quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Crítica: Retrato de Uma Jovem em Chamas (2020)


Poucas vezes eu saí tão abalado de uma sala de cinema como saí após a sessão de Retrato de Uma Jovem em Chamas (Portrait de la Jeune Fille en Feu). Eu simplesmente não conseguia falar, tamanho o impacto que essa obra me causou. A experiência e a imersão que a diretora Céline Sciamma propõe é uma das mais impressionantes que se poderia ter em uma tela grande. 



O enredo se passa no século XIII e começa com a chegada de Marianne (Noémie Merlant) a um vilarejo litorâneo da França. Ela foi chamada ao local com a tarefa de pintar um retrato de casamento de Heloise (Adèle Haenel), uma jovem que acabou de sair de um convento e está prometida a um homem que mora na Itália. A pintura, quando finalizada, será enviada justamente ao futuro marido para que se oficialize o casamento, e por isso a importância dela ser o mais fiel possível.

Heloise, no entanto, não aceita essa imposição e rejeita se casar, e por esse motivo a mãe (Valeria Golino) decide pedir para que Marianne pinte a imagem da sua filha sem que ela saiba. E é assim, às escondidas em um quarto da casa, que a pintora vai fazendo sua obra, usando apenas a memória fotográfica do que viu e reparou na jovem durante os passeios pela praia a tarde.



A relação das duas vai ficando gradativamente mais íntima, e isso vai influenciando diretamente no trabalho da pintora. A retraída Heloise vai se soltando aos poucos, e quanto mais Marianne conhece sua personalidade, mais sua pintura fica realista. O filme mostra essa relação entre a artista e a modelo muito bem, e os diálogos fascinantes das duas personagens, versando sobre suas ideias de vida, é um dos fatores que mais engrandecem o filme. E isso não seria possível, claro, sem as grandes atuações de Adèle Haenel e Noémie Merlant.

Outro fator que eleva o filme a um nível de exuberância plena é a sua fotografia. Não lembro, sinceramente, de ter visto algo tão belo e bem feito nesse sentido nos últimos anos. Com uma utilização magnífica das cores e tons, unido às belas imagens, o filme parece, o tempo inteiro, uma verdadeira pintura em movimento.



O roteiro é maravilhoso, delicado, e cheio de detalhes. Não há absolutamente nada corrido, nada forçado, e a trama vai fluindo de forma extremamente leve. Gostei muito da construção dos personagens, principalmente de Heloise, que no começo é um mistério a ser desvendado. Por alguns minutos os demais personagens apenas falam sobre ela, criando uma expectativa para quando ela finalmente aparecesse, e quando aparece a primeira vez está com rosto coberto, que vai se desnudando aos poucos, assim como sua personalidade durante todo o filme. É de uma singeleza sem tamanho. Há espaço ainda para uma terceira personagem, a empregada da família (Luana Bajrami), que ganha uma importância muito maior na segunda metade.

Como não há quase trilha sonora, o som ganha destaque nas simplicidades do cotidiano, como a respiração dos personagens, as pinceladas, as ondas do mar, e o fogo das lareiras. Fogo esse que, aliás, está presente em quase todas as cenas, quase como um personagem coadjuvante da estória. Mesmo aparecendo em pouquíssimos momentos, a música também é muito bem utilizada. São apenas três cenas, mas todas realmente espetaculares, desde um toque ao piano até um grupo cantando a capella em volta de uma fogueira, para chegar finalmente à sublime cena final que é uma das coisas mais belas que meus olhos já viram.



Por mais que eu teça elogios ao filme, ainda parece raso para o tamanho que essa obra tem. Um filme que me fez chorar no final, não pelo seu peso emocional, mas simplesmente pelo prazer e a alegria de poder estar presenciando tudo aquilo na tela. Uma verdadeira aula de cinema da diretora Céline Sciamma.


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