terça-feira, 1 de agosto de 2023

Crítica: Clonaram Tyrone! (2023)


Lançado na última semana no catálogo da Netflix Brasil, Clonaram Tyrone! é uma ficção científica que abraça fortemente o movimento "blaxploitation", que marcou o cinema norte-americano da década de 1970 pela forte presença da cultura negra em seus filmes, e apresenta uma premissa pesada e assustadora mas que de maneira divertida e instigante prende até o final.


Marcando a estreia na direção de Juel Taylor, o filme começa acompanhando Fontaine (John Boyega), um traficante que é morto a tiros por um grupo rival. No dia seguinte, no entanto, ele acorda normalmente e segue sua rotina como se nada tivesse acontecido, enquanto todos que viram ele ser morto ficam chocados e sem entender nada. Entre eles o cafetão Slick Charles (Jamie Foxx) e uma de suas prostitutas, Yo-Yo (Teyonah Parris), que junto com Fontaine passam a investigar o que está acontecendo, o que os leva até um estranho laboratório onde um plano bizarro com clones humanos está sendo posto em prática.

O roteiro consegue aliar bem o suspense sci-fi com um humor certeiro, sem ser expositivo ou forçado. Mais do que isso, possui uma boa crítica social/racial por trás, já que a ideia principal do projeto de clonagens, que visa acabar com a violência nas cidades, busca "embranquecer" a população negra sem deixar com que eles percam seus traços mais marcantes, afim de criar uma sociedade igual e simétrica. Sim, é uma ideia absurda, mas que tem um bom desenvolvimento e se torna bem plausível se formos analisar todo o contexto que o diretor busca apresentar. Há toda a questão do controle em massa da população negra, como forma de moldar os seus comportamentos e torná-los obedientes, com o intuito de evitar uma "revolução" por seus direitos, e para isso é utilizado até mesmo um pó misterioso em comidas, bebidas e outros objetos do dia a dia, que alteram a percepção das pessoas e fazem com que elas sejam facilmente manipuláveis. O próprio fato dos protagonistas ganharem a vida de uma maneira completamente estereotipada na periferia (um traficante, um cafetão e uma prostituta) acaba sendo uma crítica a esse sistema que, de uma maneira geral, tenta criar um redoma e impedir que os negros tenham acesso a  espaços que historicamente sempre foram dos brancos.  E o acerto do filme é justamente mostrar através do humor, e sem ser irritantemente panfletário, o quanto a realidade do povo periférico pouco ou nada mudou em tantos anos de luta por igualdade.


Além da ótima trilha sonora, outro ponto alto é a fotografia granulada que remete muito aos anos 1970. O diretor também brinca com a nossa percepção do tempo ao dar indícios de que a história se passa naquela década, como nas vestimentas e nos carros de época, mas ao mesmo tempo traz muitas referências contemporâneas, como as músicas, os gostos pessoais dos personagens e até mesmo uma discussão sobre bitcoins, o que nos coloca definitivamente na linha do tempo atual. Algumas atuações são um pouco caricatas, mas casaram bem com a proposta do filme, que era para ser isso mesmo, uma verdadeira comédia do absurdo. No meio de tanto filme original engessado em seu catálogo, é surpreendente ver a Netflix lançando uma história tão original, corajosa e fora da zona de conforto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário