terça-feira, 25 de outubro de 2022

Crítica: Pearl (2022)


Lançado no final de julho, "X" se tornou um dos filmes mais comentados e elogiados do ano, apresentando um terror conceitual que lembrou muito os filmes "slasher" dos anos 1980. Vendo o potencial que a história tinha para ir além, o diretor Ti West logo anunciou as filmagens de um prequel, onde contaria a história por trás da vilã, e de quando ela ainda era jovem.


A trama de "Pearl" se passa então no ano de 1918, que ficou marcado por dois acontecimentos: a pandemia da Gripe Espanhola que assolou o mundo e o final da Primeira Guerra. É essencial frisar este contexto histórico, pois ele tem uma importância muito grande no comportamento e nos hábitos de cada um dos personagens. Vemos pessoas que ainda estão temerosas e recém se acostumando a voltar para as ruas e sair do isolamento, e isso foi uma cartada genial do diretor, pois depois de tudo que vivemos com a pandemia do Covid-19, ficou muito mais fácil a identificação.

Nesse cenário, vemos a jovem Pearl (Mia Goth), que vive com seus pais numa pequena fazenda desde que o marido foi lutar na guerra. Seu cotidiano consiste em cuidar dos animais, lidar com o excesso de rigidez da mãe, e ainda tratar o pai que está inválido em uma cadeira de rodas. Essa rotina tediosa ocupa quase todo seu tempo, e o único momento em que a menina se sente livre é quando consegue ir ao centro da cidade e assistir clandestinamente a filmes mudos no cinema.

Pearl é muito apaixonada por dança, e é isso o que mais chama a atenção dela nos filmes, e faz que ela sonhe um dia se tornar uma bailarina de sucesso e sair do interior, o que obviamente não é bem visto pelos olhos conservadores da mãe. Dá para se dizer, inclusive, que a dança tem um papel fundamental na história, sendo responsável por uma das cenas mais bonitas do filme, e também mais impactantes. Por falar em cenas impactantes, não posso deixar de exaltar Mia Goth, sobretudo no monólogo de seis minutos ininterruptos em que sua personagem expõe os sentimentos para uma amiga. Um trabalho incrível da atriz, na pele de uma personagem que tenta ser doce mas que no fundo sabe que tem algo de errado dentro de si.


Pearl acaba sendo um retrato de como funciona a mente humana diante de grandes frustrações, como por exemplo a não realização de um sonho depois de uma expectativa muito alta, sobretudo quando se é jovem. Mais do que isso, acaba mostrando também as raízes de um "surto psicótico" e de como a distância do convívio social acaba afetando o psicológico. E claro, tudo isso com direito a um banho de sangue definitivamente impecável e uma trilha sonora poderosa. Resta agora esperar pelo terceiro e último capítulo desta trilogia, que já ganhou o nome de "MaXXXine" mas que ainda não tem data de lançamento.

 

domingo, 23 de outubro de 2022

Crítica: Argentina, 1985 (2022)

A última e mais violenta ditadura militar da Argentina durou sete anos, de 1976 a 1983, e assim como ocorreu no Brasil, também ficou marcada pelos inúmeros casos de desaparecimentos, perseguições, prisões arbitrárias, torturas, e demais crimes de lesa-humanidade, que deixaram marcas profundas que perduram até os dias de hoje.


Escolhido como representante do país no próximo Oscar de melhor filme estrangeiro, "Argentina, 1985" se passa dois anos após o fim do regime, e acompanha o julgamento que colocou os militares responsáveis pela brutal repressão na cadeira dos réus. O caso foi levado a júri pelo veterano promotor Julio Strassera (Ricardo Darín) e seu vice-promotor, Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani), que conseguiram em tempo recorde resgatar dezenas de milhares de provas cabais dos crimes cometidos pelos militares, além de reunir testemunhas e familiares das vítimas.

Na primeira metade do filme acompanhamos toda a preparação da promotoria, desde a escolha pelo nome de Strassera, até a montagem de sua equipe, constituída majoritariamente de jovens advogados e estudantes, e a busca deles pelas provas. Já na segunda metade, temos o julgamento em si, com os depoimentos terríveis das testemunhas, e as provas sendo mostradas perante o tribunal.


Gostei da maneira que o diretor utiliza o humor em algumas cenas, mesmo se tratando de um tema tão pesado e que remexe em feridas. Não é nada explícito, mas sutil, e ajuda a aliviar um pouco o clima, já que na parte do tribunal ele pesa de uma forma contundente. São depoimentos realmente dolorosos de testemunhas e vítimas, contando todos os horrores que eram cometidos durante suas prisões.

O personagem de Ricardo Darín (que por sinal dá mais um show de interpretação) não é implacavelmente idealista e tampouco tem "sede de vingança" pelos acontecimentos, e quer apenas fazer com que se cumpra a justiça e sejam punidos os responsáveis por crimes tão hediondos. Enquanto o processo se desenrola, a segurança de sua família é posta em risco, o que acaba criando também um clima de tensão. Mas ele não desiste e segue firme na missão.

O filme tem diálogos muito potentes, que de certa forma até remetem ao Brasil dos dias de hoje. Pessoas completamente "cegas", que mesmo depois de todas as provas e testemunhos, ainda acreditam que o regime militar não foi tão ruim como parece. Da mesma forma, vemos personagens que eram favoráveis ao regime finalmente abrindo os olhos e enxergando a verdade, como a mãe de Ocampos, que veio de uma família de militares e rezava na mesma igreja que o ditador Jorge Rafael Videla.



