quinta-feira, 25 de maio de 2023

Crítica: Medusa (2022)


Quando ouvimos falar em fundamentalismo religioso, muitas vezes ligamos isto automaticamente ao oriente médio e aos grupos de fanáticos da religião muçulmana, como o Estado Islâmico ou o Talibã. Obviamente que ainda não podemos comparar realidades tão distintas, mas nos últimos anos também temos acompanhado uma invasão jamais vista deste tipo de comportamento por aqui, e tem sido bem preocupante. O Brasil, hoje, é um dos países do mundo onde a religião mais tem membros em cargos de poder, assim como em outros diversos setores importantes dentro da sociedade, e isso naturalmente acaba moldando leis, regras sociais e o comportamento da população em geral.


Em Medusa, novo filme da diretora Ana Rocha da Silveira, temos mais uma vez o tema abordado nas telas, mas desta vez de forma bem incisiva. O roteiro acompanha um grupo extremamente cristão, composto só de mulheres, que enxerga todos aqueles que pensam diferente como verdadeiros inimigos ou, na palavra delas, pecadores impuros. Esse mesmo grupo sai todas as noites mascarado caçando outras meninas que elas consideram "promíscuas", castigando e humilhando elas para depois postar os vídeos na internet. 

Na mesma igreja existe também uma espécie de exército, que se autodenomina "Vigilantes de Sião". Em uma clara referência aos "Gladiadores do Altar" (grupo paramilitar que surgiu em 2015 dentro da igreja Universal no Ceará), temos aqui um grupo de homens vestidos de verde, com treinamento militar e gritos de guerra, que são capazes de qualquer coisa para defender a sociedade dos pecados. Homens que têm atitudes extremamente violentas e cruéis, mas por terem a palavra de Deus debaixo do braço, acham que estão fazendo o correto. São eles acima de tudo, e Deus acima de todos.

O tom do filme é bastante sarcástico e tem bons exemplos que mostram isso, como o grupo musical "Preciosas do Altar", formado por oito meninas que cantam músicas sobre Deus de maneira pop, com direito a coreografia e tudo, ou ainda a influencer que faz vídeos ensinando até mesmo como tirar selfies de maneira que não ofenda ao "Senhor".


Muito mais do que mostrar como funciona este fanatismo, o filme mostra também a hipocrisia que existe por trás da vida "casta" e "livre de pecados". São personagens fazendo coisas horrorosas e socialmente inaceitáveis, em nome da fé e dos bons costumes, como as meninas que comemoram depois que uma delas colocou fogo no rosto de outra por ela simplesmente ser sexualmente livre. Há também a menina que esconde na maquiagem os sinais de agressão que sofre do namorado, um dos mais fervorosos cristãos da igreja.
Algumas outras características dessa lavagem cerebral também são abordadas, como a proibição que a igreja faz para seus fiéis de assistirem outras televisões que não seja a rede particular de "notícias" deles, ou o pedido (quase uma ordem) de votos para o pastor na próxima eleição. Tudo com a linguagem e os termos que os membros dessas igrejas realmente utilizam, o que deixa tudo bastante verossímil.


O ponto negativo do filme é que infelizmente ele não explora bem a personalidade dos seus personagens e chega até a abandonar alguns deles sem nenhuma explicação. Como a menina Clarissa, que aparece no início chegando para viver com uma família de crentes, e depois nunca mais aparece na história. Pode se dizer que a protagonista do filme é Mariana (Mari Oliveira) que trabalhava em uma estética até ser agredida por uma fanática religiosa na rua e ficar com o rosto deformado. Ela passa então a trabalhar em um lar que cuida de pessoas em coma, onde encontra Melissa (Bruna Linzmeyer), a garota que teve o rosto queimado pelas outras jovens, e que ninguém sabia do paradeiro desde então.


A fotografia tem bastante tons de neon, o que ajuda a criar um clima de distopia. O filme também tem uma atmosfera de filme de terror, mas o "horror" aqui nada mais é do que a nossa própria realidade, que verdadeiramente assusta. Inclusive, a ideia do filme vem justamente de reportagens que a diretora Anita Rocha da Silveira leu sobre jovens mulheres que foram agredidas por serem "promíscuas". É uma pena que o filme tenha tanta coisa para dizer, e acabe perdendo o foco. Ao abandonar personagens e situações, a mensagem final acaba sendo enfraquecida, ainda que seja necessária.

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