quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Crítica: A Pior Pessoa do Mundo (2022)


Somos seres indecisos, controversos e às vezes até mesmo, porque não, cruéis. Mas isso não nos faz a pior pessoa do mundo, por mais que tenhamos essa impressão quando tudo parece dar errado. Abordando essas nossas imperfeições e fragilidades, o novo filme de Joachim Trier se divide em 12 capítulos, mais um prólogo e um epílogo, para contar alguns anos da vida de Julie (Renata Reinsve), que está naquela fase de transição (aproximadamente 30 anos) onde o tempo parece estar se esgotando para ela decidir os caminhos a trilhar.


Depois de fazer cursos como medicina e fotografia, mas não encontrar de fato o seu lugar neles, Julie ganha a vida trabalhando numa livraria, enquanto escreve artigos para um site. Ela também está casada com Aksel (Anders Danielsen Lie), um homem 10 anos mais velho, que ficou famoso ao criar um personagem de HQ. Desde o início dá para perceber que mesmo tendo muito amor na relação, existe um conflito grande de ideias entre os dois, principalmente por Julie não se sentir pronta para ter filhos e Aksel já estar numa idade em que pensa constituir uma família. Isso faz com que ela se sinta muito culpada, sobretudo quando percebe que todas as gerações anteriores à sua já tinham filhos com a sua idade.

No meio deste conflito interno, a vida de Julie fica balançada quando ela conhece um barista, que também está em um relacionamento, chamado Eivind (Herbert Nordrum). Aliás, o encontro dos dois tem uma das sequências mais legais que vi no cinema, onde eles tentam testar como forma de brincadeira, até onde é considerado ‘’trair’’ alguém. Os dois ainda são responsáveis por aquela que, para mim, é a grande cena do ano, em que o tempo literalmente pára e Julie consegue tomar uma decisão que impacta sua vida dali para frente.


Renata Reinsve está magnífica, e ouso dizer que foi uma das melhores atuações que vi nos últimos anos. O enredo também intercala bem entre humor e drama e tem ótimos diálogos. A transição entre um capítulo e outro, alguns com nomes bem subjetivos e irônicos, também é muito boa. Por fim, é um filme sobre decisões, sobre relações, mas principalmente sobre como a vida é maleável e pode mudar em um piscar de olhos. Com toda certeza, um dos melhores filmes do ano.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Crítica: Titane (2021)


Vencedor da Palma de Ouro no último Festival de Cannes, Titane é um filme difícil de digerir, e confesso que terminei de assisti-lo com sentimentos controversos. Ao mesmo tempo que gostei da fotografia e da originalidade do roteiro, certas coisas me distanciaram um pouco da experiência como um todo, e explicarei mais a seguir.


A trama acompanha Alexia (Agathe Rouselle), que ainda criança sofreu um acidente de carro e precisou colocar uma placa de titânio na cabeça, que ficará para sempre junto dela. Após uma cena inicial marcante, o filme dá um pulo temporal e passa a mostrar Alexia já adulta, ganhando a vida como dançarina em exposições de veículos. Aliás, a relação da personagem com carros é algo muito simbólico, e ela tem uma maneira peculiar de lidar com esse trauma que o acidente na infância deixou.

Após cometer alguns crimes e ter medo de ser pega, Alexia decide se passar pelo filho do bombeiro Vincent (Vincent Lindon), que está desaparecido há anos. Ela muda todo o visual (de uma maneira bem incômoda para o espectador) para ter a aparência que o garoto teria nos dias de hoje, de acordo com o retrato falado anunciado, e Vincent a aceita como sendo seu filho, mesmo ficando evidente que ele sabe a verdade. Temos, na verdade, dois personagens que se reconhecem nessa questão de trauma e de solidão, e por isso mesmo talvez ele acaba aceitando esse "filho" de volta ao lar sem pensar duas vezes.


É um filme bastante interpretativo, diria até mesmo abstrato, e mesmo que evoque boas discussões sobre suas teorias e analogias, o enredo não funcionou muito bem comigo. Senti que faltou esclarecer o porquê de Alexia agir de forma criminosa, principalmente as suas motivações, e achei bem rasa a construção da personagem, com muitas cenas aleatórias que ao meu ver foram desnecessárias. Assim como já havia feito em Grave, a diretora Julia Ducournau explora aqui a degeneração e a destruição do corpo humano como forma de terror, usando um humor um tanto quanto macabro em algumas cenas. A fotografia em neon cria uma atmosfera bastante peculiar, quase como um terror lado B, e isso é um ponto positivo, mas no geral, é um filme que frustrou minhas expectativas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Crítica: Red Rocket (2022)


Sean Baker tem sido um dos nomes mais expoentes do cinema independente norte-americano, e o que mais chama a atenção nos seus filmes é a maneira extremamente humana com que ele apresenta seus personagens, que geralmente vivem em uma parte dos Estados Unidos que não é mostrada nos grandes filmes. Assim como fez em Tangerine (o famoso filme feito com a câmera de um iPhone) e Projeto Flórida, aqui em Red Rocket ele volta a apresentar sua história direto de uma cidade pequena e interiorana do país, e com personagens que vivem à margem da sociedade.


Na trama, Mikey (Simon Rex) é um ex-ator pornográfico que hoje, na altura dos 40 anos, vive perdido na vida. Sem ter onde morar, ele viaja de Los Angeles para o Texas, na cidade em que vivia anos atrás, onde acaba passando um tempo na casa da ex-mulher (ou mulher, já que o divórcio nunca foi de fato assinado), Lexi (Bree Elrod). Por acaso Mikey conhece uma garota de 17 anos que se autodenomina Strawberry, e que trabalha numa loja de rosquinhas na cidade. A entrada dessa menina na vida de Mikey acaba fazendo ele mudar certas perspectivas, inclusive fazendo-o voltar a pensar em fazer novamente seus filmes para adultos. 

Do meio para o final o filme tem algumas reviravoltas, e o mais interessante é perceber que tudo que acontece são apenas consequências das escolhas do protagonista, principalmente as ruins. Dá para dizer que Red Rocket, de alguma maneira, é um filme politicamente incorreto, principalmente se analisarmos algumas atitudes socialmente reprováveis do protagonista. Isso até pode incomodar algumas pessoas, mas eu particularmente gostei bastante da forma como o roteiro trabalha isso, até porque não se trata de um filme com vilões e mocinhos, mas sim, com personagens humanos que acertam e erram na mesma medida.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Crítica: O Céu de Alice (2022)


Com uma estética bastante teatral, O Céu de Alice (Sous le Ciel d'Alice) marca a estreia primorosa de Chloé Mazlo na direção de um longa-metragem, e mostra como uma guerra pode afetar a vida de cidadãos comuns de uma maneira drástica e irreversível.


O longa acompanha Alice (Alba Rohrwacher), uma jovem que deixa a casa dos pais na Suíça para ganhar a vida como babá em Beirute, capital do Líbano, nos anos 1950. Lá ela conhece Joseph (Wadji Mouawad), um astrônomo que sonha em levar o primeiro libanês ao espaço, com quem ela se casa e tem uma filha chamada Mona. Boa parte do desenrolar dessa relação e do crescimento da filha é mostrada em timelapse, numa única cena, acelerando o tempo para quando a menina já está na adolescência e o Líbano começa a sofrer com conflitos e bombardeios.

A partir deste momento, o tom do filme, que até então era leve, ganha contornos de angústia quando passamos a acompanhar o dia a dia da família diante das notícias dos ataques, que estão cada vez se aproximando mais de sua casa. O medo estampado em cada um dos personagens e a incerteza do dia de amanhã causa conflitos até mesmo dentro de casa, e começa a pôr em risco o relacionamento de Alice e Joseph.


Eu fiquei impressionado com a capacidade criativa da diretora, que usa cenários incríveis no desenrolar da trama, além de apresentar situações bem inusitadas. Inclusive, me lembrou um pouco o estilo de direção do Michel Gondry, que é um diretor que gosto muito. O filme ainda tem espaço para fazer críticas ácidas à forma como a política intervia (ou não intervia como deveria) no conflito. Única coisa que senti falta foi de uma contextualização maior a respeito da guerra e dos seus motivos, mas não chega a tirar o poder que esta obra tem. Visto no My French Film Festival 2022, O Céu de Alice é uma ótima estreia de uma diretora que promete muito daqui para frente.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Crítica: Embarque (2021)


A vida é feita de encontros e desencontros, assim como também é cheia de surpresas, tanto positivas como negativas. Embarque (À L'abordage), comédia dirigida por Guillaume Brac, aborda essa imprevisibilidade do destino acompanhando dois amigos que decidem em cima da hora fazer uma viagem, onde tudo acontece fora do esperado.


Felix (Eric Nantchouang) está apaixonado por Alma (Asma Messaoudene), com quem passou uma noite junto. Querendo fazer uma surpresa para ela, ele arrasta o amigo Chérif (Salif Cissé) junto com ele para passar uns dias numa pousada de verão do interior, perto do local onde a garota mora com os pais. Junto com eles está indo Edouard (Edouard Soupice), que estava indo para a mesma região e ofereceu carona num aplicativo. Em um primeiro momento é interessante acompanhar essa inesperada amizade se criando entre os dois amigos e Edouard, que é totalmente o oposto deles, e isso resulta em ótimas cenas durante o trajeto.

O diretor não se preocupa em julgar os personagens e os seus atos, e talvez por isso mesmo eu devo dizer aqui que Felix e Alma são, literalmente, insuportáveis. O reencontro dos dois não sai como o previsto, e não demora para entendermos o porquê. Felix é ciumento, possessivo e tem atitudes machistas, enquanto ela reclama de tudo e parece estar sempre desconfortável. Sabendo dessa antipatia que o público criaria com o casal de protagonistas, o diretor opta por mudar o foco da metade para o final e se concentra mais em Chérif, que sem esperar nada da viagem acaba conhecendo por acaso uma garota simpática chamada Helena (Ana Blagojevic).


O roteiro não tem nada de extraordinário e deixa inclusive muitas coisas no ar, mas ainda assim gostei do que vi, pois é um filme que não tenta ser maior do que é e apresenta os personagens e suas interações da forma mais simples e natural possível. Uma cena específica em um karaokê, envolvendo Chérif e Helena, me conquistou bastante, e se tornou uma das mais bonitas que vi até então no ano. Visto no My French Film Festival, Embarque é um filme leve e divertido, mas que não deixa de trazer reflexões sobre a vida, sobre amor e sobretudo amizade.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Crítica: Mass (2021)


Marcando a estreia de Fran Kranz na direção de um longa-metragem, Mass é um filme poderoso e profundamente realista, que fala sobre situações trágicas que mudam para sempre a vida das pessoas, principalmente as que são indiretamente envolvidas. Com um forte apelo teatral, o roteiro do filme se passa quase inteiramente dentro de um único cenário, e acompanha dois casais que se encontram, nos fundos de uma igreja, para uma secreta reunião. Aliás, o começo do filme é conduzido de forma brilhante, e cria um clima de suspense muito interessante sobre o que será a pauta deste encontro, que parece estar sendo tratado com muito cuidado e em segredo.


Após os preparativos do local, Linda (Ann Dowd), Richard (Reed Birney), Gail (Martha Plimpton) e Jay (Jason Isaacs) se reúnem diante de uma mesa. Os cumprimentos cordiais logo dão lugar a uma discussão acalorada e intensa sobre uma tragédia que envolveu os filhos dos dois casais há alguns anos atrás. As feridas do acontecimento ainda estão abertas, e o encontro é, acima de tudo, uma tentativa de resolver pendências, sobretudo as emocionais.

Não entrarei em mais detalhes, pois acredito que a experiência de assistir o filme sem saber do que se trata deixa ele ainda melhor, mas gostei muito da forma como o diretor vai revelando a história de maneira lenta e gradual, construindo muito bem os personagens e suas trajetórias.  Como é de se esperar em um filme com essas características, a potência do filme está toda nos seus diálogos, e obviamente em suas atuações. Todos os quatro estão incríveis nos seus papéis, mas destaco principalmente a atriz Ann Dowd, que eu conhecia apenas da série The Handmaid's Tale e que para mim merece estar nas listas de indicações em todas as premiações deste ano.


A falta de trilha sonora evidencia o silêncio e o vazio das perdas de cada um dos envolvidos, e para mim fez toda a diferença para que eu pudesse me sentir ainda mais como um espectador presente naquela sala. Por fim, Mass é um filme simples em sua proposta, mas tão poderoso que fica na cabeça por muito tempo após seu final.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Crítica: Belfast (2022)


Presente constante nas premiações neste início de 2022, Belfast é um filme autobiográfico dirigido por Kenneth Branagh, que nos apresenta um pouco do que foi a sua infância na capital da Irlanda do Norte no fim dos anos 1960, um período conturbado na história do país.


Em 1969, a estreita Mountcollyer Street, localizada numa área residencial de Belfast, vive dias de terror quando eclode no país o conflito entre católicos e protestantes. Os dois "lados" conviviam pacificamente na rua há décadas, incluindo a família do menino Buddy (Jude Hill), que é formada por protestantes e oriunda da classe trabalhadora. Porém, a divisão em todo o país acaba refletindo também na pequena vizinhança, e muda para sempre esta relação. O filme mostra toda essa confusão pelos olhos de Buddy, que tenta ser um aluno aplicado na escola e um ótimo filho e neto, enquanto está numa fase de descoberta do amor, tanto por uma menina de sua classe quanto pelo cinema. O roteiro aborda, sobretudo, a questão da migração, já que a família do menino começa a cogitar sair do país quando os conflitos começam a tornar a vida deles perigosa.

Por ter essa visão infantil do tema, o diretor se exime de abordar a fundo as questões políticas e sociais que levaram ao momento de crise, e isso é um ponto bastante divisível entre os espectadores. Eu particularmente gostei dessa abordagem, que me lembrou de certa forma a maneira como o Taika Waititi abordou o nazismo de Hitler em Jojo Rabbit, com bom humor e leveza. A Fotografia em preto e branco tem pequenas inclusões de cores, sobretudo quando os personagens estão tendo contato com a arte, seja teatro ou cinema, e eu também gostei desse artifício.


Belfast tem um ótimo elenco composto por Judi Dench, Ciarán Hinds, Caitriona Balfe e Jamie Dornan, mas quem de fato carrega o filme nas costas é o garotinho Jude Hill, que tem uma das melhores atuações mirins que vi nos últimos anos. Por fim, mesmo com o tema denso, é um longa que acaba sendo divertido para se assistir despretensiosamente, e as vezes é apenas isso que a gente precisa.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Crítica: Hive (2021)


Candidato do Kosovo ao Oscar de melhor filme internacional, Colméia (Hive), da diretora Blerta Basholi, se baseia em uma história real para mostrar que as cicatrizes deixadas pela guerra da independência seguiram vivas por muitos anos na população daquele país, sobretudo em quem teve seus parentes desaparecidos durante o conflito.


