quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Crítica: Um Herói (2022)


Quem já assistiu algum filme do iraniano Asghar Farhadi, sabe que uma das suas principais características é pegar uma situação super simples do cotidiano e transformar em uma história cheia de desdobramentos e impasses morais. Foi assim em O Apartamento, em A Separação, e é assim agora em seu mais novo trabalho, Um Herói (Ghahreman), que fala acima de tudo sobre a busca pela dignidade.


A trama gira em torno de Rahim (Amir Jadidi), que está na prisão por conta de uma dívida que não conseguiu pagar e acaba de ganhar dois dias de saída temporária. Ele aproveita esse tempo para tentar convencer seu credor a retirar a queixa, prometendo pagar uma quantia no ato e completar o restante assim que conseguir um emprego. Quando uma bolsa com moedas de ouro chega às suas mãos através da namorada Nazanin (Sarina Farhadi), ele tem a chance de resolver boa parte do problema, mas opta por devolver as moedas para uma mulher que supostamente teria perdido a bolsa em uma parada de ônibus.

O ato de devolução da bolsa e da quantia que havia dentro logo vira notícia na mídia, e Rahim é tratado como um verdadeiro "herói", ganhando entrevista na televisão e incentivando até mesmo um grupo de apoio a fazer uma vaquinha para ajudá-lo a sanar as dívidas e sair definitivamente da prisão. Porém, não demora para que boatos comecem a pôr em dúvida se Rahim teria agido mesmo de boa fé ou se tudo não passou de uma farsa para ele se sair como bom moço e conquistar sua liberdade.

Essa ambiguidade sobre o ato de Rahim é o que abastece o espectador, em um roteiro que prende até o final. O filme não revela se a bolsa foi realmente encontrada, e cabe a nós sermos os "detetives" do caso, ligando os pontos a cada nova revelação e tirando nossas próprias conclusões. A figura do credor de Rahim é importante nesse sentido, pois é ele quem nos traz o que aconteceu no passado entre os dois personagens e revela alguns traços até então desconhecidos da personalidade do protagonista. Tenho apenas algumas ressalvas quanto a passagem do tempo, já que pela quantidade de ações dos personagens eu senti que o filme parece se passar em muito mais dias do que apenas dois. Também achei pouco explorada a relação de Rahim com a namorada e principalmente com o filho, mas não posso dizer que isso atrapalhou a experiência, já que o final é muito poderoso.


A crítica feita às leis do Irã também é bastante perspicaz, e nos faz pensar em como uma pessoa pode ser privada de sua liberdade apenas por conta de uma dívida financeira. Mais do que isso, o fato de Rahim passar a ser mal visto pela sociedade por ser um presidiário também o impede de conseguir trabalho, que é justamente o que ajudaria ele a pagar o valor devido. Por fim, Um Herói é mais um grande filme deste cineasta que sabe trabalhar muito bem os dilemas morais  que, neste caso, envolvem problemas da sociedade iraniana, mas poderiam se encaixar em muitos outros lugares do mundo.
 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Crítica: Eduardo e Mônica (2022)


Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração? Lançada em 1986, no segundo álbum de estúdio da banda Legião Urbana, "Eduardo e Mônica" se tornou uma das canções mais icônicas do rock nacional. Trinta e seis anos depois, a música composta por Renato Russo em homenagem a um casal de amigos finalmente ganhou uma versão para as telas, nas mãos competentes do diretor René Sampaio.


A trama acompanha Eduardo (Gabriel Leone), de apenas 16 anos, que se apaixona por Mônica (Alice Braga), uma mulher mais velha do que ele, durante uma festa "estranha e com gente esquisita". Enquanto Eduardo está preocupado com o vestibular, Mônica já tem uma vida profissional bem resolvida trabalhando como médica plantonista em clínicas de Brasília. Apesar das enormes diferenças, não só de idade, mas de cultura e visões de mundo, os dois se conectam de uma forma intensa, juntando a inocência juvenil de Eduardo com a experiência de vida de Mônica.

