quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Crítica: Vengeance (2022)


O ator e roteirista B. J. Novak, que ficou bastante conhecido no início dos anos 2000 por seu papel na série The Office, faz sua estreia na direção de longas-metragens com Vengeance, um filme que me surpreendeu muito e que usa um humor bastante simples para fazer o espectador pensar.


Além de escrever e dirigir o filme, Novak também dá vida ao protagonista Ben, que é redator de um jornal de Nova Iorque. Depois de receber uma ligação no meio da noite, ele acaba tendo que fazer uma viagem não planejada ao Texas para o funeral de Abilene (Lio Tipton), uma garota que ele saiu algumas vezes mas não tinha nada sério. Chegando no local ele conhece o irmão dela, Ty Shaw (Boyd Holbrook), que insiste que ela foi assassinada e quer a ajuda dele para vingar a sua morte.

Diante do caso, Ben decide usar a história da morte de Abilene para criar um podcast "true crime", algo que hoje em dia está em alta, e para isso conta com ajuda da amiga e produtora de conteúdos Eloise (Issa Rae). A partir de então, Ben entra no cotidiano da família da jovem morta, colhendo depoimentos enquanto tenta de alguma forma investigar o que de fato ocorreu com ela.


 

O roteiro "brinca" com várias características da sociedade americana atual, mas que também se encaixam com a nossa realidade aqui. O produtor musical Quentin Sellers, interpretado por Ashton Kutcher, diz em um certo momento que nós não vivemos mais os momentos, mas gravamos em nossos celulares para "vivê-los" sempre que pudermos num futuro, e esse é apenas um retalho de vários outros diálogos fortes e críticos sobre o comportamento humano. Outra questão que o filme também levanta é a forma como as relações andam descartáveis e superficiais hoje em dia. O próprio fato de Ben não saber nada sobre Abilene, que de certa forma teve momentos íntimos e até mesmo românticos com ele, reforça essa ideia. Por fim, ao abordar o mundo dos podcasts, Novak traz uma ideia até então havia sido pouco explorada no cinema, e faz isso com muita competência. Vengeance é uma grata surpresa e já o considero um dos filmes mais legais deste ano.


sábado, 27 de agosto de 2022

Crítica: Marte Um (2022)


Quantos sonhos existem dentro de cada casa da periferia? E quantos destes sonhos ganham a oportunidade de se tornarem realidade? É esse Brasil, de gente trabalhadora e com muita vontade de lutar por dias melhores, que é mostrado em "Marte Um", primeiro filme solo do cineasta mineiro Gabriel Martins e que foi escolhido para representar o país no Oscar 2022.


O filme se passa em um bairro periférico de Belo Horizonte e acompanha uma família que luta diariamente para se manter firme diante das dificuldades. A mãe (Rejane Faria) trabalha como faxineira, e o pai (Carlos Francisco) como porteiro de um condomínio. A filha mais velha (Camilla Damião) já faz parte de uma geração que consegue sonhar um pouco mais alto, e graças a uma bolsa na faculdade está prestes a realizar o sonho de se formar em Direito. Já o filho mais novo, "Deivinho" (Cícero Lucas), passa os dias assistindo vídeos de ciências no computador e sonha se tornar um astrofísico, sobretudo para fazer parte da missão "Marte Um" que em 2030 pretende colonizar o planeta vermelho.

Depois de serem devidamente apresentados, passamos a acompanhar a rotina da família, tanto em seus trabalhos e estudos como dentro de casa, e a grande força do filme vem justamente dessa dinâmica. É tudo muito sensível e humano nessas relações, e isso graças às atuações incríveis de todo o elenco. Vários acontecimentos também vão dissecando dramas internos dos personagens e trazendo novas situações. A mãe cai em uma dessas pegadinhas de televisão, e isso mexe com ela de uma forma inesperada. A filha se apaixona por uma outra mulher (Ana Hilário), e tenta, pouco a pouco, fazer com que a família entenda e aceite sua sexualidade. O pai, apaixonado por futebol desde sempre, quer que o filho menor se torne um jogador de sucesso, e pra isso chega a passar dos limites nas cobranças. Por se tratar de um filme extremamente orgânico, é notório que durante as duas horas de duração apareçam tanto as qualidades como os defeitos de cada personagem, e isso é precioso demais, pois mostra como todos nós temos erros e acertos na mesma medida e vamos nos moldando conforme aprendemos coisas novas com a vida.

