sábado, 6 de janeiro de 2024

Crítica: A Memória Infinita (2023)


Depois do maravilhoso O Agente Duplo, a cineasta chilena Maite Alberdi volta a tocar no sensível tema da velhice, mas dessa vez sob a ótica de alguém que está sofrendo com o duro processo de perda de memória causado pelo Mal de Alzheimer. A Memória Infinita (La Memoria Infinita) é um retrato intimista e comovente da doença, mas vai muito além disso, e fala também de como o resgate da memória é fundamental não somente na esfera individual, mas sobretudo no coletivo, quando faz questão de relembrar o passado sangrento do Chile.


O documentário conta a história de amor entre Augusto Góngora, um jornalista combativo que registrou a realidade chilena durante a ditadura de Pinochet, inclusive de forma clandestina e colocando sua própria vida em risco, e Paulina Urrutia, uma famosa atriz que chegou a ser Ministra da Cultura há poucos anos atrás, e que ainda segue ativa na carreira teatral. O filme mistura filmagens feitas pela equipe de Alberdi com cenas caseiras filmadas pela própria Paulina, sobretudo no período da pandemia de Covid-19, onde o casal precisou ficar isolado. Apesar de ter sido uma alternativa emergencial para seguir com o projeto, isso deixou o filme com um aspecto ainda mais íntimo.

A questão principal do filme é justamente mostrar o paradoxo que há em relação a Augusto, um homem que por anos lutou para que a memória triste de seu país não fosse apagada, mas que agora vê a sua própria memória se esvaindo aos poucos. E através das imagens de arquivo (muitas delas feitas por ele mesmo), livros e fotos, Augusto vai reconstituindo um pouco do que ele era, e o filme vai usando isso para montar quase um documentário tributo ao jornalista, que faleceu em maio do ano passado. 


O início do filme é bastante cativante, mas ele acaba ganhando ares bem dramáticos quando a falta de memória, a confusão mental, e os ataques de raiva consequentes disso aumentam com o tempo, mostrando a realidade crua da doença e o quanto ela afeta a vida de quem também está junto. Só quem já teve algum parente com Alzheimer, sabe a dor de ver a pessoa amada se tornar uma outra completamente diferente, além dela esquecer até mesmo de você. E isso também é mostrado de forma muito emocional. Maite Alberti demonstra mais uma vez uma aptidão única para abordar temas profundos com extrema delicadeza. É um filme lindo em sua essência, ainda que relativamente triste.

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