sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Crítica: Anatomia de uma Queda (2023)


Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, Anatomia de uma Queda (Anatomy of a Fall) apresenta um mistério que literalmente transforma o espectador em um jurado de um suposto crime de homicídio, sem no entanto jamais apresentar a resposta conclusiva do que aconteceu. A diretora Justine Triet inteligentemente brinca com as nossas perspectivas a respeito da verdade, e é essa subjetividade do roteiro que faz ele ser tão complexo e envolvente.


Sandra (Sandra Hüller) é uma escritora de relativo sucesso que vive com o marido Samuel (Samuel Theis) e o filho Daniel (Milo Machado-Graner) em uma casa isolada nos Alpes Franceses. O filme começa com ela recebendo uma jovem que vai até o local para entrevistá-la, mas elas acabam sendo interrompidas pela música alta que Samuel coloca para provocar a esposa enquanto faz uma reforma no sótão. Ela tenta levar na brincadeira e fala para a entrevistadora que isso é rotineiro e ele não faz por mal, mas já fica evidente que há um clima estranho entre eles no ar.

Quando o filho do casal volta para casa após sair para passear com o cachorro, ele encontra o corpo do pai caído na neve. Este é só o início de uma investigação forense que tenta determinar o que ocorreu enquanto o menino estava fora e a mãe supostamente tirava um cochilo. Foi um acidente? Foi suicídio? Ou foi um homicídio? A partir de então, a trama amarra todas estas possibilidades de maneira primorosa, manipulando nossa opinião conforme cada nova pista é mostrada. Não há uma verdade definitiva apesar de Sandra se tornar a principal suspeita do crime, e as dúvidas só crescem na medida em que o filme transcorre, pois a cada momento aquilo que parece ser a verdade evapora com novos indícios.


Seguindo a fórmula clássica de um trhiller de tribunal, a narrativa é dividida em três partes, sendo a do julgamento a que tem maior tempo de tela. E o que era para ser um caso de possível assassinato, acaba sendo praticamente um estudo da relação entre Sandra e Samuel. Passamos a acompanhar detalhes da vida do casal e da dinâmica que existia entre eles, tornando um julgamento muito mais pessoal do que qualquer outra coisa. Até mesmo a bissexualidade da protagonista é trazida à tona, virando munição da acusação. 

Por trás disso tudo o filho do casal, que se vê obrigado a ouvir e descobrir coisas sobre os pais que ele não estava preparado. O menino, inclusive, acaba sendo uma peça fundamental na reconstituição dos fatos, ainda que não tenha testemunhado o momento da queda. É através das memórias do garoto, muitas vezes confusas e embaralhadas, que o júri vai montando um quebra-cabeças de como as coisas funcionavam dentro desta convivência familiar.


O trabalho sonoro é impecável, e em um dos poucos momentos em que o filme sai da sua narrativa linear, é justamente quando utiliza a transcrição de um áudio para apresentar um flashback daquilo que estava sendo ouvido nele diante do tribunal. O ritmo nos conduz por cerca de duas horas e meia sem cansar, e isso se deve não só à montagem ágil da diretora, mas também ao trabalho impressionante da atriz Sandra Hüller, possivelmente a melhor atuação feminina que vi até então este ano.

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