O fato de já sabermos como se desenrola a história dos dois poderia facilmente atrapalhar a experiência, mas a verdade é que se torna divertido ir percebendo sutilmente no filme as coisas que são descritas na música, como o fato de Mônica fazer meditação, falar alemão e gostar de Bauhaus e Bandeira, enquanto Eduardo está no cursinho, assiste novela e joga futebol de botão com seu avô (Otávio Augusto). A direção tem um trabalho brilhante na criação de subtramas que engrandecem ainda mais a história, como a relação de Mônica com a mãe, os fatos políticos da época e os acontecimentos do passado de Eduardo em relação aos seus pais.


A fotografia é belíssima, e arrisco a dizer que a cena em que o casal está na fachada do Teatro Nacional é uma das mais bonitas que já vi no cinema brasileiro. Sobre as atuações, Gabriel Leone está bem, mas quem rouba a cena de fato é Alice Braga, encantadora como sempre. A trilha me incomodou em alguns momentos por parecer forçada, mas a playlist com músicas dos anos 1980 é muito boa. Claro que não é um filme perfeito, mas seus defeitos ficam pequenos perto dos sentimentos que ele  inflama, e a prova disso é que assisti o tempo inteiro com um sorriso no rosto.
 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Crítica: Licorice Pizza (2021)


É incontestável que Paul Thomas Anderson é um dos melhores cineastas da atual geração, mas isso não impede que sua filmografia seja considerada inconstante. Ao mesmo tempo em que tem obras-primas como Boogie Nights e Sangue Negro, tem outras de qualidade bem duvidosa como Vício Inerente e agora o seu mais recente trabalho, Licorice Pizza, que é, para mim, o pior filme da sua carreira até então.


A trama se passa nos anos 1970, no noroeste de Los Angeles, e acompanha o adolescente Gary (Cooper Hoffman), que se apaixona por Alana (Alana Haim), uma garota dez anos mais velha que trabalha como assistente de fotografia e está ajudando nas fotos do anuário escolar. O começo parece promissor e nos transporta diretamente para aquela atmosfera setentista, tanto pela paleta de cores como pelas roupas utilizadas pelos personagens, sem contar a ótima trilha sonora de Johnny Greenwood. A partir de então passamos a acompanhar o vai e vem dessa paixonite que se cria entre os dois, apesar da diferença de idade, enquanto eles cruzam com inúmeras situações aleatórias e resolvem se juntar nos negócios, primeiro no ramo dos fliperamas e depois na venda de colchões d'água.

Bom, primeiramente, não consegui comprar a ideia de um jovem de apenas 15 anos ter tanta facilidade para abrir negócios, mesmo entendendo que o dinheiro supostamente veio da sua carreira de sucesso como ator mirim, que também é mal explorada. Alguns personagens também são jogados de uma hora para outra na história e desaparecem na mesma velocidade. É o caso de Jerry, interpretado por John Michael Higgins, ou de William, interpretado por Sean Penn, ambos com participações bem toscas e que não fazem sentido algum. Tem ainda o personagem de Bradley Cooper, que tenta ser cômico mas não passa de uma esquete de humor sem graça.

A montagem do filme também é terrível. Em um momento os personagens estão em um local, logo depois já estão em um vôo indo para algum lugar, e tudo isso sem nenhum fio que ligue uma coisa a outra. Usei uma cena específica como exemplo, mas poderia citar várias outras em que ocorre essa mudança repentina no roteiro.
Aliás, eu poderia enumerar mais uma série de aleatoriedades que me incomodaram demais, como um homem misterioso que ronda o escritório de um político para quem Alana começa a trabalhar, ou a própria protagonista achar normal andar pela rua de noite usando apenas lingerie. Mas o fato dos personagens começarem a correr do nada em algumas cenas certamente é o pior de tudo. E o que falar então daquela cena onde um personagem pede para ver os seios da outra? Não, Paul Thomas Anderson, não. Para finalizar, esse arco romântico dos protagonistas, que é segurado até o final, termina de forma atropelada e abrupta, fechando o filme da maneira mais anticlimax possível.


