terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Crítica: 1917 (2020)


Centenas de filmes já retrataram nas telas a Segunda Guerra Mundial, mas existem poucas estórias que se passam na Primeira Guerra, que historicamente falando foi ainda mais violenta e sanguinária. Sem Novidades no Front (1930), Glória Feita de Sangue (1957) e Feliz Natal (2005) são ótimos exemplos, e agora junta-se a este seleto grupo o longa 1917, graças a um trabalho impressionante de Sam Mendes na direção.


O longa se passa justamente no ano de 1917, e narra a história de dois soldados que recebem a missão de levar uma mensagem para soldados aliados que estão em outro pelotão, com a intenção de salvar mais de 1600 homens de um verdadeiro massacre em uma armadilha orquestrada pelo exército alemão. O enredo é simples assim, com dois personagens que precisam ir de um ponto A a um ponto B, porém nesse trajeto eles precisam atravessar territórios inimigos e lidar com todo tipo de adversidade possível em um ambiente de guerra.

Você pode estar pensando "ok, eu já vi isso antes, então o que este filme traz de novidade e o que o diferencia dos demais filmes de guerra?", e é aí que entra a mão de Sam Mendes. Filmado com a intenção de ser um grande plano sequência (dois, na verdade), o filme cria uma imersão sensacional, como poucas vezes eu vi no cinema. Eu fiquei hipnotizado com cada cena, me senti realmente entrando na história e me transformando num terceiro personagem junto com eles. Essa maneira de contar os acontecimentos faz com que o ritmo nunca se perca, pois até mesmo nos momentos de calmaria existe uma tensão no ar, aquela ansiedade de saber o que pode acontecer dali a poucos segundos.


Pode até parecer estranho, mas mesmo sendo um filme de guerra não existe nenhuma cena de batalha propriamente dita, já que o roteiro se preocupa apenas em acompanhar a missão dos dois. E isso não é demérito algum, pelo contrário. A violência pode não aparecer através das lutas, que seria sua forma mais óbvia, mas ela está presente o tempo todo, seja nos cenários destroçados, nas casas abandonadas ou nos milhares de cadáveres pelo chão. É sutil e ao mesmo tempo pesada a visão que é mostrada da guerra. Vale lembrar ainda que o filme se passa no ano anterior ao final do conflito, onde os soldados já estão exauridos, esgotados, com fome, e isso também é mostrado muito bem na tela.

Tecnicamente é um filme impecável. Sua fotografia é um primor, bem como todo o design dos cenários. A trilha sonora onipresente também ajuda muito a criar o clima de apreensão. Outro fator que também precisa ser elogiado é o trabalho de maquiagem. Há um momento em que um soldado morre e é possível ver sua aparência ir empalidecendo aos poucos, e tudo isso sem perder o fio do plano sequência, sem cortes. Simplesmente sublime.


Dean-Charles Chapman e George MacKay são dois jovens atores desconhecidos do grande público, mas se saíram muito bem na pele dos protagonistas. Não chegaram a ser tão exigidos nas atuações propriamente ditas, mas com certeza não foi fácil seguir em cena por vários minutos sem cortes e isso deve ser exaltado. O filme ainda conta com brevíssimas participações de Benedict Cumberbatch e Colin Firth, além de um dos maiores elencos de figurantes dos últimos anos.

Algumas coisas, bem pontuais, me incomodaram um pouco, como o fato de um dos personagens principais explicar o que estava acontecendo em algumas cenas que eram por si só auto-explicativas, como se tivesse subestimando a inteligência do espectador, ou ainda, a falta de profundidade em alguns diálogos, como em uma cena que acontece dentro de um caminhão. Mas entendo, porém, que talvez o diretor tenha apenas optado por abordar a superficialidade e o vazio das relações num ambiente hostil como esse, então realmente isso não atrapalhou a experiência.


Por fim, considero 1917 não somente uma das grandes experiências cinematográficas do ano mas também um dos melhores filmes de guerra já realizados, e falo sem medo de estar exagerando. Que sirva como inspiração para que mais filmes tenham a coragem de usar este formato narrativo sem cortes, que aqui funcionou e fez toda a diferença no resultado final.

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