sábado, 27 de agosto de 2022

Crítica: Marte Um (2022)


Quantos sonhos existem dentro de cada casa da periferia? E quantos destes sonhos ganham a oportunidade de se tornarem realidade? É esse Brasil, de gente trabalhadora e com muita vontade de lutar por dias melhores, que é mostrado em "Marte Um", primeiro filme solo do cineasta mineiro Gabriel Martins e que foi escolhido para representar o país no Oscar 2022.


O filme se passa em um bairro periférico de Belo Horizonte e acompanha uma família que luta diariamente para se manter firme diante das dificuldades. A mãe (Rejane Faria) trabalha como faxineira, e o pai (Carlos Francisco) como porteiro de um condomínio. A filha mais velha (Camilla Damião) já faz parte de uma geração que consegue sonhar um pouco mais alto, e graças a uma bolsa na faculdade está prestes a realizar o sonho de se formar em Direito. Já o filho mais novo, "Deivinho" (Cícero Lucas), passa os dias assistindo vídeos de ciências no computador e sonha se tornar um astrofísico, sobretudo para fazer parte da missão "Marte Um" que em 2030 pretende colonizar o planeta vermelho.

Depois de serem devidamente apresentados, passamos a acompanhar a rotina da família, tanto em seus trabalhos e estudos como dentro de casa, e a grande força do filme vem justamente dessa dinâmica. É tudo muito sensível e humano nessas relações, e isso graças às atuações incríveis de todo o elenco. Vários acontecimentos também vão dissecando dramas internos dos personagens e trazendo novas situações. A mãe cai em uma dessas pegadinhas de televisão, e isso mexe com ela de uma forma inesperada. A filha se apaixona por uma outra mulher (Ana Hilário), e tenta, pouco a pouco, fazer com que a família entenda e aceite sua sexualidade. O pai, apaixonado por futebol desde sempre, quer que o filho menor se torne um jogador de sucesso, e pra isso chega a passar dos limites nas cobranças. Por se tratar de um filme extremamente orgânico, é notório que durante as duas horas de duração apareçam tanto as qualidades como os defeitos de cada personagem, e isso é precioso demais, pois mostra como todos nós temos erros e acertos na mesma medida e vamos nos moldando conforme aprendemos coisas novas com a vida.

O roteiro possui muita força nos detalhes, como por exemplo, quando a mãe fica doente e é uma médica preta que lhe atende, fugindo dos estereótipos que vemos muitas vezes nos filmes e deixando claro que hoje isso é possível graças a políticas de inclusão criadas anos atrás. Outro detalhe que chama atenção é quando Deivinho vê o preço do ingresso para assistir uma palestra sobre ciências, mostrando como o acesso a eventos desse tipo são, na grande maioria das vezes, reservados apenas a pessoas com alto valor aquisitivo. Eu gostei muito da forma como o diretor trabalha esses temas necessários sem ser insistentemente panfletário, mas de um jeito bem natural. Os cenários também são muito bem construídos, e é legal acompanhar o trabalho feito na casa da família, desde a decoração até suas imperfeições.


Por falar em imperfeições, o filme também tem as suas. Algumas cenas me pareceram um pouco fora de contexto, como as que aparecem o influencer "Tokinho", ou longas demais, como uma cena dentro de uma festa. Tem ainda um crime cometido no condomínio onde o pai trabalha que para mim soou bem problemático na narrativa e talvez tenha sido um ponto fora da curva. Porém, no geral, é um filme muito necessário, importante e inclusivo, que retrata um Brasil que muitas vezes não tem voz mas é a maioria.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário