segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Crítica: Tia Virgínia (2023)


É comum ouvirmos a expressão "vai ficar para titia", de forma pejorativa, quando alguma mulher não tem filhos e nem deseja tê-los, como se gerar uma criança fosse praticamente uma obrigação moral. Em Tia Virgínia, a personagem que dá nome ao título é uma destas mulheres que decidiu se livrar dessas amarras da sociedade, e aos 70 anos de idade nunca sequer casou. Liberdade, no entanto, não é um palavra que define a sua vida, já que Virgínia (Vera Holtz) acabou sendo praticamente obrigada pelas irmãs a cuidar da mãe doente (Vera Valdez) até o final dos seus dias, vivendo enclausurada na antiga casa da família onde acompanha tediosamente a passagem do tempo.


Premiado no Festival de Gramado deste ano, o roteiro de Fabio Meira se passa inteiramente na véspera de natal, onde Virgínia recebe a visita das duas irmãs e de seus sobrinhos já crescidos para se juntarem na ceia. Apesar de não se verem há um bom tempo, o natal para as irmãs tem um clima muito diferente desta vez, já que é o primeiro desde que o pai delas faleceu, e as lembranças dos natais passados acabam sendo inevitáveis, assim como todas as mágoas.

A primeira a chegar na casa é Valquíria (Louise Cardoso) com seu filho Bernardo (Iuri Saraiva). Ela é a mais eloquente das três irmãs, e nitidamente a que mais critica Virgínia em praticamente tudo que ela faz. Em seguida chega Vanda (Arlete Salles), junto com o seu companheiro (Antônio Pitanga) e sua filha Ludi (Daniela Fontan). A dinâmica familiar vai se intensificando à medida que os personagens vão conversando sobre os rumos que cada um tomou na vida e relembrando memórias da família. Ao mesmo tempo, por se tratar de uma relação cujas feridas estão bem expostas, qualquer coisa também vira motivo de briga, como a escolha do prato principal, a roupa a ser usada no jantar e até mesmo o uso de frutas cristalizadas no arroz (com essa com certeza vocês irão se identificar).

O filme conquista pela fácil identificação, afinal de contas, todos nós temos família, algumas maiores, outras nem tanto, e todos sabemos o quão complexas elas podem ser em suas particularidades. E principalmente, o quanto essas complexidades afloram justamente em dias de reunião, como numa noite de natal. O trabalho de direção de arte é elogiável, criando um cenário que remete profundamente às "casas de vó" pelo Brasil à fora, com uma gama de detalhes impressionante, e para muitos, nostálgica.

Se na parte técnica o filme é impecável, o que dizer então das atuações. Todo o elenco se destaca, mas Vera Holtz é um fenômeno em cena! Com uma personagem cheia de camadas, que vai guardando tudo dentro de si até finalmente (e lindamente) estourar, Vera brilha, e o prêmio de melhor atriz em Gramado foi mais do que merecido. Arlete Salles também se destaca ao apresentar alguns dos momentos mais cômicos da trama, e Louise Cardoso está firme na pele de uma personagem extremamente humana cujo principal defeito é sempre achar que está com a razão e sabe de tudo.


Por fim, Tia Virgínia acaba sendo o verdadeiro "filme de natal", data onde famílias se reúnem para a ceia tentando forçar uma união que, muitas vezes, não passa de puro teatro e fingimento diante de tantas feridas abertas. E a protagonista parece saber disso, tanto que em uma das cenas mais bonitas do filme, se permite encenar junto de todos uma dança, como se quisesse abrilhantar ainda mais o "espetáculo". Um filme recheado de momentos cômicos, mas com uma carga dramática acentuada e conduzida na medida certa

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