quarta-feira, 24 de junho de 2020

Crítica: Aos Olhos de Ernesto (2020)


Produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, Aos Olhos de Ernesto, da diretora Ana Luiza Azevedo (de Antes que o Mundo Acabe) é um filme que fala com muita sensibilidade sobre envelhecimento, solidão, e principalmente sobre a complexidade das relações humanas.


O enredo, escrito por Ana Luiza em parceria com Jorge Furtado, acompanha Ernesto (Jorge Bolani), um uruguaio de 78 anos que vive há mais de quatro décadas na cidade de Porto Alegre. Ele é o retrato de uma geração que veio ao Brasil fugindo de ditaduras militares nos países vizinhos, e que acabou fazendo morada e ficando por aqui até os dias de hoje, algo muito comum de se ver no cotidiano da capital gaúcha.

Os dias de Ernesto consistem em ler o jornal, dar uma caminhada para buscar o dinheiro da aposentadoria na lotérica e jogar xadrez com seu vizinho de porta e melhor amigo Javier (Jorge D'Elía), um argentino que também vive há anos na cidade. Até mesmo estas pequenas coisas prazerosas na vida de Ernesto estão começando a ficar complicadas, já que ele gradualmente está perdendo a sua visão. Um dia, ao chegar no prédio onde mora, ele se depara com Bia (Gabriela Poester), uma jovem de 23 anos que está trabalhando como cuidadora de animais para uma vizinha, e aos poucos os dois começam a se aproximar, numa relação bastante fraternal. 


A garota vai adentrando no mundo de Ernesto, e ele no dela, num conflito de gerações muito bacana de acompanhar. Com conversas muito interessantes sobre a vida, percebemos que os dois, mesmo com idades e vivências totalmente diferentes, possuem algumas coisas em comum, como por exemplo o sentimento de solidão. Quando Ernesto recebe a carta de uma velha amiga de Montevidéu, Bia o ajuda a ler e a escrever uma resposta, e isso inicia uma correspondência dele com seu próprio passado, resgatando sentimentos que ele não imaginava que poderia voltar a ter.

O que mais me encantou no filme, além dos seus diálogos, foram as atuações do elenco, muito orgânicas e verdadeiras. É impossível não se apegar aos personagens, que são extremamente humanos em seus gestos, suas falas e até mesmo nos seus defeitos. Gostei também da forma como é mostrada a relação de Ernesto com seu filho (Júlio Andrade), por quem ele nutre um enorme carinho, mesmo que possuam uma convivência um pouco distante por conta da correria do dia-dia. Também é muito bonita a amizade que existe entre Ernesto e Javier, e juntos eles contracenam algumas das cenas mais engraçadas do longa, como por exemplo quando eles "competem" para ver quem tem mais doenças.


No roteiro há ainda espaço para se discutir alguns temas muito atuais, como por exemplo a questão dos relacionamentos abusivos, um assunto que surge quando Bia conta sobre sua relação conturbada com o namorado (Marcos Contreras). Por fim, é muito gratificante ver como o nosso cinema é rico em contar histórias tão simples mas com tantas mensagens a se passar. Que belo filme!

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