terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Os 20 melhores filmes lançados no Brasil em 2020

O ano de 2020 com certeza ficará marcado na vida de todo mundo como um ano atípico por conta da pandemia do novo Corona Vírus, e no mundo do cinema não poderia ser diferente. Vimos muitas produções sendo adiadas, os cinemas fechados por mais de sete meses, e o crescimento de uma onda que já vinha surgindo nos últimos anos; a dos lançamentos diretos nos serviços de stream. Apesar de toda a dificuldade, não dá para negar que foi um bom ano pro cinema, com ótimas surpresas. Como já é tradição nos finais de dezembro, segue a lista dos melhores filmes que chegaram ao Brasil neste ano.

20º Verdade e Justiça, de Tanel Toom (Estônia)

Baseado em um romance clássico da literatura da Estônia, o filme começa em 1872 e acompanha um jovem e sua esposa que chegam para morar em uma fazenda, onde pretendem viver muitos anos, ter filhos e prosperar. Após uma discussão boba com o vizinho sobre a construção de um canal para drenar as águas entre as duas propriedades, inicia-se uma guerra entre eles que perdura por décadas, com inúmeras discussões e múltiplas idas ao tribunal local.

19º Você Não Estava Aqui, de Ken Loach (Reino Unido) 

Conhecido por trazer histórias que criticam acidamente a sociedade no qual estamos inseridos, o diretor britânico Ken Loach fala desta vez sobre a precarização do trabalho informal e a “uberização” do trabalhador, flertando também com a retirada de direitos trabalhistas e as conseqüências que uma rotina desgastante pode trazer para uma família que precisa dela para sobreviver.

18º Destacamento Blood, de Spike Lee (Estados Unidos) 

O novo filme de Spike Lee acompanha um grupo de 5 ex-soldados que voltam ao Vietnã 4 décadas depois do fim do conflito para recuperar um tesouro enterrado e os restos mortais de um amigo morto naquela época. Ao mesmo tempo em que homenageia todos os soldados negros que já lutaram em guerras pelos Estados Unidos, ele também critica a forma como o governo sempre manejou o alistamento e o uso deles nos conflitos. Um filme com ótimas atuações e uma trilha sonora impactante.

17º Os 7 de Chicago, de Aaron Sorkin (Estados Unidos) 

O filme de Sorkin conta a história real do julgamento de sete homens, acusados de incitar a violência no famoso protesto anti-guerra que ocorreu durante uma convenção do partido democrata em Chicago, no ano de 1968. O longa se passa quase inteiramente dentro do tribunal, mas tem ótimos flashbacks e até imagens reais de arquivo que contextualizam os acontecimentos daquele dia. Com um ótimo elenco, é um filme que reflete, sobretudo, a respeito da imparcialidade do magistrado que não pode deixar de ser a regra primária em um julgamento.

16º A Trincheira Infinita, de Airtor Arregi, Jon Garaño e José Maria Goenaga (Espanha)

O drama se passa durante a guerra civil espanhola nos anos 1930 e acompanha Higinio, um homem que acaba perseguido pelas forças do ditador Franco após ser denunciado por um vizinho. Com a ajuda de sua esposa Rosa, ele se esconde em um buraco dentro da casa, onde começa um isolamento que acaba durando 30 anos. Enquanto mostra a luta de Higinio pela sobrevivência, sobretudo a luta pela sua sanidade mental, o filme também mostra a realidade espanhola durante estas três décadas, passando por todo o regime franquista, a queda da ditadura e até mesmo a Segunda Guerra Mundial.

15º Soul, de Pete Docter (Estados Unidos)

Do mesmo diretor de Monstros S.A. e Divertidamente, Soul é mais uma emocionante e competente animação da Píxar. O filme acompanha um professor de música que sonha em ser um grande músico de jazz, mas quando ele finalmente consegue chegar perto deste sonho, acaba sofrendo um acidente e sua alma vai para o além. Lá, ele tenta a todo custo voltar à vida na Terra, enquanto precisa ajudar uma alma nova a encontrar um propósito para viver no nosso planeta. A animação tem imagens incríveis, tanto nas cenas que se passam em Nova Iorque como nas cenas que se passam no plano espiritual, e conta com um dos protagonistas mais carismáticos já criados pelo estúdio. Um filme bastante sensorial, que passa a mensagem bonita de que todos devemos aproveitar a vida ao máximo.

