quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Crítica: As Bestas (2022)


Indicado em dezessete categorias no prêmio Goya 2023, As Bestas, do espanhol Rodrigo Sorogoyen, tem sido um fenômeno e não é à toa. O thriller psicológico, ambientado na zona rural da Espanha, é intenso, sufocante e até mesmo desconfortável em muitos momentos, mas é extremamente brilhante em tudo o que propõe.


Antoine (Denis Ménochet) e Olga (Marina Foïs) formam um casal de agricultores franceses que moram há poucos anos em uma aldeia rural na região da Galícia. Eles vivem de maneira simples, cultivando seus legumes e seus frutos, e vendendo-os na feirinha todo final de semana. Ao mesmo tempo, eles também estão reformando e construindo novas residências, na tentativa de povoar essa região que aparentemente andava meio abandonada. No entanto, o clima entre eles e os vizinhos mais próximos parece ser bastante hostil, sobretudo com os irmãos Xan (Luis Zahera) e Lorenzo (Diego Anido). Antoine até tenta uma aproximação amigável no bar local, mas logo percebemos que essa rixa tem motivos muito fortes e não deve ser dissipada tão facilmente.

Xan e Lorenzo são moradores da região desde que nasceram, há pelo menos cinco décadas. Inclusive, Xan é visto como uma espécie de líder comunitário dos habitantes, e sua opinião vale muito para todos. E aos poucos, através dos diálogos, vamos descobrindo o porquê dos irmãos odiarem a presença de Antoine e de sua esposa na localidade. Isso tem a ver com o fato deles terem sido os únicos que se recusaram a assinar a favor da instalação de uma usina eólica nas montanhas locais, o que traria um pouco de dinheiro para os moradores que em sua grande maioria sempre viveram na miséria. E esse ódio vai, a conta gotas, se tornando algo cada vez mais perigoso e violento, já que os irmãos passam a amedrontar cada vez mais o casal e a transformar a vida deles em um inferno.

 


O trabalho de construção dos personagens é incrível, tanto que eu não consegui ficar totalmente contra os irmãos, tidos como "vilões" da história, justamente porque o argumento e os motivos deles agirem da forma como agem são muito plausíveis e até aceitáveis, ainda que isso não justifique algumas de suas ações. O que se vê são duas pessoas que viveram a vida toda no mesmo lugar e que perderam a chance de ter um pouco de esperança no futuro só porque alguém que chegou há pouco tempo não aceitou assinar um simples papel. Por outro lado, Antoine também levanta importantes questões ambientais a respeito das usinas, o que torna toda discussão muito relevante acerca do assunto.


O ponto máximo da produção são de fato as suas atuações. Denis Ménochet e Luis Zahera se destacam muito na primeira parte, em um duelo extremamente instigante. Destaque para uma cena em plano sequência na mesa de um bar, que me deixou totalmente boquiaberto. O personagem de Ménochet é mais quieto, pacato, enquanto o de Zahera fala muito (inclusive quando está em silêncio) e dá a impressão de que a qualquer momento vai agir de forma violenta, pois sua personalidade nos faz crer nisso. Já a personagem de Marina Foïs aparece mais no terceiro ato, mas quando tem o tempo de tela praticamente todo pra ela, simplesmente rouba a cena.


Com um ritmo que vai crescendo pouco a pouco e prendendo a atenção nas minúcias, As Bestas é certamente uma das grandes surpresas do ano. Diante de conflitos de interesses, sobretudo envolvendo dinheiro, o homem muitas vezes perde sua humanidade e se torna um animal quase irracional, ou uma "besta", e é basicamente sobre isso que o filme trata de maneira arrebatadora.

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