sexta-feira, 21 de junho de 2024

Crítica: Clube dos Vândalos (2024)


O pungente Sem Destino (Easy Rider), de 1969, marcou demais uma geração que vivia um tempo de mudanças significativas em seu estilo de vida e principalmente na forma de enxergar o mundo. Apresentando uma gangue de motoqueiros comandada por Peter Fonda e Dennis Hooper, o filme é cultuado até os dias de hoje e considerado um dos principais símbolos da chamada "Nova Hollywood", que revolucionou o cinema feito nos Estados Unidos na década de 1970. Muitos anos antes, em 1953, Marlon Brando já havia trazido para as telas o estereotipo do "motoqueiro de jaqueta de couro" no filme O Selvagem (The Wild One), que por sua vez também já havia marcado a geração anterior e que serviu de inspiração para a criação de muitos moto clubes pelo país, incluindo o famoso Chicago Outlaws.


Lançado em 1968 pelo jornalista e fotógrafo Danny Lyon, The Bikeriders trazia entrevistas e fotos que ele foi reunindo ao longo de vários anos como membro do Chicago Outlaws, focando principalmente na sua entrevista final com Kathy (Jodie Comer), uma mulher casada que inevitavelmente acabou entrando de cabeça nesse mundo majoritariamente masculino após começar a namorar um dos principais membros do grupo, Benny (Austin Butler). Usando as entrevistas como uma espécie de narração da história, o diretor Jeff Nichols nos mostra como funcionavam as engrenagens deste clube, criado e comandado a pulso firme por Johnny (Tom Hardy), e o quanto ele precisa se adaptar às mudanças inevitáveis que vão acontecendo ao seu redor.

Sem romantizar e muito menos maquiar os defeitos de cada um dos personagens, Nichols nos apresenta essa gangue de uma maneira muito humana. Gosto, por exemplo, como ele trabalha o personagem do Tom Hardy, que após assistir Marlon Brando em cena, só queria juntar um grupo de pessoas com os mesmos ideais e criar um senso de sociedade entre eles. Anos depois ele acaba se desiludindo ao ver que a ramificação do grupo em outras partes do país acabou transformando-o numa organização criminosa pesada. No final nada mais fazia sentido para ele, e o seu fim acaba sendo bastante simbólico. Já o personagem de Butler é quase uma personificação daquele Marlon Brando de O Selvagem ou de qualquer outro personagem marcante do estilo, tanto no visual como também por ser um jovem viciado em confusão e de poucas palavras.


Se há um ponto negativo no filme, talvez seja o seu ritmo na metade final, onde ele parece decair um pouco, mas nada que comprometa drasticamente o resultado final. A divisão por capítulos acaba sendo essencial para a compreensão do roteiro, já que o filme dá grandes saltos temporais, alguns até mesmo de maneira bem abrupta. Nesse meio tempo, no entanto, há a adição de personagens secundários intrigantes, como os vividos por Michael Shannon e Norman Reedus. A atmosfera setentista criada por Nichols é brilhante, e por alguns momentos cheguei a sentir que estava assistindo a um filme daquela época, não só pela fotografia, mas também pela aura transgressora que eu não via há muito tempo no cinema norte-americano. 

E se eu falei dos clássicos que marcaram gerações, não poderia deixar de citar também a série de televisão Sons of Anarchy, que ao longo de sete temporadas (2008-2014) também nos apresentava um grupo idêntico de motoqueiros, e que até hoje considero uma das melhores séries de todos os tempos. A energia deste filme é muito parecida, o que inevitavelmente me prendeu bastante.

 

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Crítica: Furiosa - Uma Saga Mad Max (2024)


O mundo desolado de Mad Max por si só já é fascinante. Criado por George Miller ainda nos anos 1970, ele mostra poderosamente o que seria uma derrocada da humanidade, onde os recursos naturais já são escassos e o pouco que resta, como petróleo, água e alimentos, é disputado ferozmente. Nove anos depois de Mad Max: Estrada da Fúria, Miller traz este universo de volta, desta vez contando a história de Furiosa, a personagem feminina que roubou a cena no filme anterior, interpretada por Charlize Theron.


