segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Crítica: Pedágio (2023)


Escrito e dirigido por Carolina Markovicz (do premiado Carvão), Pedágio segue a mesma linha de outros filmes nacionais lançados recentemente como Raquel 1:1 e Medusa, tendo como ponto central em comum mostrar a hipocrisia da igreja e de seus seguidores. Porém, diferentemente das outras obras relacionadas, aqui a diretora assume um tom de sátira, o que faz o filme ser extremamente carismático em alguns momentos, mesmo abordando temas obscuros como o preconceito e a busca disparatada de uma "cura gay".


O filme acompanha Suellen (Maeve Jinkings), uma mulher batalhadora que  trabalha como atendente de um pedágio em Cubatão, na região da baixada santista. Ela mora com o filho Tiquinho (Kauan Alvarenga), um jovem prestes a se formar no ensino médio e que passa boa parte do tempo performando músicas pop, com direito a figurinos extravagantes e muita maquiagem, para vídeos que ele mesmo posta na internet. O jeito do filho incomoda muito Suellen, num misto de vergonha (pelos vídeos viralizarem entre seus colegas de trabalho) e preocupação (por medo de ver seu filho sofrer com o preconceito dos colegas na escola), e influenciada pela colega de trabalho Telma (Aline Marta Maia), ela decide colocar o garoto em uma espécie de "cura gay" organizada por um pastor de fora do país.

Markovicz consegue nos apresentar estes personagens de uma forma muito orgânica, criando um laço de empatia imediata, principalmente quando focamos nesta relação entre mãe e filho. Suellen possui elementos que poderiam facilmente transformá-la em uma antagonista da sua própria história, mas a verdade é que não dá para dizer que existe maldade em suas ações. Sua homofobia com o filho é muito mais uma preocupação com o futuro do garoto, em um mundo que infelizmente ainda não aprendeu a acolhê-lo, do que repúdio por ele ser quem ele é. E isso fica evidente em uma cena onde ela desabafa com o garoto e indaga "você acha que o mundo lá fora é fácil pra gente que nem você?".


O realismo da trama é deixado um pouco de lado com a personagem Telma, que trabalha com Suellen no pedágio. Ela é usada para dissecar a hipocrisia dos fanáticos evangélicos, mas tem algumas escolhas um tanto quanto irreais. Ainda assim, é a responsável por alguns dos momentos mais cômicos do filme, sendo também uma personagem que a protagonista sente muita confiança (pro bem ou pro mal). No meio disso tudo, Suellen também vive um relacionamento complicado com Arauto (Thomas Aquino), que ganha a vida roubando joias e relógios, e que na segunda metade do filme tem um papel importante no desenvolvimento da personagem.

Sabendo do absurdo que é a ideia de existir uma "cura gay", a diretora não economiza na ridicularização disto enquanto mostra o processo terapêutico do pastor, e esses momentos são realmente engraçadíssimos. Infelizmente, por mais absurda que a ideia pareça, tem gente que realmente acredita neste tipo de "cura milagrosa", como se a homossexualidade fosse uma doença que precisasse de tratamento.


O grande destaque do filme fica por conta da atuação de Maeve Jinkings, que trabalha pela segunda vez com a diretora, e é gigantesca em cada cena que aparece. O seu olhar cansado expressa todos os sentimentos de uma personagem extremamente humana que, assim como todos nós, tem qualidades e defeitos pontuais. O design de produção também merece elogios, por recriar espaços que ajudam na fácil identificação do público, como nos detalhes da casa onde os protagonistas moram ou os locais que eles frequentam. Por fim, arrisco a dizer que Pedágio é o melhor filme nacional que vi em 2023 no cinema, e em um ano que foi repleto de ótimas produções feitas por aqui, isso é muita coisa.

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