14º O Caso Richard Jewell, de Clint Eastwood (Estados Unidos) 

Em 1996, um atentado a bomba em Atlanta, durante as Olimpíadas de verão, matou uma pessoa e feriu mais de cem. Esse episódio é trazido às telas pela primeira vez na mão de Clint Eastwood, tendo como foco o segurança Richard Jewell, que se transformou num herói nacional ao evitar que a tragédia fosse ainda maior. No entanto, não demora para que ele passe a ser acusado pelo FBI de ter armado tudo, com intuito de ganhar fama e subir na carreira policial. O filme mostra como as investigações policiais as vezes são falhas, principalmente quando precisam agir sob pressão para achar um culpado de algo que ganha comoção nacional. Há espaço também para uma crítica à mídia sensacionalista, que de certa forma influencia nas decisões dos investigadores e na opinião da população.

13º A Arte de Ser Adulto, de Judd Apatow (Estados Unidos) 

O novo filme do diretor Judd Apatow foi, com toda a certeza, uma das maiores surpresas do ano para mim. O enredo acompanha Scott, um homem de 24 anos que vive de fumar maconha, tatuar os amigos e não ter responsabilidades, apesar de ser extremamente carinhoso com a mãe e a irmã. Um acontecimento banal e a entrada de uma nova pessoa na sua rotina acaba fazendo ele enxergar a vida com outros olhos, deixando sobretudo alguns traumas para trás. É daqueles filmes que mostram a vida como ela é, sem grandes reviravoltas, apenas com suas pequenas vitórias e derrotas diárias.

12º 1917, de Sam Mendes (Estados Unidos) 

O longa se passa no ano de 1917 e narra a história de dois soldados que recebem a missão de levar uma mensagem para soldados aliados que estão em outro pelotão, com a intenção de salvar mais de 1600 homens de um verdadeiro massacre em uma armadilha orquestrada pelo exército alemão. O enredo é simples, com dois personagens que precisam ir de um ponto A a um ponto B, porém nesse trajeto eles precisam atravessar territórios inimigos e lidar com todo tipo de adversidade possível em um ambiente de guerra. Filmado com a intenção de ser um grande plano sequência (dois, na verdade), o filme cria uma imersão sensacional, como poucas vezes eu vi no cinema. Eu fiquei hipnotizado com cada cena, me senti realmente entrando na história e me transformando num terceiro personagem junto com eles.

11º Aos Olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo (Brasil) 

Produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, Aos Olhos de Ernesto fala com muita sensibilidade sobre envelhecimento, solidão, e principalmente sobre a complexidade das relações humanas. O enredo acompanha Ernesto, um uruguaio de 70 anos que vive sozinho num apartamento da capital gaúcha. Um dia, ao chegar no prédio onde mora, ele se depara com Bia, uma jovem de 23 anos que trabalha como cuidadora de animais, e aos poucos os dois começam a se aproximar criando uma relação bastante fraternal. A menina vai adentrando no mundo de Ernesto, e ele no dela, num conflito de gerações muito bacana de acompanhar. Com conversas interessantes sobre a vida, percebemos que os dois, mesmo com idades totalmente diferentes, possuem algumas coisas em comum, entre elas o sentimento de solidão. Quando Ernesto recebe a carta de uma velha amiga de Montevidéu, Bia o ajuda a ler e a escrever uma resposta, o que dá início a uma correspondência dele com seu próprio passado, resgatando sentimentos que ele não imaginava que poderia ter novamente.

10º Magnatas do Crime, de Guy Ritchie (Reino Unido) 

O filme conta a história de um produtor e vendedor de maconha do Reino Unido que está querendo se aposentar dos negócios e vender o império que construiu do zero e comandou por décadas. O principal interessado na compra é um bilionário britânico, mas no meio de tudo existem muitos outros interessados, que irão tentar tomar o negócio de outras formas mais "fáceis". Ao bater o olho no roteiro, ele até não parece trazer nada de extraordinário e que já não tenha sido mostrado em tela, mas o que faz o filme ser diferente de tudo que foi visto no cinema nos últimos anos é a sua forma narrativa nada convencional. Um filme que eu reverencio pela qualidade, mas acima de tudo pela originalidade e coragem de não se apegar em artifícios simplórios para agradar o grande público. Um grande acerto de Guy Ritchie depois de muitos anos.

