sábado, 24 de junho de 2023

Crítica: A Thousand and One (2023)


Vencedor do último Festival de Sundance, A Thousand and One se passa na região do Harlem, no ano de 1994, e traça um panorama da vida dos moradores do subúrbio nova iorquino numa época em que ocorriam mudanças significativas na estrutura social da metrópole.


O filme acompanha Inez (Teyana Taylor), uma mulher que acaba de sair da prisão após um ano, e ao mesmo tempo em que tenta voltar a trabalhar como cabeleireira, também quer resgatar seu filho de seis anos, Terry (Aaron Kingsley Adetola), que está vivendo com pais adotivos. No desespero de tê-lo novamente por perto, ela decide tomar a atitude ousada de "sequestrá-lo", mesmo que o garoto demonstre certa resistência em um primeiro momento, pois não acredita mais que a mãe possa ser capaz de criá-lo sem "sumir" novamente. A partir de então, acompanhamos cerca de duas décadas da vida dos dois, que passam a viver de forma clandestina com documentos falsos em outra região da cidade. Na segunda parte do filme aparece também a figura do pai de Terry, Lucky (William Catlet), que apesar de aparentar ser um homem durão e de pouco afeto, acaba tendo um papel importante no amadurecimento do garoto.

Os problemas começam quando Terry, agora com dezessete anos, quer naturalmente conquistar sua própria independência e entrar em uma universidade pensando num futuro melhor, mas enfrenta dificuldades burocráticas por ter crescido com um nome que na verdade não é o seu. Diante da situação, alguns segredos do passado dele e da mãe também vêm à tona, numa espiral de sentimentos que fortalecem ainda mais a relação dos dois. O ponto alto do filme é a atuação de Teyana Taylor, num papel difícil e arrebatador. Sua personalidade enérgica contrasta com a doçura que tem com o filho, e é o retrato fidedigno de uma mulher forte, combativa, que não se deixa abalar pelos obstáculos imensos que a vida coloca pela frente.

A contextualização da época é importantíssima para a trama, já que Nova Iorque vivia no final dos anos 1990 um período de grandes transformações. O prefeito da época, Rudy Giuliani, ficou conhecido pela dura repressão policial, que dava plenos direitos às autoridades para agirem de forma arbitrária, invadindo casas e abordando pessoas na rua por qualquer motivo e sem precisar de ordens de cima. Ele também lançou o polêmico programa de "limpeza cívica", onde se preocupava em punir até mesmo as pessoas que não atravessavam a faixa de pedestre corretamente. Neste cenário, havia também uma forte tentativa de gentrificação e uma espécie de "limpeza étnica" dos principais bairros da cidade, e achei curioso a forma como o diretor traz isso para a tela, através de discursos na televisão e no rádio. É um "inimigo" invisível, mas que está ali o tempo todo.


O longa metragem de estreia de AV Rockwell poderia ter ido para o lado mais fácil, da dramatização exacerbada e moralista, apresentando um arco de redenção clássico da mãe que ama o filho e faz tudo por ele, mas consegue fugir disso com maestria, sendo na verdade um retrato de pessoas que o sistema adora ignorar, menos quando é para reprimí-los. Um filme bastante sólido e com uma mensagem muito potente por trás.

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