sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Crítica: Ma Ma (2016)


Dedicado às mulheres, o novo filme do espanhol Julio Medel emociona ao tocar num assunto delicado para elas: o câncer de mama. Forte, pesado, mas extremamente belo em sua essência, Ma Ma (Ma Ma) não é um filme fácil de se assistir, principalmente para quem conhece alguém que já sofreu com a doença, que atinge cerca de 2 milhões de mulheres por ano só no Brasil.


Após ser diagnosticada com a doença, Magda (Penélope Cruz) tenta encontrar forças para viver na relação carinhosa que mantém com o filho pequeno. Certo dia, assistindo uma partida de futebol do menino, ela conhece Arturo (Luis Tosar), um homem que também está passando por uma situação difícil após perder a esposa e a filha em um acidente. 

Logo vai surgindo uma bonita relação entre os dois, e pouco a pouco Arturo se torna não somente um companheiro para Magda, mas também um pai para o filho dela. O principal acerto do filme é justamente mostrar essa relação sem apelação, de forma natural e sensível. Duas pessoas que se encontram em momentos delicados de suas vidas e ajudam-se mutuamente a enfrentar os obstáculos.


Outro ponto positivo é o fato do enredo mostrar a doença de Magda de forma singela, sem ser espalhafatoso nem melodramático. O diretor consegue captar com veracidade o sentimento terrível de uma mulher nesta situação, e isso também se deve muito à atuação visceral de Penélope Cruz, talvez a mais poderosa e corajosa de sua carreira. Há que se elogiar ainda a fotografia e a linda trilha sonora, que complementam e ajudam na grandeza do filme.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Crítica: Perfeitos Desconhecidos (2016)


No mundo tecnológico em que vivemos, a privacidade é cada vez mais difícil de ser resguardada. O telefone celular, por exemplo, virou uma espécie de caixa preta das nossas vidas, onde temos cada ato registrado nele e, muitas vezes, guardamos nossos segredos mais secretos.


Pare e pense: sua vida é realmente um livro aberto? Você acha que realmente conhece as pessoas ao seu redor e o que elas fazem quando não estão com você? E se fôssemos obrigados a compartilhar com os outros absolutamente tudo que fazemos, será que as relações continuariam as mesmas? É sobre isso que fala Perfeitos Desconhecidos (Perfetti Sconosciuti), novo filme do italiano Paolo Genovese.

Um grupo de amigos decide se reunir para uma janta especial afim de compartilhar as novidades e assistir juntos a um eclipse lunar raro. Com comida farta, um bom vinho e muitas brincadeiras, a noite tinha tudo para ser um agradável encontro de velhos conhecidos.  Fazendo uma reflexão a respeito do uso do celular, Eva (Kasia Smutniak) sugere uma brincadeira: que durante aquela noite todas as mensagens que os amigos recebessem seriam lidas em voz altas e as ligações feitas no viva-voz.


Não demorou muito, é claro, para que as máscaras começassem a cair. A cada ligação atendida e mensagem lida em voz alta, um segredo ia caindo por terra. De uma simples cirurgia que foi escondida por uma das mulheres até uma amante que manda foto nua toda noite, o clima da noite vai ficando pesado, e vai provando o porque de muitas vezes as pessoas realmente preferirem esconder segredos, já que seriam vistas com outros olhos pelos próprios amigos.

O enredo é primoroso. Começa aparentando ser simplório e vai, pouco a pouco, ganhando o espectador com ótimos diálogos e reflexões profundas. As atuações são dignas, e por ser todo filmado em um cenário, lembra até mesmo uma peça de teatro. Com uma reflexão da nossa sociedade nos dias de hoje, Perfeitos Desconhecidos já figura entre os melhores filmes do ano.


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Crítica: Chocolate (2016)


Entre o final do século 19 e o início do século 20, a burguesia européia tinha maneiras bastante peculiares e perversas de entretenimento. Numa época em que o homem negro era visto como um ser-humano inferior, como escória da civilização, homens brancos os usavam como diversão, sempre os humilhando em espetáculos vexatórios e muitas vezes desumanos. 


É neste cenário que viveu Rafael Padilla (Omar Sy), um filho de escravos que desde pequeno, quando conheceu o circo, se apaixonou pelos picadeiros. No final do século 19, Rafael começou a ganhar uns trocados fazendo o papel de um africano canibal em um circo do interior do país. Sua missão era entrar na arena e amedrontar a todos, principalmente as crianças, que se assustavam ao ver pela primeira vez um homem negro e seus "hábitos selvagens".

No mesmo circo trabalhava George Footit (James Thiérrée), um palhaço que há muito não fazia mais sucesso e estava em decadência. George viu em Rafael um talento para a comédia e resolveu convidá-lo para formar uma dupla de palhaços, coisa que até então não existia. O sucesso tomou proporções gigantescas, e Rafael passou a ser conhecido como Chocolate, o primeiro palhaço negro da história circense.


O espetáculo consistia, é claro, em George sempre levando vantagem sobre Chocolate, e isso rendia risadas infinitas no público. Mas Chocolate não queria apenas fazer os outros rirem, ele queria mostrar que tinha talento para outras coisas, como protagonizar uma peça de Shakespeare. A cor de sua pele, no entanto, foi uma grande barreira. A sociedade hoje em dia ainda carrega um enorme preconceito em si, imagina há 100 anos atrás. Chocolate só fazia sucesso enquanto aparecia apanhando de um personagem branco, mas quando tentava ser o protagonista, era desmerecido.

A fotografia e a ambientação da época ajudam a dar uma maior autenticidade à trama, que tem como seu maior trunfo a participação de Omar Sy. O ator consegue mesclar humor com dramaticidade de forma impecável, e tem mais uma atuação de primeira em sua curta mas promissora carreira. Por fim, Chocolate é, sem dúvida alguma, um dos melhores filmes lançados no Brasil este ano, e traz uma lição e tanto numa época em que se discute muito a respeito do preconceito racial, que infelizmente ainda é latente na nossa sociedade.


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Crítica: Nerve - Um Jogo sem Regras (2016)


Na medida em que a tecnologia avança, as pessoas parecem sentir cada vez mais necessidade de se mostrar e de se fazerem notadas a todo custo. Prova disso são aplicativos como o Snapchat, onde você pode narrar todo o seu dia para um determinado número de seguidores. É nesse cenário que surge Nerve, uma espécie de "verdade ou consequência" virtual, onde os membros recebem desafios e precisam cumpri-los num certo tempo para adquirirem mais seguidores em sua conta.


Cansada da monotonia de sua vida social e incentiva pelos amigos, Vee (Emma Roberts) resolve se inscrever no site para ver como é. No início tudo é diversão, com pequenos desafios fáceis de vencer, como se deslocar de um lugar ao outro ou beijar um desconhecido. No entanto, com o tempo as coisas começam a sair do controle, e ela precisa contar com a ajuda de Ian (Dave Franco), sua dupla no jogo, para se livrar dos perigos que a brincadeira trouxe.

A dupla de diretores já haviam abordado o tema da identidade virtual no documentário Catfish (2010), e desde o início fica evidente a crítica que novamente tentam fazer ao uso descuidado da internet. Mesmo com furos no roteiro, não dá para dizer que se trata de um filme ruim. O filme tem sim os seus bons momentos, o problema é que teima em alguns clichês adolescentes que poderiam ter sido evitados. As atuações em geral não comprometem, mas são fracas, e o que salva mesmo o filme é o seu ritmo, empolgante até o fim.


sábado, 1 de outubro de 2016

Crítica: Uma História de Loucura (2016)


genocídio do povo armênio orquestrado pelo governo turco no começo do século XX, que deixou mais de um milhão e meio de mortos, não é ensinado nas nossas escolas, e por conta disso poucos já ouviram falar do ocorrido Escrito e dirigido por Robert Guediguian, Uma História de Loucura (Une Histoire de Foi) tem a missão de não deixar esse passado ser esquecido, por mais devastador que ele seja. E principalmente de mostrá-lo ao mundo.


A trama acompanha Aram (Syrus Shahidi), um jovem de origem armênia que vive com a família em Marselha nos anos 1980. Há duas gerações atrás, Talaat Pacha, um homem da família, se tornou herói do povo armênio ao matar à queima roupa um dos líderes do genocídio, o turco Soghomon Thelirian. 60 anos depois, esse fato ainda é comemorado pelo armênios, que jamais superaram os acontecimentos.

Decidido a se vingar do passado, Aram se junta a um grupo de guerrilheiros que passam a praticar uma série de atentados contra prédios e pessoas públicas da Turquia. No entanto, ao explodir uma bomba no carro do embaixador turco, Aram acaba atingindo Gilles (Grégoire Leprince-Ringuet), um homem inocente que por estar na hora errada e no lugar errado acabou perdendo os movimentos da perna. A partir desse momento, Aram começa a se perguntar a respeito dos seus atos, e as coisas ficam ainda mais sérias quando sua mãe, sentindo-se culpada pelo filho, começa a visitar Gilles e cria uma relação de afeto como rapaz.


O filme tem como mérito mostrar como o ser-humano quer, na maioria das vezes, revidar violência com mais violência, e o quanto isso é nocivo principalmente para quem nada tem a ver com isso. O ponto forte são as atuações, além da direção firme de Guédiguian e do excelente trabalho da direção de arte. Por fim, trata-se de um filme necessário para mostrar, entre outras coisas, que todos os atos geram consequências, e que nem sempre estamos preparados para elas.