quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Crítica: A Cozinha (2025)


Dez anos depois de Güeros, um filme extraordinário que na época me conquistou profundamente, o diretor mexicano Alonso Ruizpalacios traz outro drama que aborda temas políticos e sociais com muita consistência e perspicácia, trazendo uma visão diferenciada de Nova Iorque, a visão dos trabalhadores e dos imigrantes da metrópole.


O filme começa com Estela (Anna Diaz), uma imigrante dominicana, chegando para o seu primeiro dia de trabalho no The Grill, um pequeno restaurante próximo da Times Square. A partir de então, começamos a adentrar neste universo particular, caótico, e até mesmo claustrofóbico, mas cheio de nacionalidades, idiomas e personalidades diferentes. E como era de se esperar em um lugar com tantas culturas distintas, é natural que conflitos surjam o tempo inteiro, e isso é o que não falta no enredo. Porém, também há amizade e momentos de descontração entre os personagens, que apesar das diferenças, compartilham sonhos, anseios e esperanças, e buscam, de certa forma, um espírito de união por estarem todos no mesmo barco.

No mesmo dia em que Estela chega ao local, um rombo nas finanças desperta a atenção da chefia, que inicia um processo de "investigação" para descobrir quem foi o responsável. Ao mesmo tempo, outros dramas muito particulares se desenrolam por entre os corredores estreitos, como o caso amoroso de Pedro (Raúl Briones) e Julia (Rooney Mara), que resulta em uma gravidez indesejada. E mesmo que internamente ele deseje ter o filho, ela quer imediatamente o aborto, o que culmina numa extensa discussão sobre este processo.


O grande acerto do filme é tocar com sensibilidade em temas atuais e polêmicos como aborto e imigração, mas focando sobretudo na busca por identidade destes personagens e no espírito de coletivismo, sem forçar nada e nem ser propagandista. O desmantelamento da ideia de um Estados Unidos como centro do mundo, no entanto, é algo que pulsa no roteiro, como em uma cena onde um dos personagens norte-americanos fala com orgulho inflado que é "americano" e alguém responde de prontidão que "todos ali são, pois a América é o continente inteiro".

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Crítica: A Hora do Mal (2025)


Zach Cregger talvez não tenha a verdadeira dimensão do que fez, mas verdade seja dita: ele criou um clássico. Com uma história original e um estilo muito único de desenvolvimento narrativo, A Hora do Mal (Weapons) entra fácil para a lista dos melhores filmes lançados em 2025, mas mais do que isso, já pode ser considerada uma das obras de terror mais peculiares e extraordinárias dos últimos anos.


A trama se passa em uma pequena cidade norte-americana, onde em uma determinada noite, dezessete crianças de uma mesma sala de aula desaparecem misteriosamente. Pelas câmeras de seguranças das residências, é possível ver cada uma delas deixando suas casas pela porta da frente exatamente as 2:17 da madrugada, correndo com braços estendidos em forma de "aviãozinho", aparentemente sem rumo. A única criança da turma que não some é Alex (Cary Christopher), que no dia seguinte está sentado sozinho em sua classe quando a professora Justine (Julia Garner) chega para dar aula. Ela, inclusive, é levantada como principal suspeita dos desaparecimentos pelos membros da comunidade escolar, já que eles não acreditam na mera "coincidência" de todos serem seus alunos. O que intriga a todos, no entanto, é porque um único menino foi poupado.

Através de "capítulos", que vão descortinando a história sob diferentes perspectivas, Cregger vai nos fazendo juntar o quebra-cabeças, e a montagem é tão consistente e instigante, que é impossível não mergulhar de cabeça neste universo estranho e perturbador. O diretor mistura elementos clássicos de terror com momentos de suspense psicológico e até mesmo de comédia, dosando muito bem cada gênero. É um filme que flui à sua maneira, cuja satisfação absoluta é justamente ir descobrindo aos poucos o que há por trás de suas camadas, até chegar a um clímax catártico.


Dentre as visões trazidas ao longo do enredo, nós começamos acompanhando a da professora Justine, que serve como base fundamental. Logo, também seguimos os passos de Archer (Josh Brolin), pai de uma das crianças desaparecidas, do oficial de polícia Paul (Alden Ehrenreich), do diretor da escola Marcus (Benedict Wong), e de James (Austin Abrams), um viciado que busca alternativas de ganhar dinheiro para sustentar seu vício. O mais curioso nessas escolhas da direção, é que por mais que um personagem ou outro pareça deslocado da história e te faça realmente questionar "o que ele trará de útil pra história?", no fim tudo se encaixa e se complementa de maneira surpreendente.