O roteiro possui muita força nos detalhes, como por exemplo, quando a mãe fica doente e é uma médica preta que lhe atende, fugindo dos estereótipos que vemos muitas vezes nos filmes e deixando claro que hoje isso é possível graças a políticas de inclusão criadas anos atrás. Outro detalhe que chama atenção é quando Deivinho vê o preço do ingresso para assistir uma palestra sobre ciências, mostrando como o acesso a eventos desse tipo são, na grande maioria das vezes, reservados apenas a pessoas com alto valor aquisitivo. Eu gostei muito da forma como o diretor trabalha esses temas necessários sem ser insistentemente panfletário, mas de um jeito bem natural. Os cenários também são muito bem construídos, e é legal acompanhar o trabalho feito na casa da família, desde a decoração até suas imperfeições.


Por falar em imperfeições, o filme também tem as suas. Algumas cenas me pareceram um pouco fora de contexto, como as que aparecem o influencer "Tokinho", ou longas demais, como uma cena dentro de uma festa. Tem ainda um crime cometido no condomínio onde o pai trabalha que para mim soou bem problemático na narrativa e talvez tenha sido um ponto fora da curva. Porém, no geral, é um filme muito necessário, importante e inclusivo, que retrata um Brasil que muitas vezes não tem voz mas é a maioria.

 

domingo, 14 de agosto de 2022

Crítica: Não! Não Olhe! (2022)


Com apenas três filmes lançados na carreira até então, o diretor Jordan Peele já alcançou aquele status do qual todos esperam ansiosos pelo seu próximo lançamento, e isso é para poucos. Após os sucessos de "Corra!" e "Nós", Peele volta aos holofotes com "Não! Não Olhe!" (NOPE), um roteiro que mistura ficção científica com terror de uma maneira muito competente.


O filme se passa em um rancho do interior da Califórnia, onde os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer) criam cavalos que são utilizados em produções de cinema e televisão. O pai deles, verdadeiro dono do negócio, morreu atingido por objetos estranhos vindo do céu, e isso foi apenas o começo de uma série de acontecimentos que passaram a rondar a região e assustar os protagonistas. Sem saber exatamente o que é, mas suspeitando se tratar de alguma nave de extraterrestres, eles instalam várias câmeras pela propriedade a fim de registrar o tal objeto e ganhar dinheiro com a descoberta.

No mesmo local vive Ricky Park (Steven Yeun), que é dono de um parque de diversões da região e que tem como um dos espetáculos mais famosos um suposto contato com OVNI'S. Ricky sofreu um trauma muito grande na infância quando era ator mirim em uma sitcom e presenciou uma tragédia no estúdio, quando um chimpanzé surtou e matou várias pessoas, e tem até mesmo um museu no seu parque em referência ao acontecido. Outro personagem importante que surge na história é o cinematografista Antlers Holst (Michael Wincott), que usa toda sua experiência em filmagens para driblar algumas dificuldades técnicas e conseguir as imagens que eles tanto desejam das figuras misteriosas no céu.


Peele sabe que está tratando, a princípio, de um subgênero que já foi diversas vezes abordado, e por isso se propõe a criar elementos novos e trazer uma visão diferenciada de como seria uma invasão alienígena na Terra, seja no visual da ameaça ou na maneira que os personagens lidam com ela. E por mais que alguns simbolismos tenham passado em branco para mim, é um filme que me prendeu justamente por suas originalidades, além das boas atuações e do primor técnico. É um Jordan Peele ainda mais consciente do que é capaz, e o cinema agradece.


domingo, 7 de agosto de 2022

Crítica: Treze Vidas - O Resgate (2022)


Em 2018, o mundo acompanhou apreensivo o resgate de 12 garotos de um time de futebol juvenil, e o seu técnico, em uma caverna inundada pelas chuvas na Tailândia. Quatro anos depois, o cineasta Ron Howard (de Apollo 13, Uma Mente Brilhante, A Luta pela Esperança, Rush, entre outros) resolveu contar tudo o que aconteceu durante aquela operação, que ficou marcada pelo heroísmo e perseverança das equipes de resgate.


