terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Crítica: El Castigo (2023)


Com um dos finais mais impactantes que assisti nos últimos tempos, El Castigo, do chileno Matías Bize (de A Vida dos Peixes), é um filme que brilhantemente trabalha a questão da maternidade e suas responsabilidades, culpas e medos, mas além disso foca também nas relações pessoais e nos sentimentos conflitantes que muitas vezes somos obrigados a esconder por anos debaixo do véu da rotina.


Conduzido na forma de um grande plano sequência, o roteiro nos apresenta Ana (Antonia Zegers) e Mateo (Nestor Cantillana), um casal que está dentro do carro indo para um almoço na casa da mãe dela. Há algo estranho no ar, e logo percebemos que o filho do casal, Lucas, também estava no carro, mas foi deixado há poucos metros atrás, na beira da estrada, possivelmente como forma de castigo por algum ato indisciplinar na viagem. Os motivos vão sendo explicados no decorrer da trama, mas ao voltarem para pegar o menino, eles percebem que ele simplesmente desapareceu. Após uma rápida e ineficaz procura, Ana e Mateo decidem chamar a polícia para ajudá-los, e enquanto os agentes fazem as buscas com ajuda de reforços e até de cães farejadores, não somente a história vai sendo finalmente desvendada como toda a relação deste casal em relação ao filho.

Através dos diálogos, múltiplos sentimentos vem à tona. Fica claro que Ana é responsável pela educação quase integral do filho, e por consequência, é também a responsável pelas broncas e reprovações, enquanto Mateo é visto como o "pai bom", pois praticamente só está com o filho nas horas de lazer. Até mesmo na hora de recriminá-lo por algo errado, ele também se mostra muito mais flexível do que a mãe. No meio disto, outros pontos também passam a ser debatidos entre eles, até que Ana revela uma dura opinião que ela guarda há anos dentro de si: a de que ela não queria ter tido filhos, e desde que isso aconteceu nunca mais conseguiu ser feliz.

A pressão que sempre foi exercida pela sociedade em cima das mulheres para que elas tenham filhos, fez com que isso se tornasse quase uma obrigação para elas, mesmo que não fosse o desejo. De alguns anos para cá esta realidade vem sendo mudada, mas não tem como negar que ela ainda existe, mesmo quando recai indiretamente. Uma mulher que não quer ter filhos por opção pessoal ainda é vítima de inúmeras críticas, e o assunto ainda é quase um tabu. O diretor aborda este tema com extremo realismo, e tenho certeza que muitas pessoas irão se identificar.


El Castigo é um filme denso, impactante, e que vai construindo sua tensão aos poucos. Por ser um filme em que os diálogos e as expressões dos atores comandam as emoções do espectador, era imprescindível ter um bom elenco por trás, e a atuação de Antonia Zerges é simplesmente fenomenal. É possível sentir toda a dor e a angústia que ela carrega por estar inserida numa vida que ela não queria, mas que se viu obrigada a estar. Ela deixa claro que ama o filho mais do que tudo, isso é importante frisar, mas tem a coragem de dizer que seria mais feliz se não o tivesse tido, pois sabe que sua vida nunca mais foi a mesma. É uma personagem à beira do precipício, que não consegue mais sentir nada, apenas tristeza, e que finalmente parece ter tido a coragem de colocar isso para fora.

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