A trama acompanha Fahrije (Yilka Gashi), uma mulher que há anos busca pelo marido, que fazia parte do exército de libertação e nunca mais voltou para casa. Ela não tem mais esperanças de encontrá-lo vivo, mas ainda assim, quer ter pelo menos o direito de dar um fim digno ao seu corpo. Enquanto isso, Fahrije tenta ganhar a vida fabricando e vendendo Ajvar, uma espécie de molho típico da região feito com pimenta e que faz um enorme sucesso.

Além de criar sozinha o filho e ajudar a cuidar do sogro inválido, a mulher ainda precisa lutar contra o preconceito, já que essa sua independência não é bem vista aos olhos dos homens da cidade, que ainda possuem uma visão extremamente machista de que mulheres não deveriam ter seu próprio negócio e se sustentar sozinhas. Ela acaba, inclusive, sendo vítima de ataques verbais e físicos por conta disso, mas reage com determinação. Ao incentivar vizinhas e amigas a formarem um grupo de trabalho, ela mostra a elas (e ao resto do mundo) que todas as mulheres podem muito mais do que ser apenas donas de casa. Colméia é um filme poderoso sobre traumas, reconstrução, e principalmente empoderamento feminino, e não é à toa que ganhou os prêmios do júri e do público de melhor filme internacional de drama em Sundance.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Crítica: O Festival do Amor (2022)


Quase dois anos após o término das filmagens, finalmente chegou aos cinemas brasileiros o novo filme dirigido por Woody Allen, O Festival do Amor (Rifkin's Festival). A trama se passa em San Sebastian, durante o famoso festival de cinema que ocorre na cidade espanhola anualmente, e acompanha o casal Mort (Wallace Shawn) e Sue (Gina Gershon). Mort é um ex-professor de cinema, que agora está tentando aproveitar a aposentadoria para escrever seu primeiro romance. Sue, por sua vez, trabalha na empresa de publicidade que está fazendo a promoção de um dos filmes mais badalados do festival, dirigido pelo promissor Phillipe (Louis Garrel).


É notório, desde o início, que o relacionamento de Mort e Sue não anda bem, e durante a viagem eles acabam se distanciando ainda mais. Nesse período, Mort se apaixona pela médica que o atende quando sente dores no peito, enquanto Sue acaba se aproximando bastante do jovem Phillipe. O filme traz uma boa reflexão sobre relacionamentos que não fazem mais sentido mas que continuam apenas por comodismo, costume, ou medo de mudança de ambas as partes. A visão sobre a chegada da terceira idade, os questionamentos a respeito das realizações que teve e o que ainda resta viver pela frente também tem um espaço importante no roteiro.

Ao refletir sobre sua vida e seu passado, Mort começa a ter vários sonhos e alucinações que remetem a filmes clássicos do cinema dirigidos por Orson Welles, Fellini, Truffaut, Godard, Bergman, Bunuel, entre outros. Quem já viu todos os filmes citados, certamente vai ter uma experiência interessantíssima, e eu diria que é a melhor parte do longa. Ao mesmo tempo que homenageia o cinema, Woody Allen também aproveita para alfinetar a indústria cinematográfica atual, com suas hipocrisias. Um momento que considero crucial dessa crítica é quando o diretor Phillipe fala, pretensiosamente, que seu novo filme será tão poderoso que pode até levar ao fim o conflito de séculos que existe entre judeus e árabes em Israel.


Por fim, fiquei realmente surpreendido com O Festival do Amor, já que as últimas obras do Woody Allen me deixaram com a expectativa bem baixa. Aliás, já considero este seu melhor filme desde Blue Jasmine (2013). Uma história que vai agradar, sobretudo, quem verdadeiramente ama o cinema.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Crítica: Bar Doce Lar (2022)


Lançado no Brasil diretamente no catálogo da Amazon Prime, o novo filme dirigido por George Clooney, Bar Doce Lar (The Tender Bar), fala, acima de tudo, sobre amadurecimento, e conta as memórias do escritor e jornalista J.R. Moehringer, vencedor do prêmio Pulitzer por reportagens feitas ao Los Angeles Times.


