quarta-feira, 19 de março de 2014

Crítica: Flores Raras (2014)


Uma verdadeira joia rara do cinema nacional. É assim que descreveria o novo filme do diretor Bruno Barreto, que enfim, parece ter feito a grande obra da sua carreira até então. Diferente de tudo que já foi visto no cinema brasileiro, o filme toca num tema polêmico e super atual: o relacionamento amorosos entre duas mulheres.


A trama mostra a relação que existiu entre a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop e a arquiteta e urbanista carioca Lota de Macedo Soares. Em meados da década de 50, Bishop (Miranda Otto) vivia uma crise criativa, e na tentativa de se reinventar, partiu rumo ao Rio de Janeiro para ficar na casa de sua amiga Mary (Tracy Middendorf), então companheira de Lota (Glória Pires).

A princípio era para ela ficar apenas três dias no local, mas por uma série de motivos acabou ficando mais do que o esperado. Com o tempo, ela e Lota não conseguiram controlar mais o desejo que passaram a nutrir uma pela outra, e iniciaram uma tórrida relação de amor, mesmo com Mary em casa.


Arquiteta de mão cheia, Lota projetou um local no próprio terreno (uma propriedade belíssima no interior da capital carioca) para que Bishop pudesse, com tranquilidade, escrever suas poesias, usando a paisagem como inspiração. O fato é que não tardou para que a poetisa voltasse a escrever, em um ápice criativo, que resultou em diversos prêmios literários a partir de então.

Uma das partes mais interessantes do enredo é a ambientação que ele faz do Brasil nos anos 50, tanto em fatos políticos, como em construções de obras até hoje consideradas um marco no país. O Rio de Janeiro está irreconhecível, mas percebemos que já naquela época havia uma gritante desigualdade social, como mostrado na hora em que as duas compram uma criança de uma família pobre para cuidar como filha.


A cena que marcou o filme, para mim, foi o discurso de Bishop durante um jantar com políticos, incluindo o governador do estado, Carlos Lacerda, logo após o golpe militar que instaurou a ditadura no Brasil. Ela se indigna ao ver que, em pleno golpe, pessoas jogam bola na praia e se divertem como se não tivessem acabado de perder sua liberdade. Usando isso como exemplo, critica a alegria exacerbada e o desejo de comemorar do povo brasileiro, como se aqui todos levassem tudo na brincadeira.

Tecnicamente o filme é muito bem construído. As tomadas são criadas com uma visão microscópica aos detalhes, e Barreto está de parabéns pelo excelente trabalho. Enquanto Lota é expansiva e emotiva ao extremo, Bishop é contida e silenciosa, e essa diferença acaba ficando evidente graças às excelentes atuações de Miranda Otto e Glória Pires. A fotografia do longa também é exuberante, assim como a trilha sonora, que mescla com maestria Bossa Nova e MPB.


Em um tempo de ouro para os filmes que abordam o homossexualismo feminino (vide o sucesso de Azul é a Cor Mais Quente), Flores Raras conquista seu espaço, mas com certeza vai muito além disso. É um filme que vale a pena ser apreciado, sem dúvida alguma.


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