sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Crítica: Monster (2023)


O cinema do japonês Hirokazu Kore-eda tem uma característica muito própria, que é a de contar histórias aparentemente simples do cotidiano, mas que nas entrelinhas abordam temas importantes e universais. Premiado como melhor roteiro em Cannes deste ano, Monster (Kaibutsu) nos coloca dentro de uma espiral de acontecimentos, fazendo com que a gente tenha que ligar todos os pontos da narrativa aos poucos, até finalizá-la de forma arrebatadora.


A trama acompanha Saori (Sakura Ando), que é mãe solteira de Minato (Soya Kurokawa), um menino bastante ativo que ainda está no ensino fundamental. Desde a morte do pai do garoto, ela se desdobra em duas para sustentar a casa, e naturalmente acaba agindo de forma superprotetora com o filho único. Ao perceber alterações no comportamento do garoto e alguns machucados pelo seu corpo, ela o pressiona para saber o que está acontecendo, e o menino fala que está sofrendo agressões do seu professor na escola. Preocupada com a situação, ela procura a direção da instituição, que parece não levar o caso a sério, deixando ela ainda mais irritada e iniciando um conflito que vai gerar várias reviravoltas.

O que está acontecendo de fato com o menino é contado sob três pontos de vistas diferentes, todos partindo curiosamente de um incêndio de grandes proporções ocorrido em um prédio central da cidade. O primeiro ponto de vista é justamente o de Saori, e essa sua busca pela verdade em relação ao filho. Todas essas verdades pré-estabelecidas nesta primeira parte vão sendo desconstruídas na segunda, que é narrada sob a perspectiva do próprio professor, Hori (Eita Nagayama). O terceiro e último ato conta a versão definitiva sob os olhos de Minato e o seu melhor amigo, Yori (Hinata Hiiragi), montando todas as peças que faltavam de maneira satisfatória.


O que mais chama a atenção nesse quebra-cabeças montado pelo roteiro, é que apesar de contar a mesma história três vezes, o filme não fica repetitivo em momento algum, já que cada ato vai trazendo elementos novos que nos anteriores passaram batidos, justamente por não estarem dentro do campo de visão da perspectiva contada. Dos três capítulos, talvez o segundo seja o mais fraco, e confesso que o filme me perdeu um pouco nele. Porém, o final é dilacerante, e compensa muito.

O elenco é poderoso, mas quem encanta de verdade são os atores mirins, sobretudo o menino que faz Yori. Doce e delicado, ele sofre diariamente com o bullying dos colegas, e isso acaba sendo o ponto central da trama, já que todos os outros personagens acabam se envolvendo com isso, seja para protegê-lo, seja para atacá-lo, ou simplesmente por se omitir. Kore-eda usa esta história simples para montar um panorama da sociedade japonesa atual, onde aborda temas como amizade, bullying na infância e o papel de pais e educadores na construção da personalidade das crianças. Um dos filmes mais belos do ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário