terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Crítica: Amerikatsi (2023)


Representante da Armênia no próximo Óscar de melhor filme internacional, Amerikatsi usa um tom satírico e quase fabulesco para falar sobre os traumas pesados que o povo armênio carregou ao longo de todo século XX, desde o genocídio orquestrado pelo Império Turco-Otomano entre 1915 e 1923 até a longa sequência em que ficou sob o regime da União Soviética após a Segunda Guerra Mundial.


O filme acompanha Charlie (interpretado pelo próprio diretor Michael A. Goorjian), que saiu refugiado da Armênia em 1915 quando ainda era criança. Antes de partir, ele ainda viu sua mãe ser morta de forma covarde e violenta, com um tiro na cabeça, algo que o traumatizou pelo resto da vida. Mais de 30 anos se passaram, e após a Segunda Guerra Mundial, a União Soviética de Josef Stalin tomou conta da Armênia e decidiu repatriar as vítimas daquele período que ainda estivessem vivas. Um deles acaba sendo o próprio Charlie, que decide voltar ao país após décadas vivendo nos Estados Unidos.

Logo que Charlie chega no país, ele percebe que a realidade é completamente diferente da que foi oferecida. Acusado de ser um espião americano e de trazer a propaganda capitalista para o país, ele é condenado a ir para os campos de trabalhos forçados na Sibéria, mas por um acaso do destino acaba ficando no próprio território armênio, em uma prisão soviética, onde junto com outros presos irá ajudar na reconstrução de um muro. 

Durante a prisão, ele passa os dias na grade assistindo a vida de um casal que mora em um prédio ao lado. Charlie usa esse "vouyerismo" para driblar a própria solidão da cela, se alimentando no mesmo momento que o casal como se estivesse na mesa junto, simulando conversas, e até mesmo festejando junto quando eles recebem visitas. O homem vigiado é conhecido como Tigran, e é um dos guardas que cuida da prisão lá do alto de uma torre. Aspirante a artista, ele é apaixonado por pintar, mas precisa fazer isso de forma muito escondida, já que o exército proíbe terminantemente o seu tipo de arte. E a relação que se cria à distância entre Charlie e Tristan é bem interessante de acompanhar.

 

O filme tem um humor muito peculiar, que no início até pode incomodar um pouco, mas não deixa de apresentar com muita solidez o drama deste povo que por um longo período de tempo não conseguiu ter um lugar no mundo para chamar de seu. Dedicado ao avô do diretor, que muito provavelmente deve ter tido sua história usada como influência para o roteiro, Amerikatsi é uma história agridoce sobre a guerra e o verdadeiro conceito de liberdade.

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