terça-feira, 13 de junho de 2023

Crítica: Beau tem Medo (2023)


Depois de estrear no cinema com Hereditário (2018), e logo em sequência lançar Midsommar (2019), o nova-iorquino Ari Aster entrou definitivamente para a lista dos diretores mais promissores do século, não apenas pela sua inventividade narrativa, mas também por demonstrar uma enorme habilidade em moldar a percepção do espectador através das imagens. Consolidado, e com um fandom para lá de barulhento, o diretor poderia ter seguido na mesma linha em seu terceiro filme, mas decidiu ousar, e talvez o excesso de ousadia tenha custado um pouco caro desta vez.


Baseado em um curta metragem do próprio diretor, Beau tem Medo (Beau is Afraid) é uma verdadeira odisseia por dentro da mente problemática de Beau (Joaquin Phoenix), um homem que vive sozinho em seu apartamento numa região caótica de uma cidade fictícia. Caótica, inclusive, talvez seja uma palavra branda para descrever o local onde ele mora, onde o simples ato de atravessar a rua para ir numa mercearia se torna uma missão quase impossível em meio aos transeuntes alucinados e descontrolados que o atacam arbitrariamente. A primeira hora do filme acompanha Beau tentando "sobreviver" neste ambiente, e eu estava gostando bastante dessa energia anárquica, onde tudo era imprevisível. Os únicos momento de Beau fora do apartamento neste início acontecem quando ele vai nas sessões com seu terapeuta para tratar as crises de ansiedade.

Após uma noite mal dormida por conta de uma rixa com seu vizinho, Beau está se preparando para ir visitar a mãe (Patti LuPone), uma magnata dona de um gigantesco conglomerado empresarial que fabrica de tudo um pouco, de produtos alimentícios a eletrodomésticos, e que construiu até mesmo prédios como o que Beau mora. Porém, ao tentar sair do apartamento, sua mala e a chave do apartamento são roubados, o que faz com que ele ligue para sua mãe dizendo que não irá mais, algo que não a surpreende pois aparentemente Beau já possui o costume de inventar desculpas para não vê-la. Um tempo depois, ao ligar novamente para a mãe, ele fica sabendo que ela supostamente morreu esmagada por um lustre dentro de casa, e que sua presença no enterro é imprescindível. Beau decide então ir de qualquer jeito, e é a partir de então que começa a grande virada de chave do filme, que passa a acompanhar de forma lenta (mas não menos intensa) a odisseia do personagem, que se vê em uma série de situações bizarras e completamente irreais.


É justamente nesta passagem do primeiro para o segundo ato que o filme perde a sua força, com o uso excessivo de metáforas e alegorias para nos fazer adentrar na cabeça do personagem. Após ser atropelado, Beau acaba sendo acolhido pelo casal que causou o acidente em uma residência isolada, onde o homem, um cirurgião renomado, passa a medicá-lo. Após fugir, Beau se vê dentro de uma mata, onde encontra um teatro itinerante e, de alguma forma, se sente representado em cena. São longas cenas interpretativas e inusitadas, com uso até mesmo de cenários animados (que lembram bastante o cinema de Michel Gondry), e não dá para saber direito se o que estamos vendo é o mundo quase distópico criado pelo diretor, ou se estamos de fato dentro da mente do personagem e de suas paranoias. Aliás, grande atuação de Joaquin Phoenix, que consegue transparecer em seu rosto todo o desespero anêmico e passivo do personagem.

O filme talvez seja um grande pesadelo do seu protagonista (quem sabe um sonho real do próprio diretor), daqueles de onde não conseguimos sair e vamos ficando cada vez mais desesperados com isso. É possível perceber, por exemplo, que em muitos momentos os personagens que interagem com Beau aparecem distantes, com rostos desfocados, tal qual num sonho de verdade. Eu, que costumo ter sonhos muito malucos e nonsense, consegui identificar várias semelhanças, como os cenários que se modificam rapidamente e as ações completamente abstratas dos personagens que surgem pelo caminho, como a menina que do nada bebe tinta diretamente da lata, ou um "perseguidor" de Beau que fica o tempo atrás dele e aparece em momentos inesperados. O final me deixou ainda mais certo desta teoria, onde Beau aparece em uma espécie de "julgamento" dos atos que teve durante a vida até que de repente, como num abrir de olhos abrupto, some.


Por fim, Beau tem Medo é um filme extremamente divisivo e corajoso do diretor, ainda que eu ache que poderia ter sido menos exaustivo e mais objetivo. Ao tratar a psique do protagonista e seus traumas, são abordados temas como o afeto familiar e até mesmo a sexualidade, visto que Beau sofreu uma forte repressão na infância que fez com que ele nunca tivesse amadurecido emocionalmente e sexualmente. As passagens onde ele se enxerga mais novo e mais velho deixam isso bem claro. É aquele tipo de obra que cada espectador vai ter sua própria interpretação e possivelmente buscar por teorias e significados após o seu final, e como falei anteriormente, irá dividir muito as opiniões de quem o assistir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário