segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Crítica: Propriedade (2023)


Incômodo, sufocante e provocador. Assim eu começaria definindo Propriedade, filme do diretor pernambucano Daniel Bandeira, que através de uma situação específica disserta de forma simbólica sobre a luta de classes, e disseca a face mais crua da barbárie humana, desafiando a nossa moral diante do que passa na frente dos nossos olhos.


O filme inicia mostrando o casal de classe média alta Roberto (Tavinho Teixeira) e Teresa (Malu Galli), que vivem junto com a filha adolescente em uma casa de alto padrão. Teresa é uma estilista de sucesso, mas está vivendo reclusa desde que uma situação de violência urbana aconteceu com ela. Tentando aliviar a cabeça da esposa e fazer com que ela esqueça um pouco este trauma, Roberto planeja passar um fim de semana na fazenda da família. Além disso, faz questão de comprar um carro totalmente blindado para dar de presente à ela, para que ela possa se sentir mais segura para conseguir voltar a sair de casa.

Quando o casal chega na fazenda, logo se depara com algo assustador, mas imediatamente o filme corta para um flashback, que apresenta outra narrativa que em poucos minutos irá convergir com esta. Nesta história paralela, acompanhamos os trabalhadores desta fazenda, que possuem um regime praticamente análogo a escravidão, e que do nada recebem a notícia de que o local será fechado para virar um hotel e eles terão que ir embora. Para piorar, eles não terão os documentos liberados enquanto não acertarem suas dívidas, mas como pagar se o "salário" que recebem é em refeições e teto para dormir? Naturalmente uma rebelião inicia entre eles, em uma escalada de violência que sai completamente do controle.


Quando o grupo ataca o casal dono da fazenda, Teresa consegue escapar e se refugia no carro, que por um motivo muito curioso ela não consegue ligar. O veículo acaba virando uma fortaleza intransponível, e o grupo de trabalhadores passa o restante do filme tentando mil e uma alternativas para forçá-la a sair lá de dentro, torturando-a fisica e mentalmente. Enquanto isso, muitos embater acontecem entre eles mesmos, já que alguns aparentemente são adeptos do diálogo enquanto outros querem matá-la a qualquer custo. Mas é evidente que a situação já chegou em um ponto onde não há como tentar resolver de forma razoável, e todos, absolutamente todos, sairão perdendo disso.

O que pesou negativamente no filme para mim, é o fato dele ser bem controverso em seus pontos de vista. Naturalmente eu ficaria do lado dos trabalhadores em uma situação de injustiça, mas aqui, não tem como defender as suas ações. Por mais que o diretor trabalhe bem os motivos da revolta, e nos faça ter empatia por eles, a reação jamais pode ser tão desproporcional como acaba acontecendo. A comparação com Bacurau, de Kléber Mendonça Filho, é inevitável pela premissa, mas diferentemente do filme de Kléber, aqui não temos um mal a ser combatido, propriamente dito, e os personagens parecem muito mais irracionais em suas atitudes, como . Tenho certeza que a intenção do diretor não era "demonizar" um dos lados, sobretudo o dos trabalhadores, mas é o que de certa forma acaba acontecendo.


Em termos de suspense, o filme cumpre magistralmente o seu papel, pois é impossível não ficar absolutamente angustiado com tudo que está acontecendo. Destaco também a atuação da Malu Galli, que está incrível na pele desta personagem que não tem quase nenhuma fala, mas possui uma expressividade no olhar que impressiona e fala por si só. Propriedade é daqueles filmes que ficam presos na cabeça dias após assisti-lo, tamanha intensidade, e que certamente ainda vai gerar bons debates.

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