Se o roteiro não funciona em momento algum, pelo menos a atuação de Alana Haim deve ser elogiada. Que grande achado essa jovem atriz, que mostra ser uma promessa e tanto. Cooper Hoffman, filho do ator Philip Seymour Hoffman, falecido em 2014, também tem uma boa estreia nas telas, mesmo estando na pele de um personagem totalmente sem carisma. É difícil escrever na contramão da maioria, mas Licorice Pizza já é de longe uma das maiores decepções cinematográficas da minha vida, principalmente porque a expectativa era enorme.
 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Crítica: A Felicidade das Pequenas Coisas (2022)


Quando foram anunciados os indicados ao Oscar de melhor filme internacional, um filme em especial se destacou por ser considerado até então um "azarão". Pouco cogitado para estar entre os cinco finalistas, A Felicidade das Pequenas Coisas (Lunana: a Yak in the Classroom), representante do Butão, surpreendeu a todos, mas basta assisti-lo para entendermos o porquê dele ter conquistado os votantes da academia.


Antes de mais nada é importante contextualizar que o pequeno país da Ásia Meridional é mundialmente conhecido como "o país da felicidade", por ter políticas que se preocupam verdadeiramente com a felicidade da população, baseadas nos valores do budismo e da cultura local. Dito isto, a trama gira em torno de Ugyen (Sherab Dorji), um rapaz que mora com a avó na capital e trabalha como professor no programa conhecido como "Felicidade Interna Bruta". No entanto, não é o que ele gosta verdadeiramente de fazer, já que seu sonho é ir para a Austrália ganhar a vida como cantor.

Certo dia, Ugyen é transferido para trabalhar em um colégio na aldeia de Lunana, que fica em um lugar muito isolado nas montanhas do país, e onde só se chega através de uma longa e trilha que dura vários dias. Mesmo descontente por saber que ficará longe de tudo, ele aceita o desafio, e chegando ao local se depara com uma realidade bem diferente do que estava acostumado, se surpreendendo com o modo de vida extremamente simples da população e com a maneira que eles são felizes assim, com tão pouco.

A admiração com a profissão de professor já é notada na recepção de Uygen na aldeia (que tem apenas 46 moradores, sendo 8 crianças), onde todos o tratam com muito respeito e cordialidade. A escola é bastante precária, não tendo nem mesmo itens básicos como um quadro negro ou cadernos para as crianças, mas os pequenos tem muito interesse em aprender e isso motiva o professor a buscar recursos. O filme também mostra como, mesmo isoladas, as populações de locais remotos sofrem com as consequências dos atos humanos em relação a natureza, como o aquecimento global, que eles nem sabem o que significa mas sentem na pele com a redução da neve nas montanhas durante o inverno.
Aliás, a relação deles com a natureza é sagrada e muito bonita de acompanhar, e me fez pensar em como deixamos isso de lado num mundo cada vez mais tecnológico.
 
 
O roteiro tem sim as suas facilitações, mas isso de forma alguma me incomodou, pois a mensagem que o filme passa no final é muito maior do que isso. Gostei da ironia da história ter um protagonista que mora no "país da felicidade" mas sonha alcançar a felicidade em outro país, e é bem interessante a construção que o roteiro faz desse personagem, e de como pouco a pouco ele vai se conectando consigo mesmo. Também fiquei impactado com as atuações dos moradores locais, que nunca haviam estado na frente de uma câmera. Com as montanhas do Himalaia de fundo, A Felicidade das Pequenas Coisas é um dos filmes mais delicados do ano, e uma belíssima homenagem a uma das profissões mais importantes que existem.
 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Crítica: Mães Paralelas (2022)


O novo filme do cineasta Pedro Almodóvar acompanha Janiz (Penélope Cruz), uma mulher que trabalha como fotógrafa e acaba se relacionando com o antropólogo Arturo (Israel Elejalde) depois de uma sessão de fotos. Como resultado desta relação, Janiz engravida, e nove meses depois dá à luz no mesmo dia e horário que Ana (Milena Smit), sua colega de quarto na maternidade.