9º Pacarrete, de Allan Deberton (Brasil)

Grande fenômeno no último Festival de Gramado, de onde saiu com 8 prêmios, Pacarrete marca a estréia do cearende Allan Deberton na direção de longa metragens e apresenta uma história muito íntima e singela sobre a chegada da velhice e sobre os sonhos que nunca morrem dentro de cada um de nós. Pacarrete é uma senhora de comportamento arredio, impaciente e temperamento difícil, que vive na cidade de Russas, no interior do Ceará. Na juventude ela foi uma bailarina, e seu sonho é poder voltar aos palcos na celebração de 200 anos da cidade. Porém, sua arte hoje não é mais vista como era décadas atrás, e ela enfrenta uma forte resistência da prefeitura local. Um filme muito delicado, com uma atuação incrível de Marcélia Cartaxo.

8º O Som do Silêncio, de Darius Marder (Estados Unidos) 

O Som do Silêncio acompanha um baterista que toca em um duo de rock com a namorada. Devido ao som alto das apresentações, ele vai perdendo a audição até ficar totalmente surdo. Acolhido em uma casa de ajuda para pessoas deficientes auditivas, ele vai aprendendo a se adaptar a sua nova realidade, mas sem desistir de fazer a cirurgia que ele acredita que irá trazer sua vida à normalidade. É um filme bastante intimista, e tem muitas cenas filmadas em libras, que é um grande diferencial da obra e ensina muito sobre a importância da comunicação.

7º La Belle Époque, de Nicolas Bedos (França)

O enredo acompanha Victor, um sexagenário que está desiludido com a vida após mais uma briga com a esposa e a definitiva separação do casal. Sem perspectivas de futuro, ele busca refúgio em uma empresa que promete lhe trazer de volta a alguma época do passado. A ideia consiste em usar cenários e atores para recriar a época que o cliente desejar, podendo ser algum momento da história do mundo que ele queira participar ou alguma memória pessoal que ele queira reviver. Victor, por sua vez, escolhe voltar a 1974, ano em que conheceu sua esposa, numa tentativa de relembrar aquele sentimento bom que existia entre eles e que o tempo desfez. Excelente drama com pitadas de humor, que nos faz refletir sobre o passado, sobre sentimentos de arrependimento e culpa, mas sobretudo sobre o valor do amor.

6º Jojo Rabbit, de Taika Waititi (Estados Unidos) 

Jojo é um menino típico da juventude hiterilista. Treinado em um acampamento militar para crianças, o menino é a personificação da lavagem cerebral feita pelo exército alemão naquela época. Ele bate no peito e diz se orgulhar de ser nazista, se considera superior por ser da raça ariana, e mesmo sem conhecer nenhum judeu pessoalmente sente nojo de tudo que tenha a ver com eles. A vida dele no entanto muda quando sua mãe decide esconder uma menina judia dentro de casa e ele começa a ter contato com ela. Apesar de ser um filme com um tema pesado, ele possui algumas cenas cômicas, principalmente quando Hitler aparece para o menino na forma de um amigo imaginário.
 
5º Queen & Slim, de Melina Matsoukas (Estados Unidos) 

Queen & Slim é um drama pesado que aborda a violência policial contra a população negra. O filme começa em uma cidade do estado de Ohio, onde um homem e uma mulher estão tendo o primeiro encontro depois de se conhecerem pelo Tinder. No caminho de volta para casa, os dois são parados por uma viatura polícia, e sem nenhum motivo aparente o policial resolve agredir o homem, que numa reação de defesa acaba matando o oficial. Analisando o contexto da sociedade que a gente vive, sabemos que um homem negro, mesmo agindo sob legítima defesa, seria abatido ou acusado de agir com dolo assim que chegassem as viaturas para atender a ocorrência. Por isso mesmo, sabendo dessa realidade de marginalização do negro, os dois resolvem deixar tudo para trás e fugir da cidade, seguindo até outro estado para se esconder na casa de parentes. Mais do que uma fuga de um crime, a jornada acaba sendo até mesmo de descoberta para ambos, e um dos pontos positivos da trama são seus diálogos. É um filme que evidentemente tem uma bandeira, mas isso não o torna necessariamente panfletário. Há, sim, uma abordagem bastante humana sobre um assunto que vem sendo discutido há muito tempo e que se torna cada vez mais necessário.

