domingo, 22 de janeiro de 2023

Crítica: Nossa Senhora do Nilo (2022)


Baseado no livro de memórias escrito pela ruandesa Scholastique Mukasonga, o novo filme do saudita Atiq Rahimi (A Pedra da Paciência, 2014) se passa em Ruanda no ano de 1973, e mostra uma espécie de "prelúdio" do que viria a acontecer duas décadas depois no país, quando cerca de um milhão de pessoas foram mortas em um dos genocídios mais violentos da história.



Nossa Senhora do Nilo (Notre-Dame du Nil) acompanha o dia a dia de um colégio interno católico, situado no alto de uma colina, onde as alunas são preparadas para pertencerem à elite ruandesa após se formarem. Com uma grande maioria composta por hutus, e uma minoria de tutsis (cuja admissão é feita por cotas), o colégio acaba sendo o primeiro retrato de como esta divisão já fazia parte do cotidiano dos locais, ainda que todas as meninas vivessem juntas compartilhando o mesmo dormitório. De cara somos apresentados às personagens de uma maneira bem interessante: através de uma chamada escolar, onde cada uma tem seu rosto mostrado na medida em que a professora ia chamando seus nomes. Entre elas, algumas acabam ganhando destaque no desenrolar do filme, como Gloriosa (Albina Sidney Kirenga), Imaculada (Malaika Uwamahoro), Verônica (Clariella Bizimana) e Modesta (Belinda Rubango Simbi). E é através destas quatro personagens que as subtramas principais se desenvolvem.

O diretor critica bastante a questão da colonização européia na África e a maneira invasiva como isso ocorreu. As aulas, por exemplo, eram ministradas em francês, e os professores ensinavam apenas a história dos países europeus, pois havia uma tendência ao apagamento de toda a riquíssima história do continente africano. Uma das meninas inclusive indaga sobre isso, e a resposta da professora é curta e grossa: "A Europa é a história, a África é apenas geografia". É como eles verdadeiramente enxergavam o continente, apenas como um ponto no mapa a ser explorado e evangelizado.

Na época em que se passa o filme, Ruanda já era um país independente, porém ainda estava muito presa a herança deixada pela presença dos belgas. Isso também é mostrado pelos olhos das meninas, como quando uma delas se incomoda com o "nariz fino" que foi feito na estátua da Nossa Senhora, e bola um plano para tentar fazer ele o mais parecido possível com o dos moradores locais. É através de pequenas atitudes como essa que elas tentam resgatar um pouco da própria identidade, que foi varrida para debaixo do tapete pelos colonizadores.



Infelizmente, ao tentar abordar muitos aspectos da vida dessas meninas, o roteiro acaba se perdendo um pouco, e a montagem entre um fragmento e outro também prejudica bastante. Alguns personagens também acabam sendo muito superficiais, como o belga Fontenaille (Pascal Greggory), que está no vilarejo estudando os aspectos físicos das meninas e chega a montar uma espécie de altar para uma ancestral tutsi. E a grande tragédia final, que era para ser chocante, acaba sendo apenas abrupta e pouco convincente, justamente porque os motivos não são contextualizados da forma como deveriam. Por fim, Nossa Senhora do Nilo é um triste retrato de um ódio que nasce sem nenhuma justificativa, mas sua mensagem infelizmente acaba escorrendo entre os dedos pela narrativa inconsistente.


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