quarta-feira, 18 de março de 2020

Crítica: O Homem Invisível (2020)


O gênero de filmes de terror vem recuperando seu espaço graças a originalidade de suas mais recentes produções. Aquela ideia clássica da família que aluga uma casa assombrada no meio do nada e começa a sofrer as consequências de uma maldição vai ficando no passado, dando lugar para temas mais relevantes e atuais. Em O Homem Invisível (The Invisible Man) temos, mesmo que de forma metafórica, um estudo do relacionamento abusivo e o quanto isso acaba com o psicológico de uma mulher.



A trama gira em torno de Cecília (Elizabeth Moss), uma mulher que está fugindo do relacionamento que tinha com o cientista milionário Adrian (Oliver Jackson-Cohen). O filme inicia com ela tentando escapar da mansão onde os dois moram, e ali já dá para perceber o quanto ele é controlador por causa das inúmeras câmeras e dispositivos de segurança instalados pela casa apenas para mantê-la sob seu controle.

O plano dá certo e ela consegue se esconder na casa de amigos, até que um dia chega a notícia de que Adrian cometeu suicídio. No entanto, com o passar dos dias, Cecília começa a perceber movimentações estranhas na casa onde está morando, e não demora para suspeitar de que o homem na verdade não morreu, mas conseguiu uma forma de ficar invisível para poder atormentá-la.



Ao mesmo tempo em que o filme evidencia que a suspeita de Cecília é real, ele também deixa uma pulga atrás da orelha do espectador, trazendo uma desconfiança em torno da sanidade mental da personagem. E essa é uma excelente analogia do diretor com casos de relacionamentos abusivos e violência doméstica na vida real, onde a mulher muitas vezes é desacreditada e vista como exagerada, principalmente quando o homem tem uma boa aparência social. Outro ponto interessante é mostrar, também de forma análoga, como um homem abusivo reage ao fim de uma relação, perseguindo a ex-mulher e não deixando ela seguir sua vida em paz.

Infelizmente o filme possui muitos defeitos que ao meu ver estragaram um pouco a experiência. Começo por uma questão de gosto pessoal: eu particularmente detesto filmes que tentam assustar o público em cenas totalmente irrelevantes e sem propósito, só com a intenção de criar uma tensão no espectador pro que está por vir. Outro ponto que me incomodou foi a edição de som, onde simples gestos como largar um jornal na mesa, botar uma panela no fogo ou até mesmo um soco, fizeram tremer todo o cinema. Um exagero totalmente desnecessário.



Na questão do roteiro, senti falta de uma motivação palpável da parte de Adrian que justificasse todas as suas atitudes no final. O filme também possui algumas cenas bem aleatórias como aquela em que a personagem deixa uma panela pegar fogo e apaga com um extintor. Qual a necessidade dessa cena, que durou alguns minutos, pro decorrer do filme? Nenhuma. Na segunda metade o longa se enterra de vez e vira um filme completamente oposto da sua proposta inicial, que era a de empregar um terror psicológico e sutil. As cenas no hospital psiquiátrico, por exemplo, são risíveis de tão ruins.

Apesar da originalidade em abordar um tema bastante pertinente, O Homem Invisível ficou bem abaixo das minhas expectativas, e só não é um desastre total por causa da atuação magnífica de Elizabeth Moss, que definitivamente leva o filme nas costas. Como entretenimento é um filme válido, mas suas fraquezas o tornam impossível de defendê-lo.


segunda-feira, 16 de março de 2020

Crítica: Você Não Estava Aqui (2020)


Depois do excelente "Eu, Daniel Blake", o cineasta Ken Loach volta a trazer para as telas mais uma crítica contundente e ácida sobre a sociedade em que vivemos, característica principal de seu cinema. Se no filme anterior ele falava sobre a burocracia dos órgãos governamentais, desta vez ele disserta sobre a precarização do trabalho informal, flertando também com a retirada de direitos trabalhistas e as consequências que uma rotina desgastante de trabalho pode trazer a uma família.


Você Não Estava Aqui (Sorry We Missed You) acompanha Ricky (Kris Hitchen), um pai de família que sobrevive de pequenos empregos e luta para tentar dar um futuro melhor para os filhos. Sua esposa Abbie (Debbie Honeywood) ganha um dinheiro como cuidadora de idosos, mas o que os dois arrecadam juntos não é suficiente para livrá-los das dívidas que cada vez se acumulam mais. 

Numa tentativa de melhorar a situação financeira, Ricky resolve tentar ser autônomo, trabalhando com sua própria van para uma empresa de entregas, onde não existe contrato e nenhuma espécie de vínculo formal. Em contrapartida, existe uma pressão violenta para que as entregas cheguem nos destinatários dentro do prazo, e isso as vezes o obriga a trabalhar até 12 horas por dia. Atrás dessa rotina desumana ainda há um gerente de operações  inescrupuloso que não liga nem um pouco para o bem-estar de seus funcionários terceirizados, visando apenas o lucro e nada mais.


O que mais gosto nos longas de Loach é que os seus "heróis" são sempre personagens da classe trabalhadora inglesa, gente como a gente, que enfrenta problemas corriqueiros do dia dia por culpa de um sistema falho. Vemos em Ricky um personagem extremamente humano, fruto de uma atuação elogiável de Kris Hitchen. Além dos problemas com o trabalho, ele precisa lidar com a rebeldia de um filho adolescente e o crescimento de uma filha pequena, sempre contando com a ajuda de sua mulher, outra personagem que é extremamente forte na estória.

Meu único porém em todo filme fica por conta do seu final, que eu confesso ter achado pouco criativo. Mas nada que estrague a experiência e principalmente a mensagem que ele tenta passar. A chamada "uberização" dos postos de trabalho vem sendo um grave problema no mundo, e uma realidade que precisa ser revista o quanto antes, e é importante um filme trata o assunto com tanta sinceridade. É o sonho de ser patrão de si mesmo, dono do seu próprio tempo, que vai abaixo com a falta de direitos fundamentais.