O enredo começa nos anos 1980 mostrando a infância de JR em Long Island, que foi criado apenas pela mãe depois que o pai, um DJ de rádio famoso, abandonou a casa. JR tem como principal elo familiar o seu tio Charlie (Ben Affleck), dono de um bar chamado Dickens (em homenagem ao escritor Charles Dickens). Charlie se torna quase um mentor na vida de JR, sendo a figura paterna que ele não teve, ensinando ao garoto tudo que ele precisava para crescer decentemente, inclusive a gostar dos livros.

Ao mesmo tempo que o filme mostra a infância de JR, mostra ele já no começo da idade adulta, ansioso para conseguir uma vaga na universidade de Yale. E é aí que começam os problemas do filme, já que a transição de um período a outro, bem como a sequência, onde passa a focar apenas na sua vida adulta, são muito mal conduzidas.
O filme possui diálogos muito fracos, com uma enxurrada de frases de efeito prontas. A narração em off também me incomodou demais, por ser totalmente expositiva e na maioria dos momentos, desnecessária.


Também não consegui comprar a ideia da motivação do personagem em querer ser escritor, já que quando o roteiro parecia ir para esse lado, o da literatura, voltou atrás e não explorou isso como deveria. Algumas atuações também me pareceram muito forçadas, principalmente a do pai de JR, interpretado por Max Martini, e cuja relação com o filho é bastante superficial. A única ressalva do elenco é Ben Aflleck, que surpreendentemente cumpre bem o seu papel, de forma segura. Desde que decidiu se arriscar na direção há 20 anos atrás, a carreira de George Clooney tem sido marcada por muitos altos e baixos, e aqui temos, talvez, um dos seus piores trabalhos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Crítica: Roda do Destino (2022)


Dirigido por Ryûsuke Hamaguchi, Roda do Destino (Gûzen To Sôzo) apresenta três histórias distintas, que não se conectam narrativamente mas que têm em comum o protagonismo feminino, além de falarem sobre amor, desejo, passado e a forma como o destino se torna imprevisível nas nossas vidas.


Na primeira história temos duas amigas que se encontram e passam a conversar sobre suas vidas, e quando uma delas começa a falar sobre um novo affair, a outra descobre se tratar de alguém do seu passado. Na segunda história, temos um homem que "usa" a menina com quem está saindo para tentar seduzir e se vingar de um ex-professor que teria feito algo ruim para ele no passado. E por fim, temos a história de duas supostas amigas do colegial, que se encontram anos depois por acaso numa estação de metrô.

Não entrarei em mais detalhes das tramas para não atrapalhar a experiência de quem ainda não assistiu, mas já adianto que a primeira foi a que mais me agradou, principalmente por um plot twist genial que o diretor utiliza durante sua exibição. O filme todo é muito sutil, desde os diálogos até os gestos e olhares dos personagens. O elenco trabalha muito bem, e o enredo prende bastante a atenção, mesmo sendo um tanto arrastado. Um exemplo disso é que ele possui cenas de diálogos bastante longas, que chegam a quase dez minutos de duração, mas a conexão que se cria com os personagens é tão forte que eu me senti dentro da sala, junto com eles, querendo ouvir o desenrolar desses papos sem me preocupar com mais nada.


Por fim, Roda do Destino é um filme extremamente delicado, em todos os sentidos, e traz boas reflexões sobre a vida e sobre relacionamentos, sejam eles amorosos ou não. Um grande trabalho do Hamaguchi, que nesse mesmo ano ainda lançou outro filme bastante badalado, Drive My Car.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Crítica: Playground (2021)


O bullying que acontece dentro dos muros das escolas já foi trazido inúmeras vezes para a tela do cinema, mas sempre há espaço para uma nova forma de abordagem sobre o tema. Playground (Un Monde), da diretora estreante Laura Wandel, fala sobre essa prática focando, principalmente, no quão nocivo e violento o ambiente de um recreio escolar pode ser no psicológico de uma criança que sofre com isso.