Furiosa desta vez ganha vida através da excelente e promissora atriz Anna Taylor-Joy, que abraça perfeitamente o papel e traz traços muito particulares à personagem. Antes dela, no entanto, quem interpreta Furiosa na sua infância e adolescência é a também talentosíssima Alyla Browne, que brilha nos primeiros minutos do longa. Nesta sequência inicial, Furiosa vê a própria mãe ser brutalmente assassinada pelo cruel Dementus (Chris Hemsworth), sendo sequestrada pelo mesmo e tirada do paraíso onde vivia, um dos poucos lugares que ainda possuía vegetação. Logo depois, ela é trocada como uma mercadoria, indo parar nas mãos do "magnata" Immortan Joe (Lachy Hulme), personagem já bastante conhecido da saga e que administra de forma quase ditatorial três grandes cidades remanescentes neste universo colapsado.

Este início arrebatador é importante para desenvolver a personalidade de Furiosa, e mostrar o porquê dela ter se tornado uma personagem tão contida mas ao tempo tão marcante, que aparentemente é imune às coisas ruins que lhe acontecem por ter uma força emocional considerável. É quase um processo de "desumanização" que nós acompanhamos ela passar no início, e é impossível não criar uma casca depois de tudo.


Se em Estrada da Fúria nós temos uma pincelada de como funciona esta sociedade pós-apocalíptica, aqui Miller nos apresenta muito mais detalhes, tanto na parte estrutural como na parte social. Não demora para iniciar uma guerra entre o próprio Dementus, que pretende tomar de assalto pontos estratégicos e importantes do local, e Immortan, que quer defender suas posses e manter a sociedade funcionando de acordo com suas regras. Nesta luta, Furiosa fica do lado de Immortan, aproveitando-se de certa forma para vingar a morte da mãe.

As cenas de ação, como já era de se esperar, são magnânimas, e acabam sendo o grande destaque do filme. Miller constrói cenas frenéticas, onde a câmera em movimento consegue captar toda a tensão existente no momento, seja numa luta corporal, em um duelo de velocidade a bordo de um caminhão, ou no uso de armas potentes e incrivelmente originais. A inventividade do diretor é realmente impressionante quando falamos de estética, e ele consegue aliar de maneira brilhante o uso de CGI com efeitos práticos.


Em relação às atuações, além das já citadas, eu também destaco Chris Hemsworth, um ator que parece super a vontade no papel do vilão e que consegue trazer até mesmo um ar cômico para ele, porém sem aquele humor "abobado" que o pessoal está acostumado a ver em outros filmes dele por aí. Por fim, Furiosa: Uma Saga Mad Max é um filme frenético do início ao fim, que não só vai adentrar neste universo criado por Miller, como também vai trazer elementos essenciais para enriquecer ainda mais a "mitologia" que existe por trás.

sábado, 1 de junho de 2024

Crítica: Às Vezes Quero Sumir (2024)


Pessoas introvertidas, que sentem que vivem em descompasso social e que não se encaixam no mundo, certamente irão se identificar de imediato com a protagonista de Às Vezes Quero Sumir (Sometimes I Think About Dying), filme extremamente simples mas muito honesto da diretora Rachel Lambert.


Fran (Daisy Ridley) tem uma rotina metódica e aparentemente sem graça, indo todos os dias de casa para o trabalho e vice-versa, e com poucos e solitários momentos de lazer. O ambiente do escritório, apesar de ser relativamente tranquilo, também parece esgotá-la mentalmente, principalmente quando colegas decidem confraternizar. Fran detesta este tipo de interação, e prefere ficar em sua mesa, quieta, vivendo em seu próprio mundinho. Confesso que gostaria de ter me identificado menos com a personagem, mas foi inevitável, o que de certa forma fez o filme se tornar ainda mais particular para mim.

Certo dia, uma funcionária anuncia a saída do escritório, e um novo contratado assume seu lugar: Robert (Dave Merheje). Por uma completa obra do acaso, Robert e Fran iniciam uma amizade por terem gostos e visões de vida em comum, ainda que ele nitidamente seja mais sociável do que ela. Apaixonado por filmes, Robert logo a convida para ir ao cinema, e logo surge uma conexão forte entre eles, que por sua vez carrega uma série de peculiaridades.


É curioso acompanhar a forma como a protagonista lida com a chegada de uma pessoa nova em sua vida, ou melhor, a forma como ela não sabe lidar com isso. E para mim, este é ponto central da trama, que visa mostrar a dificuldade que algumas pessoas tem para estabelecer conexões, sejam elas da maneira que for. Um retrato sensível sobre a depressão, a solidão e a forma como muitas vezes nos sentimos em um ritmo completamente diferente dos demais. Particularmente gostei muito da atuação de Daisy Ridley, conhecida por ter protagonizado a última saga Star Wars, e que aqui demonstra muita versatilidade em um papel de poucas palavras e muitos olhares.