segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Crítica: Io Capitano (2023)


O tema da imigração tem sido recorrente no cinema europeu, principalmente pelo fato do continente estar vivenciando desde 2015 a maior onda de refugiados após a Segunda Guerra Mundial. São milhares de pessoas que todos os dias se arriscam para fugir de guerras e do estado de pobreza extrema em seus países de origem, com intuito de tentar levar uma vida digna nos grandes centros, e Io Capitano, novo filme do italiano Matteo Garrone, aborda esta questão de forma angustiante, em um dos filmes mais tensos e necessários do ano.


Vencedor do Leão de Prata em Veneza, e escolhido para representar a Itália no Óscar de melhor filme internacional, o filme acompanha Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall), dois jovens senegaleses que decidem guardar algumas economias para fugir do país e tentar ganhar a vida na Europa. Ao contrário de outros imigrantes que fogem de guerras, eles aparentemente vivem numa certa tranquilidade, e a principal motivação é melhorar a vida da família e tentar ma carreira musical. Mesmo contando com a negativa da família, eles partem às escondidas de Dakar rumo à Síria, onde irão começar a jornada pelo deserto do Saara, tendo como meta alcançar o sul da Itália. 

Ao longo de duas horas, acompanhamos a odisseia destes meninos, que precisam enfrentar não somente os perigos naturais do percurso, como a maldade humana no seu estado mais puro, na pele de policiais e rebeldes que se aproveitam da situação de desespero para enriquecer às custas das pessoas, ou usá-las em trabalhos forçados. O roteiro tem muita sobriedade e conduz tudo como se fosse uma grande aventura. O primeiro ato contextualiza e apresenta muito bem estes dois personagens e suas motivações, o que ajuda a criar uma empatia instantânea por eles. Já o segundo ato ganha ainda mais força ao mostrar a jornada dos dois, os perigos, os sofrimentos, mas sobretudo a resiliência de continuarem firmes em suas missões. O último ato é o mais tenso de todos, principalmente quando Seydou precisa se responsabilizar pela vida de centenas de imigrantes como ele, ao comandar um barco pelo mar mediterrâneo (daí o nome do filme).


Mais do que a jornada física, os protagonistas passam também por uma jornada de amadurecimento. Afinal, eles saíram de seu vilarejo com uma esperança quase ingênua, sem ter a mínima noção do que poderiam encontrar pelo caminho, e ao final já eram pessoas completamente diferentes. Mas ainda assim, com o mesmo coração e a mesma humanidade. O prêmio de melhor atuação estreante em Veneza foi justíssimo para Seydou Sarr, que está impecável, em uma das atuações masculinas mais fortes que vi este ano. É um filme doloroso, impactante e visceral, que grita, assim como seu personagem principal no final, por soluções.

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