Era tarde de 23 de junho de 2018, e os meninos acabavam de sair de mais um jogo treino. Era o aniversário de um deles, mas antes de comemorar, eles queriam curtir o dia bonito em um dos seus lugares preferidos, a caverna Tham Luang. O que eles não imaginavam é que enquanto estivessem lá dentro o tempo iria mudar, a a chuvarada iria inundar o lugar, e eles não conseguiriam mais sair de lá. E esse era só o começo de um pesadelo que durou duas longas semanas.

Achei interessante a opção do diretor em mostrar os meninos entrando na caverna, mas não mostrar o drama deles quando o local começou a inundar. O foco do filme neste momento virou para os parentes, que começaram a sentir a falta dos meninos, e para as autoridades, que começaram a agir rapidamente para tentar resgata-los. Aos poucos, várias equipes da marinha tailandesa e voluntários começaram a chegar e planejar o resgate, mas a situação parecia impossível pelo nível de água e pela vasta extensão da caverna.


A chegada dos britânicos John Volanthen e Rick Stanton, que na trama são interpretados por Viggo Mortensen e Colin Farrell, dois experientes mergulhadores de cavernas, foi crucial para o desenrolar do caso, e foram eles que finalmente conseguiram fazer o primeiro contato com os meninos e descobrir que eles estavam vivos, o que poucos acreditavam ainda ser possível. A partir de então, começou toda a preparação para tirá-los de lá, mas isso continuava parecendo impossível, já que só para chegar ao local onde eles estavam abrigados eram horas de mergulho no escuro, com passagens que mediam menos de 1 metro onde só passava uma pessoa por vez.


segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Crítica: Men (2022)


Apesar da curta filmografia de Alex Garland, hoje é impossível ficar indiferente a este nome. Desde o seu filme de estreia, Ex-Machina (2015), ele já mostrava ter uma identidade própria muito forte. Em Men, lançado este ano no Festival de Cannes, Garland apresenta mais um trabalho ousado e polêmico, cheio de simbolismos, que fala acima de tudo sobre o papel de culpa que a mulher é obrigada a carregar durante toda a sua vida, em diversas fases e situações.


O filme inicia com Harper (Jessie Burckley) chegando a uma casa de campo que alugou por uma temporada, onde é recebida pelo proprietário (Rory Kinnear), um homem de aparência estranha mas que se mostra muito simpático em um primeiro momento. Aos poucos, vamos descobrindo que Harper está tentando tomar um tempo para si após um relacionamento abusivo terminar em tragédia, e o silêncio do campo seria o lugar ideal para isso.

Ao comer uma maçã no jardim de entrada, fruto proibido na história bíblica, ela acaba sendo recriminada pelo dono, e já temos neste momento o primeiro simbolismo do longa, ainda que implícito e direcionado a um público específico. Este é só o começo de uma série de repreensões que Harper enfrenta dali pra frente, seja em conversas com outros locais, com o padre, com o barman do Pub ou até mesmo com o policial (todos interpretados pelo mesmo Rory Kinnear). Para piorar a situação, um homem misterioso e sem roupas começa a aparecer no pátio da casa em que Harper está vivendo, tentando invadi-la de forma violenta.

Basicamente, o filme fala da presença do machismo na sociedade. Desde o proprietário que não aceita chamá-la pelo nome de divorciada, ao padre, que dá a entender que a culpa é dela por ter fugido de um relacionamento onde era agredida sem dar chances ao agressor de se desculpar, tudo acaba sendo dito e feito para encurralar Harper numa teia de culpa e remorso. E o homem nu talvez seja a representação mais palpável do medo que toda mulher tem de estar sendo perseguida ou vigiada o tempo todo.


Ter escalado o mesmo ator para fazer todos os papeis masculinos reforça a ideia de Garland de falar da natureza masculina e de suas toxicidades de uma maneira geral, mas sinto que o uso exacerbado de simbolismos vai acabar afastando um pouco o público desta ideia principal. Do meio para o final, o filme descamba para o lado visceral e parece perder um pouco o sentido, com cenas realmente degradantes que beiram o "gore", ainda que simbolicamente mostre que passam os anos, passam os séculos, e o machismo continua sendo replicado pois o homem continua o mesmo.