Com muito custo Janiz vai criando a filha pequena sozinha, já que o relacionamento com Arturo não seguiu em frente, mas aos poucos ela vai percebendo traços que a fazem duvidar de que é sua filha de verdade. Querendo tirar a prova, ela decide fazer um teste de DNA, ao mesmo tempo em que Ana ressurge em sua vida e passa uns dias na sua casa ajudando a cuidar da criança. Entre coincidências e surpresas, o melodrama construído por Almodóvar vai ganhando força nessas duas personagens arrebatadoras, e na forma única que cada uma lida com a solidão e com as alegrias e as dores de ser mãe.

Em relação ao roteiro, eu achei o começo um tanto corrido, e também me incomodaram os pulos temporais abruptos durante a narrativa. O filme também fala sobre o passado traumático da Espanha, sobre os mortos e desaparecidos durante a ditadura de Franco, e sobre o quanto é importante lembrarmos do passado para que não se repita esse tipo de atrocidade, mas achei bem precária a forma que o diretor faz a conexão entre os temas particulares das personagens e os temas políticos.

 
De uns anos para cá, Almodóvar tem deixado um pouco de lado o seu estilo mais extravagante e sarcástico para dar lugar a um estilo mais pessoal e intimista, mesmo que algumas características marcantes continuem presente em suas obras, como o visual cheio de colorido e os personagens humanos em seus acertos e erros. Outra coisa que permanece intacta é sua parceria com a atriz Penélope Cruz, a oitava na carreira, que por sinal está incrível no papel principal. Mães Paralelas é, por fim, mais um drama "novelesco" feito por alguém que sabe muito bem trabalhar esse estilo no cinema, mas que dessa vez deixa uma sensação de que faltou algo.
 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Crítica: Sempre em Frente (2022)


Dirigido por Mike Mills, Sempre em Frente (C'mon C'mon) é um filme sensível e complexo que acompanha a relação de um um tio com seu sobrinho ao mesmo tempo que aborda temas importantes dentro da nossa sociedade, como a preocupação com as gerações futuras e o que ficará de legado para elas.


Na trama, Johnny (Joaquin Phoenix) é um cara solitário que viaja entre várias cidades dos Estados Unidos entrevistando crianças e adolescentes para uma rádio, onde pergunta desde o maior sonho delas até a maneira como elas enxergam o mundo daqui uns anos. É interessante que o filme realmente mostra entrevistas feitas com jovens, fazendo um retrato extremamente realista da juventude nos dias de hoje e dos seus desejos para a construção de um mundo melhor.

Certo dia, a irmã de Johnny precisa se ausentar de casa e ele aceita cuidar por um tempo do sobrinho, o garoto Jesse (Woody Norman), um típico menino de nove anos com energia e disposição de sobra, e inteligência acima da média. Pouco a pouco o filme vai trazendo algumas respostas sobre o porquê da viagem da mãe, o porquê de Johnny ter perdido contato com ela por anos e também o porquê de Johnny ser tão sozinho. Aliás, ele é um personagem com muitas camadas, e nem todas são mostradas ao longo do filme, o que eu achei interessante, já que acaba deixando muita coisa para a subjetividade do espectador. Não é preciso dizer que Joaquin Phoenix está muito bem no papel, mais uma vez mostrando porque é um dos melhores atores da nossa geração, mas quem rouba a cena de fato é o menino Woody Morgan, numa atuação mirim elogiável.


Fico na dúvida se havia mesmo a necessidade da fotografia em preto e branco neste caso, mas também não é algo que atrapalhe, pelo contrário, já que visualmente fica bonito quando temos vistas panorâmicas de cidades como Nova Iorque, Los Angeles e Nova Orleans. Outro artifício usado pela direção e que eu achei bem original, foi creditar na tela os trechos de livros que Johnny lê para Jesse, já que de alguma forma essas histórias combinam com o momento de vida deles. Sensível e emocional, Sempre em Frente é com certeza um dos filmes mais delicados do ano, e vale muito a pena.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

O Beco do Pesadelo (2022)


Se existe algo que não se pode dizer dos filmes de Guillermo Del Toro é que eles são tecnicamente precários. Os trabalhos do diretor possuem aspectos visuais impressionantes, ainda que às vezes a história não funcione (como é o caso de A Colina Escarlate). Porém, em O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley), Del Toro consegue mais uma vez aliar a direção de arte impecável com um enredo envolvente, e apresenta um dos filmes mais instigantes do ano.