Nora e Abel são dois irmãos que começam a frequentar uma nova escola juntos. Abel é bastante retraído e quieto, e não demora para ele começar a sofrer abusos violentos dos outros alunos, alguns inclusive de séries mais avançadas e maiores que ele. Nora tenta intervir chamando os funcionários da escola, que a ignoram por já ter outros problemas para resolver, e sentimos na pele a agonia da menina, que tenta de tudo para ajudar o irmão e se sente impotente diante da situação. Para piorar, Abel não quer ajuda e fica até mesmo bravo com ela por isso, já que isso seria um sinal de "fraqueza" da parte dele.

Tudo é mostrado sob a perspectiva das crianças, sobretudo de Nora, e a câmera fica praticamente o filme inteiro na altura delas. São pouquíssimos os rostos adultos que aparecem, e apenas quando se abaixam para conversar com algum dos pequenos. Temos aqui uma realidade nua e crua da escalada da violência, já que em determinado momento Abel pega tudo que fizeram contra ele e acaba descontando em outro, sendo apenas parte de um verdadeiro ciclo vicioso.


É interessante a maneira como o roteiro também mostra o quão cruel as crianças podem ser umas com as outras quando não tem adultos por perto para vigiar, e sabemos como isso é bastante real. Indicado pela Bélgica ao Oscar de filme estrangeiro em 2022, Playground chama a atenção por diversos motivos, desde o tema ao roteiro competente, mas principalmente pela atuação da menina Maya Vanderbeque, que está incrível.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Crítica: Nitram (2021)


Em 28 de abril de 1996, a Austrália amanheceu chocada com as notícias do acontecimento que ficou conhecido como Massacre de Port Arthur, onde 35 pessoas foram mortas a tiros por um homem em um ponto turístico da região da Tasmânia. Mas o que leva alguém a cometer um ato tão violento desses e com pessoas inocentes? É partindo dessa premissa que o diretor Justin Kurzel nos apresenta Nitram, filme que traz um pouco da história do autor deste massacre, que desde sempre teve nítidos problemas comportamentais mas que nunca recebeu o devido tratamento e a devida atenção.


Chamado de Nitram, apelido jocoso que recebeu ainda na escola como forma de bullying, o rapaz é extremamente inconsequente, e isso vem desde criança quando por brincadeira colocou fogo na sua escola. Durante todo o tempo de duração do filme, tive a sensação estranha de não saber o que ele faria a seguir, pois se trata de um personagem impulsivo e capaz de qualquer coisa. Isso também é sentido pelos seus pais, que não sabem o que fazer com ele, e ao invés de buscar ajuda optam pelo mais fácil que é simplesmente deixar ele fazer o que quiser. Essa liberdade acaba sendo muito mais nociva para ele do que se ele recebesse limites e castigos, e isso fica cada vez mais evidente ao longo da trama.

Certo dia Nitram conhece Carleen (Judy Davis), uma mulher mais velha, que é viúva e muito rica, que praticamente o adota como o filho que ela não teve. Carleen passa a mimá-lo, como forma de compensar o que ele não teve dos pais, dando presentes e até mesmo um carro para ele. A princípio é uma relação estranha e até difícil de engolir, mas entendi que por ser uma mulher solitária na finitude da vida, ela aceitou Nitram em troca de ter uma companhia.


A construção da personalidade do protagonista é muito boa, e isso se deve demais a atuação de Caleb Landry Jones, uma das melhores que vi nos últimos anos. É realmente impressionante o trabalho do ator, e foi muito merecido seu prêmio de melhor atuação em Cannes. Por fim, o filme ainda traz uma boa discussão sobre a liberação de armas de fogo para civis, já que o caso real ajudou inclusive a mudar as leis de armamento no país.