segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Crítica: A Vida Invisível (2019)


Vencedor do prêmio principal da mostra Um Certo Olhar em Cannes e representante do Brasil no Óscar 2020, A Vida Invisível, de Karim Ainouz (Madame Satã e O Céu de Suely) é um dos filmes mais poderosos do nosso cinema nos últimos anos, e ao mesmo tempo que encanta com cenas belíssimas, também incomoda ao tocar em assuntos extremamente necessários nos dias de hoje.



O enredo acompanha a história de Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), duas irmãs que cresceram juntas em uma família de portugueses no Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950. As duas possuem personalidades distintas; enquanto Eurídice é introvertida, inocente e tenta seguir as regras impostas pela sociedade, Guida é espontânea, inquieta e efusiva, e não baixa a cabeça para as convenções sociais da época. Um dia Guida resolve fugir de casa para viver um amor escondido, sem fazer a mínima ideia de que essa sua atitude mudaria para sempre a vida das duas. 

Apaixonada pela música e sonhando em se tornar uma pianista de sucesso, Eurídice se apega a isso para sobreviver aos dias que se seguiram sem a irmã, até se casar com Antenor (Gregorio Duvivier) e sair definitivamente de casa. O casamento, no entanto, é muito longe do que ela buscava para sua vida, e o diretor utiliza essa união para evidenciar o machismo na sua pior forma, com direito a cenas bem pesadas de violência doméstica, tanto verbal como sexual. Aliás, é interessante analisar como o sexo é utilizado pelo diretor em cena, sempre como um elemento opressor do sexo masculino, e não como algo prazeroso e confortável para os dois lados. Nota-se no olhar das mulheres nessas cenas o desconforto que elas carregam de serem vistas apenas como objetos.



O filme é sobre um grande desencontro das duas irmãs, mas também de novos encontros. Quando Guida volta para casa e não é aceita pelo pai por estar grávida, ela precisa encontrar uma forma de sobreviver e recomeçar a vida na companhia de uma "nova" família, onde é acolhida com muito carinho. Interessante analisar que o título do livro, do qual deriva o filme, é A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, e essa segunda parte do nome foi surrupiada para o cinema por um propósito: aqui não é somente Eurídice que se torna uma personagem apagada pelas nuances da vida, mas é um filme sobre todas as mulheres que viviam na época e enfrentaram as mesmas dificuldades de tentar ser alguém.

O filme tem um ótimo elenco, e ganha um toque ainda mais especial com a participação de Fernanda Montenegro. Uma atuação breve, por cerca de 20 minutos, mas avassaladora, provando mais uma vez o porque dela ser o maior patrimônio do cinema brasileiro. O enredo intercala a história das duas irmãs sem se tornar cansativo, e é legal perceber como, mesmo distantes, elas sempre tiveram uma ligação de alma inquebrável.



Por fim, A Visa Invisível é uma obra sobre famílias partidas, afastamentos, e principalmente saudade. É a maturidade do cinema de Karim Ainouz, que tem aqui o melhor filme de sua carreira até então. Viva o cinema nacional.

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