domingo, 22 de abril de 2018

Crítica: Aos Teus Olhos (2018)


Todos os dias milhares e milhares de pessoas utilizam as redes sociais, sobretudo o Facebook, para compartilhar coisas que lhes convém. Apesar de trazer muitos benefícios, esse tipo de rede também traz muitos perigos, e um deles é a superexposição de casos que deveriam ser tratados com cautela mas que viralizam e que acabam trazendo consequências graves aos envolvidos.

Rubens (Daniel de Oliveira) é professor de natação em um clube do Rio de Janeiro. Ele é querido por todos por seu jeito espontâneo e brincalhão, e as crianças o adoram. Entre os alunos da sua turma está Alex, um garoto tímido que está sofrendo com a separação dos pais. Certo dia, Alex chega em casa e conta para a mãe que o professor o beijou no vestiário logo após uma aula. Obviamente, os pais vão tirar satisfação na secretaria do clube e pedem o afastamento imediato de Rubens das suas funções. Porém, como não são atendidos, acabam recorrendo à polícia, que aceita instaurar um inquérito para ver se houve ou não um caso de pedofilia.

Até então tudo bem, o caso seria levado adiante e a verdade seria descoberta. No entanto, no desespero de querer explanar sua indignação, a mãe de Alex resolve postar nos grupos de Whatsapp e no próprio Facebook o que seu filho lhe contou, gerando uma onda devastadora sobre o caso. Muitas pessoas começaram a compartilhar a publicação, e mesmo sem o caso elucidado, passaram a "crucificar" Rubens, chegando até mesmo ao uso de violência.

O enredo não mostra o fim do caso, mas a verdade é que o pior julgamento que Rubens poderia enfrentar ele já enfrentou, que é o linchamento público. Isso lembra muitos outros casos parecidos, como aquela mulher, também no Rio de Janeiro, que foi morta por populares por ser uma suposta sequestradora de crianças e logo depois ter sido revelado que ela era inocente. O princípio da presunção de inocência é gravemente ferido quando as pessoas resolvem agir com as próprias mãos e essa é a grande crítica da obra. Ao mesmo tempo, não podemos julgar a atitude dos pais. Basta se colocar no lugar deles e imaginar o desespero de seu filho foi abusado de alguma forma. É um caso delicado, onde todo mundo sai perdendo, principalmente a criança.

O filme tem seus deslizes narrativos, e algumas cenas acabam sendo bem descartáveis, o que é uma pena, porque o resultado final poderia ter sido bem melhor. Diálogos e atuações fracas, bem como uso de artifícios desnecessários (como a cena em que Rubens conversa com o colega professor sobre as meninas de sua turma). Ainda assim é um filme bem-vindo na sociedade que a gente vive, de julgamentos sem provas.

Crítica: Arábia (2018)


Vencedor do último Festival de Brasília, Arábia, dos mineiros João Dumans e Affonso Uchôa, é um filme quase documental sobre a vida de um homem trabalhador que, dia pós dia, luta pela sobrevivência nesse Brasil gigantesco e cheio de desigualdade.


O filme começa acompanhando o jovem André (Murilo Caliari), que vive na cidade de Ouro Preto e mora perto de uma fábrica local. Quando um trabalhador da fábrica tem um mal súbito, André fica responsável por ir até sua casa pegar algumas roupas, e lá descobre um caderno onde o homem estava escrevendo sobre sua vida. 

A partir de então, em narrativa off, Cristiano (Aristides de Souza) se torna o protagonista da história através desses seus escritos. Incentivado a escrever sobre sua vida para uma peça de teatro da fábrica, o homem, que pensava não ter tido uma vida interessante, começa a analisar toda sua fase adulta e a refletir sobre tudo que passou para chegar onde está.


A vida de Cristiano é uma verdadeira Odisseia, onde ele passa de emprego em emprego, e viaja por todo o interior de Minas Gerais. No dia-dia ele enfrenta a fome, é obrigado a dormir em lugares insalubres e lidar com "empregadores" extremamente canalhas de fábricas e lavouras, mas nunca desiste de seguir em frente, tendo espaço até mesmo pra encontrar um inesperado amor.

Com cenas marcantes e discursos poéticos, o roteiro tem uma abordagem bem melancólica. O personagem de Cristiano sintetiza todas as angústias de uma vida severina, vivida por milhões de brasileiros que estão à margem da sociedade, e sua narração tem um efeito poderoso, não se tornando em nenhum momento incômoda.


Por fim, Arábia é o retrato de um homem que não se curva diante das dificuldades da vida. Além de boas atuações, o filme também se destaca pela ótima trilha sonora e a belíssima fotografia, que juntos nos fazem imergir na história com intensidade. Mais um grande exemplar do cinema independente nacional.


terça-feira, 10 de abril de 2018

Crítica: O Insulto (2018)


Primeiro filme libanês da história a chegar na final do Óscar de melhor filme estrangeiro, O Insulto (L'Insulte) parte de uma situação corriqueira e simples para abordar a intolerância e sobretudo mostrar como o ser-humano vive à flor da pele, onde uma pequena "faísca" pode gerar um conflito de proporções absurdas.




Yasser (Kamel El Basha) é palestino e trabalha como mestre de obras de uma empresa que esta trabalhando em uma rua de Beirute. Por causa de um cano jorrando água, ele acaba arrumando confusão com Tony (Adel Karam), um mecânico que mora no local, e no calor do momento acaba ocorrendo uma agressão verbal por parte de Yasser.

Seria uma situação normal se não estivéssemos no Líbano, onde existe uma forte resistência dos locais com a presença de palestinos e onde a religião comanda tudo. Tony logo leva o desaforo para o lado pessoal e ideológico, e decide botar Yasser na justiça cobrando por indenização e sua consequente prisão. De um lado um cristão, de outro um muçulmano, e por conta disto a disputa vai muito além de um simples insulto verbal.




A situação acaba saindo do controle e ganha até mesmo os jornais televisivos, fazendo com que o povo nas ruas também se revolte, cada um defendendo o seu lado. É incrível como uma coisa aparentemente boba acaba afetando toda uma cidade e um país e afetando a vida de terceiros. É um verdadeiro efeito borboleta, onde cada ação gera uma reação.

A segunda metade do filme é reservada quase que exclusivamente ao tribunal, e é curioso analisar que nesta história não existe vilão ou mocinho, não existe certo ou errado, já que ambos tem as suas próprias razões para terem agido da maneira que agiram. Não há como julgá-los. Alguns alívios cômicos fazem o filme não se tornar arrastado, e isso é muito bem empregado pelo diretor e encenado pelo elenco.



Por fim, O Insulto traz uma mensagem importante em uma época de extrema intolerância que vivemos. É pertinente analisar a questão também sob nossos olhos e perceber que estamos muito perto disto por aqui com esta disputa sem sentido entre esquerda e direita.