quinta-feira, 21 de março de 2024

Crítica: Atiraram no Pianista (2023)


Dirigido pelo espanhol Fernando Trueba, em uma nova parceria com Javier Mariacal (eles já haviam trabalhado juntos no premiado Chico & Rita), Atiraram no Pianista (The Shot the Piano Player) é um "docudrama" em formato de animação que conta um pouco da história da música popular brasileira, com foco na Bossa Nova, usando como pano de fundo a investigação pessoal de um escritor norte-americano à cerca do sumiço de Francisco Tenório Jr., um dos maiores pianistas da nossa história, e que tocava na banda de Vinicius de Moraes.


Na trama, Jeff Harris (voz de Jeff Goldblum) é um jornalista de Nova Iorque que está escrevendo um livro sobre a Bossa Nova e seus nomes mais conhecidos, quando se depara com um solo de piano gravado nos anos 1970 que o deixa maravilhado. Ao pesquisar sobre o criador da obra, ele fica intrigado com a sua história e com o fato dele não ter lançado mais nada desde então. Após chegar no Rio de Janeiro para uma série de entrevistas, ele descobre que o pianista em questão era Tenório Jr., e que ele sumiu durante uma breve turnê que fez na Argentina em 1976, ano que o país vizinho estava afundado no pior momento de sua ditadura militar.

Para tentar descobrir mais sobre o que aconteceu com Tenório, Jeff passa a entrevistar muitos amigos e conhecidos do pianista, além de familiares que ainda estão vivos. Sua investigação ganha tantos novos contornos, que ele muda até mesmo o foco do livro que estava escrevendo, e passa a escrever apenas sobre este caso específico que o deixou obcecado. Oficialmente, o corpo de Tenório jamais foi encontrado, assim como milhares de outros mortos naquele período sombrio. Mas o porquê de um brasileiro ter sido morto em Buenos Aires é que é a grande questão que Jeff tenta desvendar. Tenório teria desaparecido após sair do hotel à noite para buscar um remédio para sua namorada da época, e a teoria mais viável é a de que ele teria furado um toque de recolher do exército que ele não sabia que existia.

Durante suas quase duas horas de duração, o filme nos traz uma série de representações de artistas consagrados da nossa música, o que o torna apaixonante a cada nova aparição. Vemos Vinicius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Chico Buarque, entre outros, todos recriados por animação de maneira primorosa. Um trabalho incrível, com uma gama de detalhes impressionantes, tanto nos personagens como nos cenários, o que torna o filme visualmente fascinante. Para quem mora no Rio de Janeiro, creio que a reconstituição da cidade seja ainda mais impressionante, e alguns pontos famosos do jazz e do samba ganham vida de forma abundante, como o famoso "Beco das Garrafas", que reunia centenas de músicos e entusiastas na era de ouro de ambos os ritmos.


Mais do que uma carta de amor à música brasileira e a todo o movimento artístico da época, ou ainda sobre a figura do próprio Tenório Jr., Atiraram no Pianista não deixa de ser um filme denúncia, que mostra não somente a violência das ditaduras militares em toda a América Latina, como também todo o apoio que elas tiveram dos Estados Unidos. Trueba não deixa de lembrar este fato, colocando o dedo na ferida e deixando claro que a memória disto jamais deve ser apagada. Um filme magnífico, não somente na parte visual, como também na própria história que aborda.

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