quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Crítica: Ângela (2023)


É uma verdadeira lástima quando um filme possui um potencial enorme em mãos para apresentar uma ideia e acaba jogando tudo fora. É o caso de Ângela, dirigido por Hugo Prata (de Elis), que mostra um recorte na vida da socialite brasileira Ângela Diniz, assassinada pelo companheiro na sua casa em Armação dos Búzios no ano de 1976. A tentativa de usar a história deste crime que chocou o Brasil para trazer à tona um tema atual e importante como o feminicídio infelizmente acaba sendo vazia e apelativa, o que deixa em cheque a verdadeira intenção do diretor por trás de tudo isso.


O roteiro inicia em um período conturbado na vida de Ângela (Isis Valverde), onde ela acabou de perder a guarda dos filhos e embarcou em um relacionamento com Raul "Doca Street" (Gabriel Braga Nunes), após conhecê-lo em uma social na mansão da sua, até então, esposa. Não há nenhuma explicação sobre o passado de Ângela em Minas Gerais, sobre o porquê dela ser chamada de "Pantera Mineira" pelo repórter que cobre o evento, sobre a perda da guarda dos filhos, e muito menos sobre esse relacionamento que se cria abruptamente entre ela e Raul. Tudo é apenas jogado, de forma superficial, esperando que o público já conheça de antemão quem foi a socialite e o que ela representou para a época.

A seguir, já somos levados à casa em Armação de Búzios que Ângela acabou de adquirir (como, por que, para quê?), e que passou a dividir com o novo namorado. Assim como na primeira parte, aqui também é tudo muito raso, frio e distante, não existindo a mínima preocupação em fazer com que o público crie empatia pela personagem. Ângela acaba sendo mostrada até mesmo como uma pessoa arrogante e fechada, como na sua relação inicial com a empregada (Alice Carvalho). Sua vida é basicamente resumida nessa relação confusa com Raul, além dela ser excessivamente sexualizada em cenas de extremo mal gosto. Não há, em nenhum momento, algo que justifique em tela a influência que ela possuía na época, o que mostra ainda mais como essa personagem foi mal explorada.

Após a fatídica cena do assassinato de Ângela, eu esperava que o filme tentasse ao menos mostrar as consequências do ato e usasse isso para finalmente abordar o quanto a imprensa e a justiça na época foram misóginas ao tratar o caso, mas na verdade o que se vê aqui são apenas algumas legendas finais explicando o que aconteceu e nada mais do que isso. O cineasta perde aqui uma grande chance de mostrar o julgamento de Raul e trazer à tona a discussão sobre o machismo estrutural, já que na vida real ele ganhou uma pena levíssima e chegou a ser considerado um "herói" por boa parte da sociedade, sob o argumento de que teria agido em "legítima defesa da honra".  Sua pena só foi aumentada após vários protestos feministas, que usavam o famoso slogan "Quem Ama não Mata". Pois sim, nada disso foi mostrado, sendo apenas pincelado nos créditos finais. Um grande desperdício.


Sendo assim, o que poderia ser um filme para abraçar a causa de tantas mulheres que sofrem violência doméstica e tem fins trágicos como o de Ângela, acaba sendo transformado apenas em um entretenimento erroneamente picante e insosso. É, sem dúvida alguma, uma das grandes decepções do ano no cinema brasileiro.

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