O longa é uma nova versão de O Beco das Almas Perdidas, lançado em 1947, e acompanha Stan Carlisle (Bradley Cooper), um homem solitário que está fugindo de um passado misterioso e consegue trabalho no circo comandado por Clem (Willem Defoe). A primeira hora do filme foca na relação que se cria entre Stan e os outros membros do circo, principalmente com Pete (David Strathairn) e Zeena (Toni Collette), um casal de vigaristas que finge ler a mente dos espectadores em uma das atrações. É com eles que Stan aprende os truques para ser um bom mentalista, artimanha que passa a usar com ajuda de Molly (Rooney Mara) depois que os dois vão embora juntos do circo.

Na segunda metade, Stan e Molly, agora vivendo em Nova York, ganham a vida fazendo apresentações para a elite da cidade, onde enganam os espectadores dizendo ter contato mediúnico com seus parentes falecidos. A vigarice chama a atenção da psiquiatra Lilith (Cate Blanchet), que entra na jogada para se aproveitar da situação, e é através dela que Stan passa a trabalhar para o magnata Ezra Grindle (Richard Jenkins), que investe muito dinheiro para ter contato com sua ex-amada morta e acaba sendo uma pedra no sapato de Stan.


O trabalho de direção de arte, como falei anteriormente, é realmente impressionante, e ajuda a criar uma atmosfera bastante sombria, que remete bastante aos filmes noir da primeira metade do século 20. A caracterização da época (início da Segunda Guerra Mundial) também é muito bem feita. Sobre as atuações, eu gostei bastante do Bradley Cooper na pele de um charlatão inescrupuloso, e mesmo com uma participação pequena também destaco o Willem Defoe. Com um final arrebatador, O Beco do Pesadelo fala sobre traumas, mas acima de tudo, sobre a ambição cega de querer subir na vida a qualquer custo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Crítica: Drive My Car (2022)


O ano de 2021 foi extremamente produtivo para o diretor japonês Ryusuke Hamaguchi, que além do singelo Roda do Destino, também chamou a atenção da crítica com Drive My Car (Doraibu mai ka), vencedor de melhor roteiro em Cannes e indicado a melhor filme, melhor filme internacional e melhor roteiro adaptado no Oscar 2022. Adaptado de um conto do escritor Haruki Murakami, de quem sou um grande fã, o filme acompanha Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nijishima), um ator e diretor de peças de teatro que é casado com uma roteirista que trabalha para a televisão. Juntos os dois criam algumas histórias, mas um acontecimento trágico acaba deixando Kafuku sozinho.


Dois anos depois do acontecido, Kafuku aceita o trabalho de dirigir uma peça de Tchekhov em Hiroshima, e parte para lá com seu carro, do qual ele tem um apego sentimental e não se separa jamais. Porém, segundo uma regra imposta pelos produtores do teatro, ele não pode dirigir o veículo enquanto dirige a peça por uma questão de segurança, e mesmo contrariado ele acaba aceitando que a jovem Misaki (Toko Miura), de apenas 23 anos, passe a dirigir seu veículo como uma espécie de chofer. O ponto alto do filme são justamente os diálogos que o protagonista tem com sua motorista durante as viagens, e são nessas discussões, sobre amor, vida e morte, que o roteiro ganha força.

 
O filme tem quase três horas de duração, com um prólogo que dura cerca de quarenta minutos. Na sequência, temos inúmeras cenas mostrando a leitura do roteiro feita pelo elenco da peça, que se estendem, ao meu ver, mais do que deveriam. Confesso a vocês que achei o filme um pouco entediante por conta dessas opções narrativas, mesmo já estando acostumado com a forma de direção do Hamaguchi. 


