grandioso. O trabalho visual é impecável, e há muito tempo eu não via um CGI sendo tão bem utilizado em cenas de destruição em massa. Pois sim, o Godzilla destrói tudo que vê de forma indiscriminada, e a maneira como o diretor utiliza vários ângulos de câmera para mostrar isso é irretocável. Algumas cenas são um espetáculo à parte, como a que o Godzilla persegue um barco em alto mar. Talvez não haja nada igual este ano, em termos de criar agonia e tensão no espectador. É brilhante! A própria figura do Godzilla também é uma das mais amedrontadoras que já se viu dele, se não a mais. Cada preparação dele para lançar seu "raio atômico" é um espetáculo estarrecedor.

É nítido que o filme possui algumas facilitações, alguns exageros aqui e ali, e até mesmo algumas atuações afetadas, mas os acertos são tantos, que estes detalhes acabam sendo deixados de lado no resultado final. Mais do que um filme sobre um monstro que destrói cidades inteiras, Minus One é um filme sobre as consequências dolorosas de uma guerra, sobre culpa, e principalmente sobre como a sociedade lida com desastres de magnitudes inimagináveis. Aqui é o Godzilla, mas poderia muito bem ser uma bomba atômica, e a referência está ali para todos verem.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Crítica: Maestro (2023)


Com direção de Bradley Cooper, e produção de nada mais nada menos que Steven Spielberg e Martin Scorsese, Maestro chegou com muita pompa no catálogo da Netflix nesta última semana, sendo inclusive considerado a grande aposta do streaming para o Óscar de 2024. O filme tem o propósito de mostrar um pouco da vida e da trajetória profissional do maestro e compositor norte-americano Leonard Bernstein, conhecido por popularizar um gênero até então considerado da elite, além de ser responsável por trabalhos famosos como o musical West Side Story, que posteriormente foi adaptado para o cinema.


O filme inicia em meados dos anos 1940, quando aos 25 anos de idade, Bernstein (Bradley Cooper) ganha a chance de sua vida ao substituir o maestro Bruno Walter na Orquestra Filarmônica de Nova Iorque, em frente a um Carnegie Hall lotado e sem sequer ter ensaiado. A performance foi transmitida para o mundo todo e chamou a atenção do New York Times, que teceu elogios ao jovem maestro e o elevou a fama instantaneamente. Este início é promissor, mas é um dos poucos momentos grandiosos da carreira do músico que realmente ganha o destaque que merece, já que o roteiro infelizmente escolhe focar mais na sua relação com a esposa do que propriamente na sua obra e no seu legado.

Bernstein conheceu a conceituada atriz de teatro e televisão Felicia Montealegre (Carey Mulligan) em uma festa, ainda nos anos 1950, sem imaginar que ela seria sua companheira pelo resto da vida. Com uso de alguns saltos temporais esquisitos, logo vemos os dois casados, e posteriormente vivendo com três filhos, e a relação em si acaba não sendo desenvolvida ao ponto de criar uma química aos olhos do espectador, mesmo que o foco do filme fosse justamente o relacionamento dos dois. O casamento nunca impediu o maestro de continuar tendo casos, principalmente com homens, mas esta questão da sexualidade dele também acaba sendo mal desenvolvida, ficando apenas na superficialidade.

 

Bradley Cooper tem momentos ótimos na pele do protagonista, mas ao mesmo tempo tem momentos que são difíceis de compreender sua intenção. O fato é que o filme poderia facilmente ser chamado de "A Esposa de Leonard Bernstein", pois o filme é de Carey Mulligan. Ela que brilha e rouba a cena, em uma atuação estonteante e sublime, que certamente pode lhe render premiações ao longo do ano. O ponto positivo de Maestro é que ele definitivamente foge da estrutura clichê de um cinebiografia, e eu achei alguns momentos bem criativos neste sentido. A fotografia também é bela, tanto nos momentos em preto e branco, como nas cores que ajudam a separar os dois momentos distintos contados da vida de Bernstein. No entanto, Maestro é um filme que, no geral, carece de alma, e que prometia muito mais do que verdadeiramente cumpriu.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Crítica: The Teachers' Lounge (2023)


Escolhido para representar a Alemanha no Oscar de melhor filme internacional em 2024, e considerado inclusive um dos principais nomes na corrida, The Teachers' Lounge, do diretor Ilker Çatak, é um thriller angustiante que se passa dentro de um ambiente escolar, cuja busca pela verdade vai se tornando mais sufocante a cada minuto.


Carla Nowak (Leonie Benesch) é professora de matemática do ensino fundamental em uma escola da Alemanha. Quando uma série de pequenos furtos começam a acontecer nas salas de aula e na sala dos professores, a diretora e os colegas de Carla passam a suspeitar de um aluno. A suspeita claramente tem um viés preconceituoso, por conta da origem da família do menino, e isso inflama Carla a tentar descobrir a todo custo o verdadeiro culpado afim de defender o seu aluno. Ela decide então deixar o seu notebook filmando, e com isso descobre quem é o verdadeiro culpado: uma funcionária da escola, que é também mãe de um aluno. O que ela não esperava, no entanto, é que o ato fosse desencadear uma sucessão de conflitos.

As imagens gravadas não são exatamente conclusivas, mas o principal problema surge quando todos passam a ficar contra a própria Carla, por ela ter invadido a privacidade de uma sala dos professores e, de acordo com eles, agido de forma antiética. O caos instaurado por esta pequena ação ganha um tamanho desproporcional, invadindo até mesmo a sala de aula e consequentemente as crianças.


O grande destaque do filme é a atuação segura de Leonie Benesch, na pele de uma personagem muito humana e ética, que coloca a segurança e o bem estar de seus alunos acima de tudo. Mesmo em meio ao caos, ela jamais os deixa de lado. O principal argumento do filme é mostrar as relações interpessoais dentro deste ambiente escolar, focando sobretudo nos professores e nas suas hipocrisias. Há espaço também para discussões mais profundas como xenofobia e preconceito religioso, mas em síntese, o filme fala verdadeiramente sobre as dificuldades que os educadores enfrentam diariamente numa sala de aula, o que exige uma série de malabarismos dos mesmos. Um suspense diferente e ousado, com um final arrebatador.