4º Waves, de Trey Edwards Shults (Estados Unidos) 

Waves acompanha uma família negra de classe média de Miami e pode ser dividido em duas partes que, mesmo distintas, se ligam por um "denominador comum". A primeira parte foca em Tyler, o filho mais velho da família, que cursa o colegial e sofre uma pressão violenta do pai para ser bem sucedido na vida, principalmente nos esportes. Após um fato trágico a família se desestrutura totalmente, e a segunda parte do filme foca em Emily, a irmã mais nova da família, e na sua relação com os estudos. O roteiro muda um pouco de tom nessa parte mas não perde o ritmo, graças aos bons argumentos que vão surgindo a todo momento e que vão mantendo a curiosidade no espectador. Aliás, a direção de Trey Edwards é sublime. A forma não convencional que é utilizada para contar a estória faz toda a diferença no seu desenrolar e auxilia no apego emocional que se cria entre o espectador e os personagens.

3º Be Natural, de Pamela B. Green (Estados Unidos)

Único documentário da lista, Be Natural volta ao final do século 19 para nos apresentar a Alice Guy-Blaché, a primeira cineasta mulher da história e que acabou apagada dos livros de cinema. Ao longo da exibição, o filme propõe investigar o porque de Alice não ser colocada nas listas dos precursores da sétima arte, sendo que ela teve participação crucial na construção do que conhecemos hoje como cinema. Sempre à frente do seu tempo, Alice criou técnicas que até hoje são usadas nos filmes, foi precursora em usar atores negros na tela e a colocar mulheres como protagonistas, e também no uso do som sincronizado e das cores. É um documentário obrigatório para qualquer amante do cinema, não somente por apresentar a história desta grande mulher ao mundo e discutir o seu legado, mas também por mostrar como foram os primeiros anos da indústria cinematográfica.

2º O Pássaro Pintado, de Václav Marhoul (República Tcheca)

Representante da República Tcheca no último Oscar, o filme apresenta uma das fotografias mais impressionantes e bonitas que eu já vi no cinema, ao mesmo tempo em que apresenta uma das narrativas mais perturbadoras. Baseado em um livro homônimo lançado nos anos 1960, o enredo acompanha um menino judeu que foi deixado aos cuidados da avó durante a Segunda Guerra Mundial, em um vilarejo hostil em um país qualquer do leste europeu. Após sua vó falecer, ele começa a perambular pelas florestas e vilas da região, encontrando todo o tipo de pessoas e situações, e sofrendo com a brutalidade e selvageria do ser humano. Fotografia em P&B belíssima, de encher os olhos, e uma atuação mirim pra nunca ser esquecida.

1º Retrato de uma Jovem em Chamas, de Céline Sciamma (França)

A experiência de imersão que a diretora Céline Sciamma propôs neste drama é uma das mais impressionantes que eu já tive a oportunidade de ver numa sala de cinema e não é à toa que para mim é o grande filme lançado no Brasil este ano. O enredo se passa no século XIII e acompanha a relação que se cria entre uma jovem que acabou de sair de um convento e uma pintora que foi chamada pela mãe da jovem para fazer uma pintura dela, que será usada para arranjar um casamento. A relação que se cria entre as duas resulta em diálogos sensacionais sobre a vida e sobre o papel da mulher naquela época, e o filme ainda nos presenteia com uma das fotografias mais bonitas já criadas.

sábado, 26 de dezembro de 2020

Crítica: Soul (2020)


Depois de vários adiamentos por conta da pandemia, finalmente estreou no Brasil, direto na plataforma Disney+, a animação Soul, para mim o melhor filme da Disney Pixar desde Viva, lançado em 2017.


Dirigido por Pete Docter (de Monstros S.A. e Divertidamente), o filme tem um roteiro bastante complexo e acompanha Joe (voz de Jamie Foxx), um músico apaixonado por Jazz que sonha alcançar o sucesso na carreira apesar de achar que já perdeu essa chance na vida. Enquanto a oportunidade certa não aparece, ele vai levando a vida como professor de música em uma escola para crianças.

Certo dia, ao ser chamado para tocar com um grande nome do gênero, ele fica extremamente eufórico mas acaba sofrendo um acidente e sua alma vai parar no além. A partir desse momento fatídico, o filme passa a explorar questões como a vida após a morte, a reencarnação e a construção da personalidade de cada ser humano antes mesmo do nascimento, porém sem se ater a nenhuma vertente religiosa, importante ressaltar. Ao tentar, a todo custo, voltar para a sua vida normal, Joe ganha a missão de ajudar a personagem 22 (voz de Tina Fey), uma alma nova e sem experiência que precisa completar sua personalidade e encontrar um verdadeiro propósito para finalmente descer à Terra.

 

O que mais cativa em Soul é o seu personagem principal, que é extremamente carismático. Outro ponto positivo são os gráficos, minimalistas e atentos aos detalhes, tanto nas partes que se passam em Nova Iorque como nas partes que se passam no plano espiritual. Por fim, tem ainda a trilha sonora, que é fantástica e faz toda a diferença no resultado final. É, por fim, uma grande experiência sensorial e provavelmente o filme mais adulto do estúdio até hoje.


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Crítica: A Arte de Ser Adulto (2020)


Uma das melhores sensações que existe para quem gosta de cinema é começar a olhar um filme sem pretensão alguma e terminar totalmente apaixonado pelo que viu. Foi o que aconteceu comigo ao assistir A Arte de Ser Adulto (The King os Staten Island), novo filme do diretor Judd Apatow (de O Virgem de 40 Anos e Ligeiramente Grávidos).

 

O filme conta a história de Scott (Pete Davidson), um jovem de 24 anos que tem como hobby fumar maconha com seus amigos e fazer pequenas tatuagens em todos eles. Mesmo com o passar dos anos, Scott nunca conseguiu superar a perda precoce do pai, um bombeiro que morreu em serviço. Desde então, sempre viveu na companhia da mãe (Marisa Tomei) e a irmã (Maude Apatow), mas apesar da convivência entre eles ser boa, nunca levou a sério as responsabilidades da vida. Aos poucos, porém, ele vai se adequando ao mundo adulto, principalmente depois que sua mãe inicia um romance com Ray (Bill Burr) e ele passa a desempenhar um papel crucial nessa sua mudança de perspectiva.

Conhecido por ser um cineasta de comédias, Apatow não deixa de lado essa sua veia humorística aqui, mas consegue trabalhar muito bem também com o outro lado, o do drama, unindo os dois gêneros com muita competência. Ao mesmo tempo em que fala sobre temas fortes como traumas do passado, uso de drogas, depressão e a tentativa de se encaixar no mundo atual, o diretor suaviza tudo isso acrescentando várias piadas inteligentes e boas referências ao mundo pop.


É imprescindível falar que, para gostar do filme, é preciso comprar a ideia desde o início, já que apresenta um ritmo um tanto quanto arrastado, um roteiro bastante íntimo (já que é baseado na própria vida do ator Pete Davidson) e uma longa duração. Mas um dos pontos que seguram o espectador até o fim são as atuações, todas muito boas, e dentre elas o nome que mais se destaca é o de Bill Burr, que todos conhecem do Stand-Up Comedy mas que aqui tem um personagem dramático muito bem representado. A Arte de Ser Adulto é para mim uma das maiores surpresas cinematográficas deste ano, e eu fiquei extremamente feliz de tê-lo descoberto por acaso.
 


domingo, 29 de novembro de 2020

Crítica: Magnatas do Crime (2020)

 

Guy Ritchie possui uma assinatura própria e inconfundível em seus trabalhos, entretanto, vinha deixando de lado esse seu estilo nos últimos anos para se embrenhar no mundo dos blockbusters, onde filmou longas como Aladdin e Rei Arthur. Com Magnatas do Crime (The Gentlemans), ele volta ao velho estilo que o consagrou, para alegria dos fãs que esperavam ávidos por esse momento.

 

O filme conta a história de Mickey (Matthew McConaughey), um produtor e traficante de maconha do Reino Unido que está querendo se aposentar dos negócios e vender o império que construiu e comandou por décadas. O principal interessado na compra é um bilionário britânico (Jeremy Strong), mas no meio de tudo existem muitos outros interessados, que irão tentar tomar o negócio de outras formas mais "fáceis".

