segunda-feira, 15 de junho de 2020

Crítica: Destacamento Blood (2020)


O diretor Spike Lee é, e sempre foi, a grande voz do povo negro no cinema norte-americano. Desde os anos 1990, suas obras são conhecidas por trazerem discussões e críticas muito pertinentes sobre o racismo na sociedade e sobre a busca por igualdade. Dois anos depois do sucesso arrebatador de Infiltrado na Klan, que lhe rendeu o Óscar de melhor roteiro original, Lee volta às telas com Destacamento Blood (Da 5 Bloods), que ao mesmo tempo em que homenageia todos os soldados negros que já lutaram em guerras pelos Estados Unidos, também critica a forma como o governo sempre manejou o alistamento e o uso deles nos conflitos.



O filme já inicia com uma entrevista polêmica de Mohammad Ali, feita em 1978, onde ele fala que não vê sentido lutar em nome dos Estados Unidos contra nações que nunca fizeram mal ao povo americano, enquanto que o próprio governo do país usa de políticas opressivas nas ruas, principalmente contra a população negra. Em seguida, uma série de imagens reais e pesadas das décadas de 1960 e 1970 refletem e contextualizam um pouco do que foi e o que significou a Guerra do Vietnã. Neste momento também aparecem as principais lideranças dos direitos civis daquela época discursando contra a guerra e, sobretudo, contra os negros serem utilizados em massa nela.

Após esta pequena e necessária introdução, que dura menos de três minutos, o filme pula para o tempo presente, e mostra quatro amigos negros que faziam parte de um destacamento na guerra, que eles mesmo denominaram "Blood". Paul (Delroy Lindo), Eddie (Norm Lewis), Otis (Clarke Peters) e Melvin (Isiah Whitlock Jr.) estão de volta ao Vietnã décadas depois, com intuito de recuperar um baú cheio de ouro que eles enterraram e ao mesmo tempo encontrar os restos mortais de Norman (Chadwick Boseman), que era considerado o grande mentor do grupo e que morreu em combate. Junto com eles também viaja David (Jonathan Majors), filho do veterano Paul que só está interessado em pegar uma parte do ouro. Mas o que parecia ser uma simples viagem para se reencontrarem com o passado se torna uma verdadeira caçada sanguinária, quando uma gangue de vietnamitas tenta pegar todo o ouro para si.



Há diferença de formato de tela entre os momentos que se passam na atualidade e os flashbacks do período da Guerra. Na verdade não apenas no formato, mas também no próprio tratamento das imagens, que faz com as cenas do passado realmente pareçam ter sido gravadas naquela época, num trabalho primoroso de fotografia do Newton Thomas Sigel. Também achei interessante a edição colocar na tela as fotos das personalidades negras homenageadas durante o longa, e não apenas a citação de seus nomes, frisando bem a reverência feita a eles. Isso de fato é bem corajoso para um longa metragem, e só mostra como Lee tem total liberdade criativa nos seus projetos.

O que mais me surpreendeu neste filme, além de tudo que já expus anteriormente, foi a trilha sonora de Terence Blanchard. Há muito tempo eu não via um filme com uma trilha tão bem trabalhada e bonita nos seus detalhes. Blanchard soube mesclar composições orquestrais de alta qualidade com músicas do cantor Marvin Gaye, que foi um dos grandes nomes da black music e cujas letras tinham uma enorme consciência política. Há um momento brilhante do filme onde é utilizada apenas a voz de Gaye, sem instrumental, onde a letra casa perfeitamente com o mostrado em cena.

Outro ponto alto é o estudo de personagem que Spike Lee faz, trabalhando muito bem o desenvolvimento de cada um. Isso não seria possível, claro, sem as ótimas atuações do elenco, e o grande destaque fica por conta de Delroy Lindo, que já havia trabalhado com o diretor em três filmes nos anos 1990, e tem aqui uma das melhores atuações do ano e da sua carreira. Seu personagem tem uma personalidade bastante dúbia, além de carregar consigo uma das metáforas visuais mais marcantes do filme: um boné escrito "Make Again Great America", o famoso slogan de campanha de Donald Trump.



Lançado diretamente na plataforma de stream Netflix, Destacamento Blood é com certeza um dos grandes lançamentos do ano, e é uma pena não podermos ter a chance de vê-lo nos cinemas, pois a experiência seria ainda mais fantástica. Mas é claro que isso não tira nem um pouco o brilho da obra e toda a sua importância. Vida longa ao cinema crítico e fundamental de Spike Lee.

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