Por fim, a frase com que Strassera termina seu discurso antes da sentença final dos juízes, não poderia ser mais necessária: "Nunca Mais". Simples, direta e com um peso incomensurável, remete ao sentimento de qualquer sociedade que tenha passado por momentos de perda da liberdade e não quer que isso se repita jamais.


domingo, 9 de outubro de 2022

Crítica: Morte Morte Morte (2022)


Com produção da A24, Morte Morte Morte (Bodies Bodies Bodies) apresenta uma história de suspense que satiriza e até mesmo ridiculariza a "geração Z", e que vem dividindo bastante as opiniões da crítica e do público desde sua estreia.


O filme acompanha um grupo de sete jovens ricos que se reúnem em uma mansão remota para uma festa. Entre drogas e bebidas, eles resolvem jogar um jogo chamado "Bodies Bodies Bodies", em que são distribuídos papeizinhos entre os jogadores e um deles se torna o "assassino" fictício da rodada, enquanto os outros precisam descobrir quem é. Numa espécie de "Among Us" da vida real, o jogo acaba saindo do controle quando os jovens começam a aparecer mortos de verdade, e inicia entre os próprios sobreviventes uma investigação para descobrir quem deles é o autor.

O filme primeiramente tinha sido classificado como "terror slasher", mas basta ver alguns minutos para sabermos que na verdade estamos diante de uma comédia satírica. O enredo usa de situações e diálogos forçadamente ridículos para fazer um retrato crítico dos jovens de hoje, que não tem muita noção do que é certo ou errado, que param no meio de uma festa pra fazer vídeos pro "Tik Tok", que precisam postar tudo o que fazem, ou ainda, que repetem incansavelmente termos vistos na internet sem entender os seus significados e se auto diagnosticam com problemas que deveriam ser levados mais a sério.

O fato é que nenhum dos personagens é realmente carismático e todos têm escolhas duvidosas e nada inteligentes. Em um primeiro momento isso me afastou bastante do filme, mas depois que tudo terminou consegui compreender que, de certa maneira, isso pode ter sido proposital, já que a ideia era realmente mostrar como a "garotada" do filme estava deslocada da realidade. No decorrer da trama, ainda temos uma série de traições e desavenças se encaixando umas com as outras, numa amostra de como funcionam hoje as relações humanas, tão superficiais e a flor da pele.
 


Os destaques nas atuações ficam por conta de Amandla Stenberg (O Ódio que Você Semeia), Maria Bakalova (Borat: Fita de Cinema Seguinte) e Rachel Sennott (Shiva Baby). Na parte técnica, gostei do artificio visual de usar uma escuridão quase completa em vários momentos, tendo apenas as pulseirinhas e os colares coloridos que eles estavam usando na festa como iluminação, ou a própria tela do telefone de cada um. Por fim, em Morte Morte Morte são trazidos à tona muitos temas pertinentes, como a própria cultura do cancelamento e a tendência atual de problematizar todo e qualquer assunto sem de fato apresentar um argumento concreto, e o final, no fim das contas, acaba combinando muito com a ideia central da direção. Ainda assim, faltou muito para ser convincente.
 

domingo, 2 de outubro de 2022

Crítica: Entergalactic (2022)


Relacionamentos, carreira, e as dificuldades da vida adulta são alguns dos temas principais de Entergalactic, animação bastante original que estreou no catálogo da Netflix no final de setembro e que desde então vem causando ótimas impressões.


O filme, co-criado pelo rapper Kid Cudi, que por sua vez também dá voz ao personagem principal, acompanha Jabari, um jovem que acaba de se mudar para Manhattan após ser contratado por uma empresa de HQ's para fazer os gibis de um personagem que ele mesmo criou, mas que até então só existia nos seus cadernos e em grafites nos muros das cidades. Na primeira noite no novo local, enquanto ia buscar algo para a janta, ele acaba encontrando sorrateiramente sua ex-namorada Carmen na mesa de um bar, e não demora para eles marcarem um reencontro, onde conversam durante horas sobre como andam suas vidas e os seus planos.

Sem querer se apegar e muito menos voltar ao passado, Jabari não dá muita bola para este encontro, e como a vida é uma eterna caixinha de surpresas, ele logo acaba conhecendo e se apaixonando pela sua vizinha, Meadow (Jessica Williams). Meio dividido, meio receoso, ele decide dar uma chance e se entregar para esse novo romance, enquanto precisa lidar com todas as outras mudanças que estão ocorrendo em sua vida e a própria ex-namorada que tenta a reaproximação.

Seria um filme de romance qualquer se não fosse o formato de animação, que possibilita a inserção de momentos extremamente criativos e visualmente encantadores, o que torna a história contada ainda mais descontraída e dinâmica. A trilha sonora, feita inteiramente por Kid Cudi, também encaixa perfeitamente com o enredo, tendo inclusive um papel essencial. E é claro, não posso deixar de mencionar a forte representatividade da obra, onde temos um casal de negros protagonistas.


Entre muitos temas importantes abordados pelo filme, um dos que mais me chamou a atenção foi a crítica sutil que ele faz a respeito da superficialidade dos relacionamentos de hoje em dia, onde é fácil descartar quem está com a gente pois as opções em aplicativos de namoro são muitas. Os amigos de Jabari, por exemplo, tentam a todo momento fazer com que ele crie um perfil no aplicativo que está em alta no momento, e quando ele sai na rua, dá de cara com outdoors do mesmo aplicativo espalhados por todos os lados. Ainda assim, apesar de toda essa "pressão", ele acaba se apaixonando mesmo é da forma mais natural e tradicional, com um encontro casual e o velho olho no olho. E não há nada que substitua isto. Por fim, Entergalactic é uma obra que vale muito a pena ser conhecida, e é daqueles filmes que aquecem o coração em qualquer dia ruim.