Ao bater o olho no roteiro, ele até não parece trazer nada que já não tenha sido mostrado em tela, mas o que faz ele ser diferente de tudo que foi visto no cinema nos últimos anos é o seu formato nada convencional. Toda a história de Mickey é contada por Fletcher (Hugh Grant), que está escrevendo o roteiro de um filme e está mostrando-o para Ray (Charlie Hunnan), que por sua vez é um dos principais empregados e capangas de Mickey. Essa metalinguagem utilizada para contar uma história dentro de outra pode parecer confusa pra quem ainda não assistiu o filme e está lendo isso, mas funciona demais na tela. Ao longo do filme vão surgindo muitas histórias paralelas, muitos personagens, e trazendo sempre um clima de novidade no ar. O final traz um plot twist muito interessante e deixa um gostinho de sequência vindo por aí.


Na parte técnica destaques para a trilha sonora, figurino, design de produção e fotografia. E se a parte técnica está impecável, o que dizer então do elenco afiadíssimo? Matthew McConaughey está mais uma vez perfeito no papel do protagonista, e dois nomes se destacam entre os demais: Charlie Hunnam e Hugh Grant. O filme ainda tem uma boa participação de Colin Farrell e Jeremy Strong em ótima forma. Magnatas do Crime é filme que eu reverencio pela qualidade, mas acima de tudo pela coragem de não se apegar em artifícios simplórios para agradar o grande público. Um dos melhores filmes do ano!
 


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Crítica: Rosa e Momo (2020)

 

Lançado semana passada no Brasil pela Netflix, o italiano Rosa e Momo (La Vita Davanti a Sé) é um filme singelo e tocante que aborda assuntos muito necessários, e emociona pela bonita relação que se cria entre os seus personagens principais.


O roteiro do filme, baseado no livro "A Vida Pela Frente" de Romain Gray, acompanha Momo (Ibrahima Gueye), um menino órfão senegalês de 12 anos que vive em Bari, na Itália, sob a tutela de Hamil (Babak Karimi). Para tentar sobreviver, Momo pratica pequenos furtos, e num desses furtos acaba conhecendo Rosa (Sophia Loren), uma judia sobrevivente do holocausto, que após muita insistência de Hamil acaba acolhendo Momo em sua residência por um tempo. 

A relação dos dois vai se estreitando à medida que os dias passam, numa bonita troca de experiências entre gerações muito distintas. Mas muito mais do que isso, são duas pessoas que aparentemente encontram pela primeira vez alguém que os entenda e com quem possa contar. E tudo isso não teria tanto valor se não fosse pela atuação fantástica do garoto Ibrahima e da grande Sophia Loren, que volta às telas depois de mais de uma década, no alto dos seus 86 anos de idade e mais de 70 de carreira.


Além desta parceria entre os dois, há que destacar a criação de um elo muito forte de personagens mulheres, cis e trans, e de imigrantes que buscam a vida em países europeus, saindo na maioria das vezes de situações de extrema miséria nos seus países de origem. Um afeto coletivo que muda e transforma vidas, que muitas vezes são marginalizadas pela sociedade. Por fim, Rosa e Momo é um filme que emociona, mas sem precisar forçar isso no espectador, sendo tudo muito natural. Tem seus problemas, como alguns personagens sub aproveitados, mas a lição que ele traz no final se torna muito importante.
 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Crítica: Os 7 de Chicago (2020)

Sendo apenas o segundo filme dirigido por Aaron Sorkin, que é mais conhecido por seu trabalho como roteirista, Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7) conta a história real do famoso julgamento de sete homens acusados de incitar a violência no famoso protesto anti-guerra durante uma convenção do partido democrata em Chicago, no ano de 1968.

 

Particularmente esse filme veio em boa hora, pois acabei de ler Nix, do escritor Nathan Hill, que conta detalhes de como foi esse protesto sob a visão de uma jovem ativista. O filme serviu então, coincidentemente, como um complemento do que li, inclusive abordando alguns fatos descritos no próprio livro. No entanto, o enredo de Sorkin foca no depois dos protestos, quando os sete homens, de diferentes grupos, estão sob julgamento, acusados de serem os responsáveis pelo conflito com a polícia que acabou em vários feridos.

O longa se passa quase inteiramente dentro do tribunal, mas os acontecimentos da tarde do protesto são mostrados ao longo da projeção através de flashbacks e até mesmo de imagens de arquivo. O mais interessante, no entanto, é a forma como o juiz do caso (Frank Langella) se mostra totalmente parcial a favor da força policial e contra os jovens. Há até mesmo espaço para discussão do racismo, quando um membro dos Black Panters é acusado injustamente de fazer parte da confusão.


