domingo, 31 de julho de 2022

Crítica: Vortex (2022)


"Dedicado a todos aqueles cujo cérebro se decomporá antes do coração". É com esta frase forte e marcante que começa "Vortex", o novo filme do cineasta Gaspar Noé, que pode ser considerado até então o trabalho mais pessoal e intimista da sua carreira. Diferente das cores piscantes e das cenas explícitas, aqui a perturbação criada por Noé é pura e simplesmente a realidade da vida humana, neste caso o da velhice, mostrando como envelhecer pode ser algo assustador.


O filme acompanha um casal de idosos, interpretados pela atriz Françoise Lebrun e pelo histórico cineasta Dario Argento, que mantém uma rotina muito simples dentro do seu apartamento em Paris. Ele é um crítico de cinema e está tentando escrever um livro sobre o mundo dos sonhos e o cinema, enquanto lida com problemas cardíacos. Ela era psiquiatra e hoje vive com a memória debilitadíssima, sofrendo com uma demência cada vez mais forte.

Para mostrar o dia dos dois, Noé utiliza a tela dividida, onde cada lado foca em um deles. Esse artifício deixa o filme muito dinâmico, e gostei muito do jogo feito com as câmeras e seus ângulos. Ao acompanhar cada um individualmente, percebemos um vazio muito grande na existência deste casal, que passam um pelo outro dentro de casa como meros desconhecidos, e cujo tempo os isolou emocionalmente. Apesar de tudo, ainda existe uma certa doçura e cumplicidade na relação, como o cuidado que ele tem com ela, que não pode ficar muito tempo sozinha sob perigo de sair porta afora e não saber voltar. Porém, é notório que não existe mais vida ali, não existe mais nenhum resquício de alegria, e a ideia de Noé é justamente mostrar como vamos morrendo aos poucos, muito antes da morte física.


O ritmo é lento, o que de fato deixa o filme um pouco cansativo em determinado momento, mas isto é essencial para mostrar a lenta desintegração dos personagens. A entrada de um terceiro personagem, o filho do casal, serve para mostrar como isso não afeta apenas quem envelhece, mas também quem acompanha de perto e não tem o que fazer além de tentar ajudar do jeito que pode. Afinal, não podemos contornar a passagem do tempo, e o ciclo da vida é assim mesmo, cruel.
 

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