Drive My Car é um filme que fala muito sobre perdas, e a maneira que lidamos com elas. As atuações dos dois atores principais está impecável, sobretudo de Hidetoshi Nijishima, que passa com muita veracidade as incertezas e frustrações de um homem que precisa reaprender a viver enquanto enfrenta as dores profundas do passado.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Crítica: Uma Vida Doida (2022)

 

A evolução de doenças neurodegenerativas na terceira idade é sempre um tema delicado de ser tratado no cinema, justamente por ser algo que está próximo de todos nós. Se não dentro da nossa própria família, temos pelo menos algum conhecido que sofre ou já sofreu com a enfermidade, e isso mais do que nunca torna a identificação imediata, tanto com o paciente quanto com as pessoas em volta. Recentemente tivemos um ótimo exemplo do assunto em Meu Pai, dirigido por Florian Zeller, mas também consigo citar outros bons filmes como O Filho da Noiva e Amour.


Marcando a estreia da dupla Ann Sirot e Raphael Balbino na direção de longas metragens, Uma Vida Doida (Une Vié Dément) apresenta Alex (Jean Le Peltier) e Noémie (Lucie Debay), um casal que está cheio de planos para o futuro, e o principal deles envolve ter um filho. No entanto, eles precisam mudar os rumos quando a mãe de Alex começa a apresentar sintomas graves de demência e não tem mais condições de ficar sozinha em sua própria casa.

Diferente dos outros filmes que citei, que abordam o tema sob a forma de drama, aqui temos boas pitadas de humor, que deixam o filme mais leve, mesmo tratando algo doloroso. Jo Deseure, que interpreta a mãe de Alex, tem uma atuação incrível, e consegue passar com perfeição todo o sentimento de alguém que perde sua capacidade de agir e pensar, mas não perde sua essência.


Além do tema principal, o roteiro também fala sobre relacionamentos, ciclos, e claro, sobre o amor. O amor mãe e filho, o amor de marido e mulher, mas principalmente o amor que vence as dificuldades para se manter de pé, independente das circunstâncias. Minha única ressalva é em relação a edição do filme, que apresenta cortes bem desnecessários das cenas, inclusive no meio de diálogos, o que me incomodou bastante durante a exibição. No mais, é um filme sensível e com uma bela fotografia, que trata o tema com a sutileza que ele merece.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Crítica: Spencer (2022)


Em Spencer, o chileno Pablo Larraín traz mais uma vez para as telas a vida de uma mulher marcante na história mundial. Depois de apresentar brilhantemente a figura de Jackie Kennedy em Jackie (2016), agora é a vez do diretor abordar a personalidade de Diana Frances Spencer, a "Lady Di", em um período curto de sua vida durante as férias de 1991.


A trama se passa durante o fim de semana de Natal, onde seguindo as tradições, a família real britânica se reúne para passar na casa de campo de Sandrigham, que coincidentemente é a cidade onde também nasceu Diana. No meio de tantas regras de etiqueta e rituais bizarros (como a balança que mede o peso de cada um na chegada), Diana (Kristen Stewart) logo parece deslocada, justamente por achar tudo um enorme exagero. Sentimos desde o início um clima de distanciamento dela do restante, com planos onde ela está sempre procurando ficar sozinha, em paz. 

Diana é diferente nos modos, no jeito de enxergar as tradições e até no modo de se vestir, e um exemplo disto é o fato dela ser a única a chegar dirigindo seu próprio carro ouvindo música pop, enquanto todos os outros foram trazidos por motoristas. A família real sempre viveu em um mundo de aparências, onde até as roupas para as ocasiões são escolhidas com antecedência, e tudo é calculado nos mínimos detalhes para que a reputação não seja posta à prova. Por conta disto, Diana se torna até mesmo uma espécie de ameaça por ter esse espírito livre, e o tempo todo precisa ser "corrigida" e coagida a mudar algumas das suas atitudes.

 

Kristen Stewart está impecável no papel, e deixa muito verossímil o sentimento de sufocamento e claustrofobia de alguém que está em um ambiente que nitidamente não se encaixa. Ainda assim, consegue ter momentos de delicadeza com os filhos, que eram sua única fonte de amor, já que o casamento com o príncipe Charles já estava sendo um relacionamento de fachada há muito tempo. O retorno de Diana à sua terra natal também traz memórias importantes que ajudam a moldar ainda mais sua personalidade, e o roteiro também se aprofunda muito bem nestas questões.