O elenco é afiadíssimo. Além de Langella, conta ainda com Eddie Redmayne, Sacha Baron Cohen, Jeremy Strong, Joseph Gordon-Levitt, Mark Rylance, Michael Keaton, e outros nomes menos conhecidos mas que também dão um show de interpretação. Trata-se, com toda a certeza, de um dos grandes filmes da gigante Netflix nesse ano louco de 2020.
 

terça-feira, 7 de julho de 2020

Crítica: Os Olhos de Cabul (2020)


É sempre revoltante ver ou ler qualquer coisa a respeito do período em que o grupo fundamentalista Talibã comandou o Afeganistão, principalmente no que se refere aos direitos humanos e aos direitos das mulheres. Nos últimos anos tivemos bons exemplos que trataram o assunto no cinema, como A Pedra da Paciência, Às Cinco da Tarde, Osama e a animação A Ganha-Pão, e Os Olhos de Cabul (Les Hirondelles de Kaboul), também em formato de animação, chega para complementar esta valiosa lista.


Dirigido por duas diretoras mulheres, Eléa Gobbé-Mévellec e Isabelle Breitman, o filme acompanha dois casais que tentam viver suas rotinas durante os anos mais radicais do regime na capital do país. Mohsen e Zunaira tentam a todo custo acreditar num futuro melhor, mas as ações que presenciam vai os deixando cada dia mais desesperançosos. As coisas pioram quando, após um acidente, Zunaira vai parar na prisão.

Do outro lado, o filme acompanha Atik, um homem de bom coração que trabalha como agente nesta mesma prisão, e tem uma esposa, Musarrat, bastante doente em casa. A vida dessas quatro pessoas acabam se entrelaçando de uma maneira bem original e intensa do meio para o final, quando Zunaira é condenada injustamente pelo regime ao enforcamento em praça pública.


Tecnicamente é uma animação muito bonita, com desenhos muito bem trabalhados. Em alguns momentos do filme são feitas transições entre momentos do passado e momentos do presente, que mostram bem como esse regime fundamentalista mudou drasticamente a vida no país, que era alegre e cheio de vida e ficou completamente desolado, em todos os sentidos. O foco, sobretudo, é mostrar como as mulheres são vistas e tratadas em regimes como esse, sem direito algum, nem mesmo de poder mostrar o próprio rosto. Uma realidade triste, que infelizmente ainda é atual em alguns países regidos por leis arcaicas.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Crítica: Deus é Mulher, E Seu Nome é Petúnia (2019)


Em uma pequena cidade da Macedônia, os moradores seguem uma tradição religiosa que se sucede todos os anos no mês de janeiro. No ritual, o padre da cidade joga uma cruz no rio de cima de uma ponte, e um grupo de homens mergulha atrás dela para ver quem consegue achá-la, pois segundo a tradição, quem conseguir pegar terá um ano de muita sorte e prosperidade. No dia, quando o sacerdote lança o objeto na água, uma mulher pula junto e consegue agarrá-lo, para fúria de todos os outros participantes já que mulheres sempre foram proibidas de fazerem parte do evento.


Com um título muito emblemático, o filme da diretora Teona Strugar Mitevska usa esta situação para abordar o machismo que existe na sociedade da Macedônia que, segundo uma fala do próprio longa, “ainda parece viver na Idade Média”. Quem pega a cruz no rio é Petúnia (Zorica Nusheva), uma mulher de 32 anos, formada em História, que vive desempregada há muito tempo e ainda mora com os pais. Constantemente julgada pelos progenitores, ela se sente um verdadeiro fracasso em vários aspectos, e a busca por emprego se torna um martírio por conta de sua aparência “fora dos padrões”, o que dificulta muito sua entrada no mercado de trabalho (novamente, olha o machismo aí).

Ao se jogar nas águas do rio, Petúnia não tinha nenhuma pretensão, e agiu de forma totalmente impulsiva após ser rejeitada em mais uma vaga de emprego. É interessante que o filme não se preocupa em levantar a questão do “por que Petúnia se atirou no rio?”, mas sim, “por que ela não poderia?”. Sua atitude irrita a população masculina e os religiosos, que exigem a devolução imediata do objeto, e isso acaba levando-a a ser detida na delegacia para prestar esclarecimentos. Lá ela é coagida, ameaçada, e constrangida de forma violenta e ofensiva, e tudo pelo fato de ser uma mulher que tentou fazer algo que até então só homens haviam feito. A única pessoa que parece estar do seu lado é a jornalista Slavica (Labina Mitevska), que tenta confrontar os homens e levar o caso à televisão.