O elenco é muito competente em suas atribuições, com destaques para Julia Garner, que eu conheci através da série Ozark, Austin Abrams, que rouba a cena em suas aparições, e para o experiente Josh Brolin. Ainda não posso deixar de mencionar Amy Madigan, que faz Gladys, uma personagem enigmática e extremamente excêntrica, que serve de elo para todo o resto. Na parte técnica, destaque para os jogos de câmera que o diretor utiliza para deixar o filme ainda mais imersivo e empolgante, como em uma genial cena de perseguição policial, além da trilha sonora sucinta mas certeira e perturbadora.


Por fim, Weapons é um filme que beira quase a perfeição naquilo que se propõe. É cadenciado e misterioso quando precisa ser, é visceral e violento no momento certo, e engraçado sem jamais perder sua seriedade. Mais um grande respiro em um gênero que, para surpresa de muitos, vem se fortalecendo cada vez mais com filmes sólidos e criativos.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Crítica: Eddington (2025)


Eu costumava dizer que Ari Aster era um diretor que dividia opiniões, mas depois de Beau tem Medo, e agora principalmente depois de Eddington, acho que ele não divide mais: todos concordam que ele se perdeu na própria prepotência artística. Conhecido pelo fenomenal Midsommar, que logo foi seguido pelo também interessante Hereditário, Aster parece não saber mais como aproveitar toda a liberdade narrativa que ganha em seus filmes, e mais uma vez traz um roteiro insosso, repleto de sátiras sociais confusas e uma paranoia caótica e sem propósito.


O filme se passa em maio de 2020, época em que, como todos bem lembram, estávamos no pico da pandemia de Covid-19. Assim conhecemos Eddington, uma pequena cidade de pouco mais de dois mil habitantes no estado do Novo México, e que serve como base para traçar um panorama da sociedade norte-americana durante aquele período conturbado. Nela, temos o prefeito Ted Garcia (Pedro Pascal) em busca de reeleição, enquanto faz o que pode para precaver a chegada do vírus na cidade, fechando locais públicos e decretando a obrigatoriedade do uso de máscaras. As medidas incomodam alguns reacionários, como o xerife Joe Cross (Joaquin Phoenix), que se nega a usar máscara e manter os cuidados necessários, o que gera alguns conflitos com moradores por isso e com o próprio prefeito. Utilizando da propaganda negacionista, Cross também resolve se candidatar a prefeito, tentando barrar a reeleição do atual.

Partindo desta premissa, Aster começa a trazer várias outras situações que abordam a polarização que tomou conta, não somente dos Estados Unidos, mas do mundo todo, como aqui no Brasil. Em tese, Aster tenta criticar as teorias da conspiração mirabolantes que surgiam na época sobre o coronavírus, e a disseminação delas através de redes sociais, mas ao mesmo tempo, não faz nenhuma contrapartida, o que deixa uma ideia ambígua sobre a real intenção da direção. Afinal, Aster quer criticar estas "insanidades", ou dar engajamento?

Essa mesma ideia ambígua surge quando o filme começa a mostrar protestos pela cidade, principalmente do movimento conhecido como "Black Lives Matter". A pauta dos manifestantes na vida real era importante e necessária, mas todos os personagens do filme engajados nos protestos são mostrados como se fossem "alienados", sempre repetindo palavras e jargões infantis e fazendo histeria ao menor sinal de repressão. São, de certa forma, ridicularizados, em uma visão que costumamos ver em discursos da extrema direita. O filme ainda tem uma alusão aos falsos religiosos milagrosos, e sobretudo, ao modo como hoje em dia lidamos com a exposição na internet, onde todo e qualquer argumento termina com um "vou gravar isto e postar na internet", o que remete a um dos maiores medo do mundo moderno: o cancelamento. Mas tudo exagerado e fora do tom.


Esteticamente falando, Aster continua fazendo filmes atrativos e cativantes, e isso não dá pra negar que Eddington consegue ser. Porém, narrativamente, o buraco é mais embaixo. Além da confusão de ideias, e dos temas abordados não terem a  profundidade que mereciam, temos também um grande desperdício de talento, como por exemplo os personagens de Austin Butler e Emma Stone, subaproveitados e completamente descartáveis. Aliás, "descartável" é a palavra certa para definir o filme como um todo.