O filme é bem pesado, principalmente quando mostra o lado violento da população contra Petúnia. A mesma população que se diz da religião e crente em Jesus Cristo (ora ora, isso me lembra situações muito próximas da nossa realidade). Algumas escolhas narrativas infelizmente parecem não ter se encaixado bem do meio para o final, principalmente quando temos a adição de um romance totalmente desnecessário, sem contar alguns diálogos forçados que apenas reforçavam uma mensagem que já estava bem explícita por si só. 

A atriz principal está bem no papel, mas a personagem se tornou um pouco dúbia para mim, já que ao mesmo tempo em que parecia uma mulher forte e determinada também parecia ser uma pessoa sem grandes propósitos. Por fim, Deus é Mulher, E Seu Nome é Petúnia é um filme que sintetiza o importante processo das mulheres no mundo de hoje, de confrontação de valores pré-estabelecidos há séculos.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Crítica: Aos Olhos de Ernesto (2020)


Produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, Aos Olhos de Ernesto, da diretora Ana Luiza Azevedo (de Antes que o Mundo Acabe) é um filme que fala com muita sensibilidade sobre envelhecimento, solidão, e principalmente sobre a complexidade das relações humanas.


O enredo, escrito por Ana Luiza em parceria com Jorge Furtado, acompanha Ernesto (Jorge Bolani), um uruguaio de 78 anos que vive há mais de quatro décadas na cidade de Porto Alegre. Ele é o retrato de uma geração que veio ao Brasil fugindo de ditaduras militares nos países vizinhos, e que acabou fazendo morada e ficando por aqui até os dias de hoje, algo muito comum de se ver no cotidiano da capital gaúcha.

Os dias de Ernesto consistem em ler o jornal, dar uma caminhada para buscar o dinheiro da aposentadoria na lotérica e jogar xadrez com seu vizinho de porta e melhor amigo Javier (Jorge D'Elía), um argentino que também vive há anos na cidade. Até mesmo estas pequenas coisas prazerosas na vida de Ernesto estão começando a ficar complicadas, já que ele gradualmente está perdendo a sua visão. Um dia, ao chegar no prédio onde mora, ele se depara com Bia (Gabriela Poester), uma jovem de 23 anos que está trabalhando como cuidadora de animais para uma vizinha, e aos poucos os dois começam a se aproximar, numa relação bastante fraternal. 


A garota vai adentrando no mundo de Ernesto, e ele no dela, num conflito de gerações muito bacana de acompanhar. Com conversas muito interessantes sobre a vida, percebemos que os dois, mesmo com idades e vivências totalmente diferentes, possuem algumas coisas em comum, como por exemplo o sentimento de solidão. Quando Ernesto recebe a carta de uma velha amiga de Montevidéu, Bia o ajuda a ler e a escrever uma resposta, e isso inicia uma correspondência dele com seu próprio passado, resgatando sentimentos que ele não imaginava que poderia voltar a ter.

O que mais me encantou no filme, além dos seus diálogos, foram as atuações do elenco, muito orgânicas e verdadeiras. É impossível não se apegar aos personagens, que são extremamente humanos em seus gestos, suas falas e até mesmo nos seus defeitos. Gostei também da forma como é mostrada a relação de Ernesto com seu filho (Júlio Andrade), por quem ele nutre um enorme carinho, mesmo que possuam uma convivência um pouco distante por conta da correria do dia-dia. Também é muito bonita a amizade que existe entre Ernesto e Javier, e juntos eles contracenam algumas das cenas mais engraçadas do longa, como por exemplo quando eles "competem" para ver quem tem mais doenças.


No roteiro há ainda espaço para se discutir alguns temas muito atuais, como por exemplo a questão dos relacionamentos abusivos, um assunto que surge quando Bia conta sobre sua relação conturbada com o namorado (Marcos Contreras). Por fim, é muito gratificante ver como o nosso cinema é rico em contar histórias tão simples mas com tantas mensagens a se passar. Que belo filme!